_
_
_
_
_

Estado Islâmico desafia o poder hegemônico do Hamas em Gaza

Mísseis lançados pelos grupos salafistas ameaçam a trégua com Israel

Juan Carlos Sanz
Membros militares do Hamas durante uma cerimônia, no dia 16 de junho.
Membros militares do Hamas durante uma cerimônia, no dia 16 de junho.Mahmud Hams (AFP)

O grupo salafista ligado ao Estado Islâmico (EI) que disparou dois mísseis de Gaza contra Israel já foi desarticulado. Um membro do alto escalão do Hamas, a organização palestina que controla o poder na Faixa, foi quem confirmou a informação. O ataque jihadista ameaçou, no início de junho, a trégua com o Estado judeu, que está em vigor há 10 meses, desde o conflito mais recente, que resultou na morte de mais de 2.200 palestinos, e na destruição de 12.600 casas, além das que foram gravemente danificadas.

O grupo radical Brigadas de Omar reivindicou a autoria dos lançamentos como medida de represália contra o Hamas, grupo que culpa pela morte de alguns de seus militantes durante uma ação das forças de segurança de Gaza. “Eram 26 jihadistas e 20 já estão detidos”, explicou o deputado palestino Salah Baradauil em um escritório do canal al-Aqsa. A sede da emissora de televisão do Hamas sofreu sucessivos ataques aéreos de Israel nos conflitos de 2008-2009, 2012 e 2014 e é reconstruída em cada período de paz.

Mais informações
Na Faixa de Gaza, a mais sangrenta ofensiva militar em uma década
Israel mata líder do Hamas em mais uma operação na Palestina
Justiça europeia anula a definição do Hamas como grupo terrorista
Estado Islâmico ganha força depois das conquistas de Palmira e Ramadi
Iraque diz que um dos principais líderes do Estado Islâmico foi morto

“Nós não rompemos a trégua com Israel”, garantiu Bardauil, que é membro da cúpula de dirigentes do Hamas. "Os mísseis que esses grupos jihadistas lançam tem uma potência muito baixa e não representam uma ameaça real”, especificou, antes de relatar que o jovem abatido pelas forças de segurança de Gaza tinha a intenção de realizar o ataque com um lançador de granadas.

O dirigente do Hamas garante que sua organização é “um movimento islamita moderado” em comparação com o Califado, que demonstra “uma atitude radical que não é a do islã”.

“Os grupos salafistas de Gaza são minoritários e contavam com três recrutadores com mais de 40 anos de idade, e o resto eram jovens de entre 20 e 25 anos captados através da internet. Nenhum deles mantém contato com o Estado Islâmico”, detalhou Bardauil.

“Os grupos salafistas de Gaza são minoritários e não mantêm contato com o Estado Islâmico”, afirma o dirigente do Hamas Salah Bardauil

Não é a primeira vez que o Hamas combate os grupos salafistas em Gaza. Seus militares mataram, em agosto de 2009, cerca de 20 jihadistas e detiveram mais de 120 em uma mesquita do sul de Gaza depois que o grupo Jund Ansar Allah (Soldados dos seguidores de Deus) proclamou o Emirado de Rafah na fronteira com o Egito.

O Hamas parece ter expressado com a represália aos grupos salafistas sua vontade de manter em vigor a trégua que assinou com Israel em agosto do ano passado. Enquanto isso, analistas israelenses e palestinos afirmam que existem contatos indiretos entre ambas as partes para negociar uma hudna: um cessar-fogo de cinco ou 10 anos de duração para permitir a reconstrução de Gaza. “Não vai ser tomada nenhuma decisão a curto prazo nesse sentido”, afirmou Bardauil sobre as supostas negociações.

A desarticulação dos grupos salafistas também beneficia o Egito, que combate as organizações jihadistas que operam na Península do Sinai. O Governo do Cairo abriu, na última semana, a passagem fronteiriça de Rafah em ambos os sentidos pela primeira vez em três meses, coincidindo com o início do mês sagrado do Ramadã. “O Egito nos pediu que o apoiássemos na luta contra os salafistas do Sinai, mas nós não vamos intervir nos assuntos internos de outro país”, revelou o dirigente do Hamas.

Do outro lado da fronteira, Israel observa com preocupação o aparente auge dos partidários do Estado Islâmico em Gaza. O chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, o tenente-general Gadi Eisenkot, declarou na terça-feira em um comparecimento perante a Comissão de Defesa do Knesset que “14% dos habitantes da Faixa de Gaza apoiam o Estado Islâmico”. “Organizações mais extremistas que o Hamas cresceram com força nos últimos tempos”, reconheceu Eisenkot perante os dirigentes reunidos. “Estes grupos filiados ao EI se instalaram também no Sinai e cooperam com terroristas em Gaza”, afirmou o tenente-general.

Os cenários de destruição no sul e no leste da Faixa, nas zonas limítrofes com Israel, se assemelham às imagens da guerra da Síria. Apenas uma pequena parte das 144.000 pessoas que perderam suas casas e das 60.000 que ainda continuam desabrigadas por causa do conflito foram realojadas nos últimos 10 meses.

“Organizações mais extremistas que o Hamas cresceram com força nos últimos tempos”, reconheceu o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas

O compromisso internacional para fornecer 1,3 bilhão de dólares (cerca de 4 milhões de reais) para a reconstrução não chegou a ser cumprido em Gaza, território que o Banco Mundial acaba de ranquear como detentor da taxa de desemprego mais alta do mundo. A terra, a água, os alimentos… quase tudo está contaminado, segundo os governantes do Hamas. Nesse campo de cultivo do desespero, a emergência de grupos radicais afiliados ao Estado Islâmico só coloca mais lenha na fogueira do explosivo território de Gaza.

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_