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Violência urbana

A cruzada para deter os ataques com ácido na Colômbia

Congresso discute punir com até 50 anos de prisão os responsáveis pelos vários ataques

Natalia Ponce de Léon, em abril em Bogotá.
Natalia Ponce de Léon, em abril em Bogotá.AFP

Laura Daniela Lagos tem 15 anos e é a mais recente vítima de um ataque com ácido na Colômbia. Sua agressora, Dayana Buitrago, outra jovem de 18 anos, era sua melhor amiga e elas estudavam no mesmo colégio. Mas essa amizade sofreu uma reviravolta trágica na quinta-feira passada, quando Lagos saía de sua casa no norte de Bogotá e Buitrago jogou um produto químico em seu rosto que queimou o lado esquerdo da face, parte do pescoço, a língua e os lábios. Os motivos que levaram Buitrago a cometer o ataque ainda não são conhecidos. Desde o incidente, a adolescente permanece hospitalizada e terá que passar por várias cirurgias, enquanto sua outrora melhor amiga – que, segundo o jornal colombiano El Tiempo, não reconheceu as acusações por tentativa de homicídio – está atrás das grades à espera de um julgamento.

O ataque acendeu de novo o alarme em um país onde continuam vindo à luz mais casos de ataques com substâncias químicas. Desde 2012, o Ministério Público registrou 190 ataques, dos quais 71% foram cometidos contra mulheres, a maioria em Bogotá. O caso mais emblemático é o de Natalia Ponce de León, que há um ano sofreu o ataque mais violento já registrado na Colômbia. Ponce, de 33 anos, esteve prestes a morrer depois que um homem, obcecado por ela há tempo, lhe jogou ácido duas vezes, provocando queimaduras em três quartos do corpo e a deixando praticamente sem rosto.

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A jovem, que passou por 16 cirurgias, reuniu forças durante sua recuperação para falar não apenas de sua dor, mas também do que chama de sua “ressurreição”, e mostrar sua cara ao país. Há duas semanas, no julgamento contra seu agressor, Ponce, que sempre usa uma máscara transparente, narrou como é viver com a marca inapagável do ácido. Contou que, além do rosto, também foi afetada na região abdominal, braços e pernas. “Cheguei a ingerir ácido, o que afetou as minhas vias respiratórias. Essa foi a parte mais difícil”, disse.

Desde 2012, o Ministério Público registrou 190 ataques contra mulheres

Também ergueu a voz para dizer “aqui estou, sigo em frente”. A demonstração não é apenas de sua recuperação física, mas de sua decisão de lutar para que mais ninguém passe pela mesma tortura. Há poucos dias, apresentou-se no Congresso para pedir aos parlamentares que levem adiante um projeto de lei que busca endurecer as penas contra os agressores que cometem ataques com ácido.

Durante sua intervenção no Congresso, Ponce afirmou: “O problema não é apenas meu, é de todos, e se não for controlado e as penas não forem drásticas, essas torturas vão continuar acontecendo”, disse. Ponce, que criou uma fundação que leva seu nome, também denunciou que não está sendo cumprida a rota de atenção às vítimas, para quem cada minuto é vital assim que o ácido entra em contato com seu corpo.

O projeto de lei já passou por dois de quatro debates. O objetivo é que os ataques com ácido sejam considerados crimes em si mesmos e não como agora, em que são considerados uma lesão pessoal e castigados, no máximo, com 12 anos de prisão. Caso aprovado, as penas seriam endurecidas para chegar a até 50 anos de prisão. “O panorama é alarmante, porque só nos três primeiros meses do ano foram registradas 133 vítimas de ataques com ácido e outras substâncias químicas”, afirma o parlamentar Carlos Guevara, um dos autores do projeto de lei. Para Guevara, as estatísticas revelam que o ácido já é utilizado como se fosse uma arma e em casos tão preocupantes como a vingança escolar.

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Gina Potes, cujo caso foi o primeiro a ser conhecido e denunciado no país, há 18 anos, também foi escutada no Congresso. Essa mulher, que começou a dar visibilidade ao drama dos ataques com ácido em 2012, quando criou a Fundação Reconstruindo Rostos, afirma que, além de endurecer as penas, também é preciso haver um acompanhamento rigoroso dacomercialização dos químicos. “Qualquer um consegue na esquina de casa por um valor baixo, e o dano que causam é irreversível”, diz.

O grupo que lidera, com cerca de 40 sobreviventes, mobilizou-se para cobrar atendimento médico adequado, acesso a cirurgias e a postos de trabalho, entre outras prioridades. O caminho não tem sido nada fácil. Potes, por exemplo, passou por 26 cirurgias e logo virá a próxima. “Isso não acaba”, diz. Por isso, dói tanto para ela o que aconteceu com Lagos na semana passada. “Eu tinha tão somente 20 anos quando me atacaram, e significou uma vida toda de recuperação. Agora penso no que espera essa jovem de 15 anos, que, para indignação ainda maior, foi atacada por outra mulher”. E assim resume o que espera que vai acontecer na Colômbia: “Exigimos penas reais, para sofrimentos reais.”

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