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O buraco negro mais brilhante ressuscita 26 anos depois

O V404 Cygni provoca uma violenta explosão de luz enquanto devora sua estrela, um evento que ‘só se vê uma vez na vida’

N. DOMÍNGUEZ
Reconstrução de um buraco negro de um sistema binário.
Reconstrução de um buraco negro de um sistema binário.Gabriel Pérez/IAC

Um dos buracos negros mais próximos da Terra voltou à vida com uma violência sem precedentes depois de mais de 25 anos de inatividade. Esse monstro da Via Láctea está produzindo surtos poderosos de luz à medida que devora a estrela que o acompanha. O fenômeno é um dos mais violentos que já foram observados e está causando enorme alvoroço entre astrônomos profissionais e amadores.

É algo “que só se vê uma vez na vida”, explicou na quarta-feira ao Materia o cientista-chefe do telescópio espacial Integral, da Agência Espacial Europeia (ESA), Erik Kuulkers. Na tarde de 15 de junho, minutos depois de desembarcar em Madri, onde trabalha, Kuulkers viu o e-mail com o aviso enviado pelo telescópio espacial Swift, da NASA. Havia acontecido uma súbita explosão de raios gama e raios X na constelação Cygnus, ou do Cisne, onde se encontra o buraco negro. Kuulkers dirigiu os olhos do Integral até esse ponto no céu, comprovou a existência da erupção exatamente naquele ponto e enviou novos alertas para a comunidade internacional. Poucos dias depois, “não há nenhum observatório no hemisfério norte, o único a partir do qual se pode observar esse buraco negro, que não esteja apontando para ele”, explica Teo Muñoz-Darias, um astrônomo do Instituto de Astrofísica das Canárias (IAC).

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“Esse buraco já se tornou a mais poderosa fonte de raios X que pode ser observada no céu e, se não fosse pela poluição provocada pela poeira que há entre nós, seria possível observá-lo da Terra a olho nu”, enfatiza. Sua luminosidade é cerca de 50 vezes superior à da Nebulosa do Caranguejo, que costuma ser um dos objetos mais brilhantes no céu noturno em altas energias, explicou a ESA. Um pequeno telescópio amador é suficiente para ver o forte clarão que durará “dois ou três meses”, segundo os dois especialistas.

O V404 Cygni é um sistema binário composto por um buraco negro que possui cerca de 12 vezes a massa do Sol e pela estrela que orbita em torno dele, ligeiramente menor que o nosso astro. Está a 8.000 anos-luz, o que faz dele um dos dois buracos negros mais próximos da Terra. Agora que voltou à atividade, também é o mais brilhante de forma esporádica, de acordo com Kuulkers. Essas duas características fazem dele um fenômeno “único, que certamente aparecerá nos livros didáticos”, ressalta Muñoz-Darias.

Ele tem cerca de 12 vezes a massa solar e é um dos dois buracos negros mais próximos à Terra

Ambos os especialistas estão em Tenerife para participar da Semana Europeia de Astronomia e Ciências Espaciais, que reúne 1.200 cientistas até sexta-feira. O súbito retorno à vida do V404 e seu estranho comportamento tornou-se um dos assuntos principais do encontro, o mais importante do gênero na Europa, como destacou nesta quinta-feira a Sociedade Espanhola de Astronomia. A página web do Astronomers Telegram, o diário de avisos mais popular entre os astrônomos, está agitada com dezenas de notificações nas quais o fenômeno é descrito no espectro óptico, de raios X, gama, rádio...

O Grande Telescópio das Canarias (GTC), o maior observatório óptico do mundo, é um dos instrumentos-chave para capturar o fenômeno em luz visível. “Na quarta-feira, 17 de junho, cinco horas depois de receber o alerta, já estávamos observando”, lembra Muñoz-Darias. Com seu espelho de mais de 10,4 metros, o GTC capta em detalhes as alterações da luminosidade do buraco. As observações indicam que os aumentos são bruscos, com altos e baixos que duram minutos ou horas, no máximo. Trata-se de algo totalmente atípico, dizem os astrônomos, e o telescópio mostra ao vivo, com uma resolução sem precedentes, os dois comportamentos fundamentais desses corpos esquivos que engolem tudo ao seu redor, inclusive a luz. O primeiro é chamado de acreção. Durante décadas, a força gravitacional do buraco negro foi arrancando as camadas mais superficiais de sua estrela, que formaram um disco em torno dele. Agora esse material, acelerado até uma velocidade próxima à da luz, foi devorado depois de cruzar o horizonte do buraco negro. Esse processo está sincronizado com um segundo no qual, depois da comilança, o escoadouro literalmente cospe jatos de matéria pelos seus dois eixos de rotação.

Velho conhecido

“Conforme o tempo passa, podemos resolver questões fundamentais como a origem dos jets [os jatos de matéria expelidos pelo buraco]”, diz Jorge Casares. Em 1992, quando ainda era estudante, esse físico do IAC foi o primeiro a medir a massa do V404. O corpo havia sido descoberto dois anos antes, precisamente durante o único evento de violenta atividade que tinha sido observado até então, obviamente sem a grande mobilização de telescópios espaciais e terrestres que estão disponíveis atualmente. Seu comportamento violento parece obedecer a padrões de atividade irregular que são um enorme mistério e que poderiam estar acontecendo há muito tempo. Antes das primeiras observações científicas de 1989, existiam placas fotográficas tomadas em 1938 e em 1956 que já mostravam um forte brilho exatamente no ponto do céu onde o V404 está.

Desde a descoberta dessa nova erupção, a evolução do objeto está sendo feita 24 horas por dia, documentando em detalhes a sua evolução. “Vamos ter uma quantidade de dados tão grande que levaremos anos para entender o que está acontecendo”, diz Muñoz-Darias.

O maior congresso da Europa

De segunda a sexta-feira, 1.200 cientistas de 50 países se reúnem na Semana Europeia de Astronomia e Ciências Espaciais (EWASS 2015). No evento, o maior da Europa nesse campo segundo os organizadores, estão sendo apresentados os dados mais recentes de missões espaciais como Gaia e Rosetta. Também estão sendo comemorados vários aniversários, como os 20 anos da descoberta da primeira estrela anã marrom ou o meio século da radiação cósmica de fundo em micro-ondas. Personagens importantes desse domínio, como Michel Mayor, descobridor do primeiro exoplaneta há duas décadas, serão homenageados na reunião, que acontece no Campus de Guajara da Universidade de La Laguna (Tenerife). A EWASS 2015 é coordenada localmente pelo Instituto de Astrofísica das Canárias (IAC) e organizada pela European Astronomical Society (EAS), em colaboração com a Sociedade Espanhola de Astronomia (SEA), o IAC e a Universidade de La Laguna (ULL).

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