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Obama se choca contra a desigualdade racial e o controle das armas

Ele chega à reta final sem regulamentar as armas nem alcançar o sonhado país pós-racial

Marc Bassets
Um casal afro-americano no ato em memória das vítimas de Charleston.
Um casal afro-americano no ato em memória das vítimas de Charleston.David Goldman (AP)

A matança de Charleston (Carolina do Sul) expõe uma dupla frustração do presidente Barack Obama na reta final de seu mandato. Obama, apesar das esperanças despertadas em 2008 pela chegada do primeiro afro-americano à Casa Branca, partirá sem ter fechado a ferida racial dos Estados Unidos. E, apesar da sucessão de matanças durante esse tempo, o país também não avançou nem um milímetro na regulamentação das armas de fogo. Incapaz de mudar o statu quo, o presidente se resignou a ver seus discursos e exortações ficarem sem resposta.

Em Charleston, o velho porto sulista onde eclodiu a Guerra Civil, confluíram duas crises recorrentes no mandato de Barack Obama: a das tensões raciais e a das armas de fogo. A conjunção de um racismo destrutivo, em uma parte ínfima da população mas extremamente perigosa, e o fácil acesso às armas derivou em uma combinação macabra. Nove pessoas, todas negras, morreram na quarta-feira em uma igreja afro-americana da cidade da Carolina do Sul atingidas pelos disparos de um branco de 21 anos.

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Em outro país o perpetrador teria mais dificuldade em adquirir uma arma de fogo, ou possivelmente teria de se conformar com uma faca. Nos Estados Unidos, com uma população de mais de 310 milhões de habitantes, circulam entre 270 e 310 milhões de armas de fogo em mãos privadas, concentradas em cerca de 40% da população. A interpretação vigente da Constituição ampara a propriedade privada das armas. Em nenhum país do mundo há tantas. O segundo colocado em armas per capita é o Iêmen. Nos Estados Unidos morrem mais de 10.000 pessoas por ano vítimas da violência com armas de fogo.

As armas são – como a pena de morte – uma exceção norte-americana, uma característica que distingue o país da maioria das democracias desenvolvidas. Outra característica é o trauma do racismo. O racismo, obviamente, não é uma particularidade dos Estados Unidos, mas foi ali o pilar institucional de um sistema – o da escravidão até 1865, o da segregação até cem anos depois, o dos 4.743 mortos por linchamentos entre 1882 e 1968 – que deixou sequelas. Uma parte da população negra vive presa a uma espiral de pobreza, desestruturação familiar e violência que impede qualquer acesso ao sonho americano.

A vitória de Obama há sete anos criou a ilusão de que os Estados Unidos entravam na era pós-racial. Se o presidente era negro, se a primeira dama descendia de escravos, que outra fronteira ainda ficava por romper? Mas os avanços são lentos. A matança de Charleston é o epílogo de um ano de tensões, um ano em que a série de episódios de mortes de negros por disparos ou maus-tratos da polícia - em Ferguson, em Nova York, em Baltimore – despertou consciências. Os Estados Unidos têm 5% da população mundial e 25% da população carcerária; nos presídios os negros são perto de 40%, embora representem 12% da população norte-americana.

Obama também não avançou em seus planos para regulamentar as armas de fogo. O ritual sempre é parecido e se repetiu na quinta-feira. Sai a notícia de uma matança. O presidente faz um pronunciamento na sala de imprensa. Lê um comunicado lamentando os fatos e, por vezes, pede uma reflexão sobre a facilidade com a qual as armas de fogo circulam pelo país. Depois, nada. Nada aconteceu depois do assassinato de vinte crianças em uma escola primária de Connecticut, em dezembro de 2012, apesar de, pela primeira vez, Obama ter proposto tímidas restrições ao comércio das armas de fogo mais perigosas.

Nos Estados Unidos, segundo dados do FBI, morrem por ano mais de 400 pessoas atingidas por disparos da polícia (o número real, segundo investigações recentes da imprensa, pode ser o dobro). Segundo um gráfico da The Economist, baseado nos últimos dados disponíveis, no mesmo período morrem por disparos da polícia 8 pessoas na Alemanha e nenhuma no Reino Unido e no Japão. Uma explicação para essa disparidade é precisamente a abundância de armas nos Estados Unidos: um agente norte-americano sabe que qualquer pessoa pode estar armada e sua reação a qualquer incidente é mais agressiva.

A influência de Obama para reformar a polícia é escassa, porque as polícias são locais, não federais. Ao falar do racismo, é precavido. Sua capacidade de regulmentar as armas de fogo é ainda menor. O Congresso barra todas as iniciativas, como se comprovou depois de Newtown . Obama acredita que a mudança será lenta e paulatina, e que só chegará se os norte-americanos pressionarem seus representantes. Nada aconteceu depois de massacres como os do Columbine, Aurora ou Newton. Se esses antecedentes forem um indício, Charleston será um nome a mais.

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