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Scioli, o resistente que está a caminho de presidir a Argentina

Kirchner aceita o governador de Buenos Aires como candidato depois de menosprezá-lo

Carlos E. Cué
A presidenta argentina, Cristina Kirchner, ao lado do governador e candidato Daniel Scioli.
A presidenta argentina, Cristina Kirchner, ao lado do governador e candidato Daniel Scioli.Charly Diaz Azcue/CON (LatinContent/Getty Images)

Quem o conhece diz que para entender Daniel Scioli é preciso ir a Villa La Ñata, onde está a mansão sobre o delta do rio Paraná em que vive o homem que tem mais possibilidades de ser o novo presidente da Argentina. Ali ele está em seu meio. Esportista doente, obcecado por não parecer um político clássico, fez construir às portas de sua mansão uma quadra de futebol de salão e comprou um time, que levou à primeira divisão, com um único objetivo: que pudesse jogar todos os sábados.

Aos 58 anos e com um único braço —perdeu o outro em um acidente quando competia com sua lancha de corrida— Scioli joga —ou tenta— com pessoas de vinte e poucos anos e se irrita com o treinador, que não coloca o dono se a partida está difícil. Scioli é o rei em La Ñata. O locutor, outro funcionário, exige pelo megafone que o técnico coloque em campo o “artilheiro”, enquanto Scioli se indigna com os amigos —também famosos— que vão visitá-lo. “O idiota não me escala”, ri.

Alguém liga no celular, outro funcionário passa o aparelho para o chefe suado. Ele fala e depois joga o telefone para trás para que alguém pegue. Acima do vestiário há dois balcões com estátuas de cera em tamanho natural de Perón, Evita, Mandela, Churchill e Néstor Kirchner, que contemplam o jogo de Scioli e seus amigos. Sentado perto dos banheiros está Maradona, de cera. É o mundo particular de um personagem difícil de rotular.

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O governador de Buenos Aires é rico desde criança, como seu grande rival, Mauricio Macri. Ambos são filhos de bem-sucedidos empresários italianos. Macri, da construção civil. Scioli, de lojas de eletrodomésticos. Os dois foram playboys e famosos antes de entrar na política. Macri é mais discreto, mas Scioli continua vivendo da mesma forma: cercado de famosos, em uma vertiginosa vida social controlada por sua esposa, Karina Rabolini, modelo nos anos oitenta e hoje empresária da área de cosméticos. E assim, sempre consciente de sua imagem, está há 18 anos na política, mas fez com que as pessoas não o vissem como político.

Apesar de sua vida confortável, Scioli conseguiu, com uma enorme habilidade para construir o relato de si mesmo, vender-se como um sofredor. Um resistente. Em cada intervenção televisiva, lembra do dia há 26 anos em que perdeu um braço no acidente. Voltou a competir e a ganhar em um esporte do qual ninguém sabia nada. Tornou-se muito famoso.

O relato do sofredor

Ele e sua mulher também lembram sempre do dia em que sobreviveram a um incêndio em sua casa. As pesquisas mostram que é um homem simpático. O relato do homem sofredor é imbatível, e ele o arremata mostrando na televisão como é capaz de fazer o nó da gravata com um braço só. Os estrategistas de Macri deram ordem de não criticá-lo abertamente. Macri diz que é seu amigo. “Tem imagem de boa pessoa, e criticá-lo transforma você em má pessoa. É muito difícil ganhar dele”, admite um rival.

A história política de Scioli não é menos peculiar. Foi inscrito por Menem em 1997, que no final de seu mandato procurava esportistas e famosos para salvar o peronismo em plena crise. Quando o menemismo fez água, Scioli soube se refazer e chegou a ser vice-presidente da Néstor Kirchner. Foi chamado porque sempre se saía bem nas pesquisas. Mas os dois nunca se entenderam. E muito menos se entendeu com a mulher de Kirchner, Cristina.

Kirchner era um homem de ação que defendia a esquerda e entrava em guerra contra tudo, Scioli um esportista rico que não gosta de se comprometer nem de brigar com ninguém. Scioli prefere resistir ao combate. Sempre aguenta.

Há muitos anos, dizem os seus, tem um único objetivo: ser presidente. Não importa como nem para quê; a ideologia não é um assunto que o preocupa muito. Mas quer ser presidente e está a ponto de conseguir. “Ainda me subestimam”, costuma dizer ele, que sempre sai vivo de todas as batalhas. Queria ser prefeito de Buenos Aires, mas Kirchner o obrigou a concorrer a governador da província. E foi sem dar um pio. Cristina Kirchner cortou os fundos da província, o humilhou em atos públicos, fez com que o kirchnerismo falasse dele como “o candidato dos fundos abutre”. E ele aguentou.

Agora ela, que não confia em um homem que vê muito à direita de suas ideias, colocou como candidato a vice-presidente seu homem mais fiel, Carlos Zannini, e o rodeou de kirchneristas. Scioli não se importa, se assim conseguir ser presidente. Ele conseguiu o que queria: ela não teve outro remédio além de apostar nele, porque nenhum kirchnerista de verdade se saía tão bem nas pesquisas.

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