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Redução da maioridade penal para crimes graves avança na Câmara

Relatório de comissão, fruto de acordo entre Cunha e o PSDB, terá de ir a plenário Por texto, irão para cadeia comum jovens de 16 anos que cometam latrocínio e estupro

Deputados comemoram aprovação.
Deputados comemoram aprovação.Gustavo Lima - Câmara dos Deputados

Depois de uma sequência de viradas políticas, digna da mais quente das séries televisivas, a novela da redução da maioridade penal ganhou mais um capítulo importante. Foi votada nesta quarta-feira, na Comissão Especial da Câmara dos Deputados, uma proposta que põe adolescentes de 16 e 17 anos na cadeia comum, quando cometam crimes hediondos e alguns outros delitos violentos adicionais. O texto, aprovado por  21 votos a favor contra 6, é resultado de um acordo selado entre o peemedebista Eduardo Cunha e o PSDB – que fechou de última hora a parceria com o presidente da Câmara dos Deputados, desistindo da aproximação ensaiada dias antes com o PT.

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Agora, a PEC 171 de 1993, que esteve engavetada por mais de duas décadas, mas ressurgiu este ano em carreira meteórica, deve ir ao Plenário da Câmara no próximo dia 30 para ser votada em dois turnos. Se aprovada, passará ao Congresso para ser avaliada, também em duas instâncias, e, com um resultado novamente favorável, pode ser promulgada sem ser sancionada pela presidenta Dilma Rousseff – contrária à medida.

Cunha colocou uma lupa sobre o tema quando sofreu um revés do Governo no debate ao redor da reforma política. Não só cumpriu a promessa de acelerar a votação da proposta na Câmara, como angariou apoios diretos para fazer valer, em grande parte, sua determinação de aprovar a redução da maioridade e afrontar o PT. Apoio essencial ele encontrou no relator Laerte Bessa (PR-DF), quem, às vésperas da votação, para acomodar os novos acertos com o PSDB, modificou seu relatório inicial, no qual defendia a redução para 16 anos em todos os crimes. Também teve de retirar outro adendo recente defendido por Cunha, de que a redução só seria posta em prática depois de um referendo realizado junto à população na eleição de 2016.

A pressão do peemedebista foi tal que o PSDB também teve de ceder e alterar em alguns pontos o projeto que serviu de base para o acordo, elaborado pelo senador tucano Aloysio Nunes. O primeiro é a exigência – derrubada – de a decisão passar pelo Ministério Público e ser avaliado por um promotor, o que implica na aplicação imediata da redução. Outro é a inclusão, além dos hediondos (como estupro e latrocínio), de crimes dolosos contra a vida (como lesão corporal grave e roubo qualificado), que não constavam na proposta de autoria de Nunes.

Os debates na Comissão Especial da Câmara dos Deputados foram intensos e empurraram a votação para o começo da noite nesta quarta. A aprovação foi comemorada pela maioria, e não faltaram declarações distanciadas do tema em si e até apelativas, como a do deputado Éder Mauro (PSD-PA): "Prefiro mil vezes as cadeias lotadas a encher o cemitério de inocentes".

Tentativa frustrada do Governo

Nesse jogo de interesses políticos, falharam duas operações do Governo: a estratégia de divulgar dados que elucidassem a desvantagem de jovens de 16 e 17 anos pagarem como adultos por seus conflitos com a lei e a tentativa de se aliar aos tucanos contra Cunha.

Enquanto lançava o Mapa do Encarceramento, na semana passada, e preparava a difusão de dados computados pelo IPEA para esta última terça-feira (16 de junho), o Planalto mobilizou o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, para se aproximar da oposição por meio de José Serra. O senador do PSDB é autor de um projeto que prevê o aumento da pena de internação de menores infratores dos atuais três para até dez anos – similar ao do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (que propõe internação de até oito anos), de quem o PT também se aproximou.

Até as declarações de Dilma Rousseff contra a redução da maioridade em suas redes sociais terminaram no vazio, ao menos por hora. A presidenta postou nesta terça, em sua página no Facebook, uma imagem com os dizeres “redução não é solução”, além de um vídeo da Human Rights Watch rejeitando a proposta da redução.

"O voto da comissão é muito decepcionante. Se for aprovada, a emenda será um grande retrocesso para a proteção dos direitos das crianças no Brasil e só servirá para colocar em risco os esforços do país para reduzir a criminalidade. Nos Estados Unidos, um dos poucos países que trata adolescentes como adultos, vários estudos têm mostrado que processar e julgar adolescentes como adultos só aumenta as chances de cometerem novos crimes após sua libertação", afirmou, em comunicado, Daniel Wilkinson, diretor para as Américas da HRW.

Estatísticas em que confiar

A derrota do Governo na queda de braços da maioridade penal não é apenas política, mas tem a ver, em grande parte, com a falta de dados que retratem a criminalidade e as prisões no país. A opinião é do advogado Ariel de Castro Alves, especialista em Políticas de Segurança Pública pela PUC-SP e ex-conselheiro do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. "Além de estar imerso em uma crise, o Governo ficou ainda mais fragilizado por não ter estatísticas confiáveis para rebater a redução", diz.

O advogado, que participou nesta quarta de um debate público sobre a redução instalado em uma Comissão de Cultura, é um crítico da PEC 171/93. Porém, acredita que "a redução apenas para crimes hediondos é um recuo positivo da proposta original”. “Esse debate deixou claro que o Governo não faz um monitoramento competente, não tem dados de reincidência, sobre a implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente e até mesmo sobre o perfil dos adolescentes que sofrem medidas socioeducativas”, opina.

Nesta terça, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) lançou, na tentativa de amenizar a questão, alguns dados recentes sobre jovens infratores com base em informações do Sinase e do próprio instituto – coletados, no entanto, apenas em 2013. Nesse ano, foram computados 23.100 adolescentes em conflito com a lei, sendo que 95% deles são do sexo masculino. Mais da metade das infrações – das quais 40% são roubos, 23,5% tráfico e 8,75% homicídios – são cometidas por jovens entre 16 e 18 anos.

Se for aprovada no Congresso a proposta de redução da maioridade penal que acaba de passar ao Plenário da Câmara, as unidades da Fundação CASA – responsável pela aplicação de medidas socioeducativas a adolescentes em São Paulo, estado com maior número de jovens infratores (10.000 dos 23.100) – perderão muitos internos para as cadeias comuns.

Ariel chama a atenção para a questão do tráfico de drogas, que aparece em segundo lugar na lista de delitos mais cometidos por menores de idade hoje no Brasil: “Na legislação comum, tráfico é considerado crime hediondo. Se esse for o caso da PEC no formato em que avançou hoje na Câmara, muitos serão os adolescentes que irão para prisões”.

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