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Paraguai se rebela contra a encantadora Argentina de Messi

A favorita do torneio chega perto de uma goleada, mas se deixa surpreender pelo rival

Messi disputa espaço com Paulo Da Silva./ MARIANA BAZO (REUTERS)Foto: AGENCIA_DESCONOCIDA
Diego Torres

A Argentina e o Paraguai reservaram uma hora e meia de surpresas na noite mais feliz e descontrolada da Copa América do Chile. Foi uma partida memorável e cheia de reviravoltas, impossível de ser vinculada a um episódio, ou a dois, ou a três. Justa em sua aleatoriedade e em seus paradoxos. O Paraguai fracassou sob as ordens de Ramón Díaz e recuperou o orgulho pelas mãos de Haedo Valdez. Diante de Messi, apenas isso, comandante de uma Argentina que empatou, mas poderia golear. Porque o verdadeiramente raro do que aconteceu no estádio de La Portada foi em relação à grande favorita do torneio. Não, a Argentina não venceu, mas também não decepcionou; não triunfou, mas ostentou o triunfo existencial de ter sido fiel ao seu gênio. Finalmente.

A Argentina não ganhou, mas recuperou o fugitivo dom do encanto na plácida La Serena. Próxima ao mar, em um estádio simpático que não admitiu mais de 20.000 pessoas, acariciada pela brisa suave do norte. Depois de anos de deserto, de partidas raivosas, de jogadores atormentados, de exigências descabidas, de supersticiosa fé no 'duplo cinco' (dois volantes, camisas 5, controlando o meio-campo), e inclusive de simples e rígida ignorância, a seleção que já teve alguns dos jogadores mais brilhantes de todos os tempos passou a impressão de estar se divertindo. Tata Martino, que não é o treinador mais sofisticado, projetou a transformação. Bastou tirar a poeira do velho manual. Recuperou o 'oito', como chama, e colocou Banega; à frente, escalou um 'dez' na figura de Pastore, embora esse número estivesse nas costas da camisa de Messi. No processo, eliminou o 'doble cinco', os dois volantes, engenhoca tática que, há alguns anos, goza entre os técnicos dessa latitude da consideração solene que merecem certos amuletos.

Argentina 2 X Paraguai 2

Argentina: Sergio Alecrim; Facundo Roncaglia, Ezequiel Garay, Nicolás Otamendi e Marcos Vermelho; Javier Mascherano, Éver Banega (Lucas Biglia, m.80), Javier Pastore (Carlos Tévez, m.75); Angel dei María,'Kun' Agüero (Gonzalo Higuaín, m.76) e Lionel Messi.

Paraguai: Antony Silva; Marcos Cáceres, Paulo da Silva, Pablo, Aguilar, Miguel Samudio; Néstor Ortigoza, Víctor Cáceres, Richard Ortíz (Derlis González, m.46) e Raúl Bobadilla (Edgar Benítez, m.66); Nelson Haedo Valdez e Roque Santa Cruz (Lucas Bairros, m.79).

Gols: 1-0, m.29: 'Kun' Agüero. 2-0, m.36: Lionel Messi, de pênalti. 2-1, m.69: Nelson Haedo Valdez. 2-2, m.90: Lucas Bairros.

Árbitro: o colombiano Wilmar Roldán deu cartão para Pablo Aguilar, Richard Ortiz, Derlis González, Lucas Bairros do Paraguai e a Roncaglia e Otamendi da Argentina.

Resumo: Partida do grupo B da Copa América disputada no estádio La Portada com 18.000 espectadores.

Não era o modelo mais equilibrado, mas enquanto os executantes tiveram energia, levou a partida para uma única direção. Foi uma reação em cadeia. Mascherano coordenou-se com Otamendi e com Garay; Banega jogou com Mascherano; Pastore ofereceu-se junto com Di María à frente dos dois meias; e Messi pode escolher quando e onde deveria aparecer. Não foi necessária sua intervenção contínua para dar sentido a suas jogadas. Messi dava o penúltimo toque, a esquivada, a aceleração. O Paraguai não encontrou uma forma de resistir. Defendeu-se com todos os jogadores em seu campo, até Santa Cruz, o atacante, e atrás da linha da bola. Levantou uma muralha, uma barricada. Aguentou até cometer um erro e concedeu o 1 a 0.

Os paraguaios haviam saído para pressionar o campo adversário, depois de uma jogada de bola parada, quando Mascherano começou a saída de bola com Messi. O capitão argentino tentou o lançamento longo, mas Samudio usou o corpo e roubou a bola antes de entregá-la ao seu goleiro Antony Silva. Foi uma decisão ruim. Antecipando-se ao recuo, Agüero interceptou a bola e abriu o placar.

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A Argentina acrescentava homens a cada manobra. Soltava Rojo ou Roncaglia, incorporava Banega, chegava com Pastore derrubando as paredes, e Messi associava-se com todos. Foi Messi outra vez, cinco minutos depois do 1 a 0, que arrastou a marcação e deixou Di María sozinho com um passe perfeito. Foi o pobre Samudio outra vez que cruzou o caminho da bola. O árbitro apitou pênalti. Não pareceu ter sido. Messi fez 2 a 0, e a partida converteu-se em entretenimento. A Argentina poderia fazer o terceiro, o quarto e o quinto. Em meio a um vendaval de faltas, algumas muito duras. Messi foi objeto de um pênalti brutal. Paulo da Silva derrubou-o ruidosamente, mas o árbitro não quis julgar os infelizes perdedores com tanta severidade. Messi, confiando que outras oportunidades apareceriam pela frente, aceitou a decisão com uma risada.

"Passaram por cima da gente", disse Nelson Valdez, depois da partida. "Mas, quando entramos nos vestiários para o intervalo, dissemos que somos uma família. Precisávamos de um belo tapa. Não tínhamos mais nada a perder".

"Somos uma família", disse Valdez. "Não temos nada mais que perder!”

A partida nunca termina para os valentes. O Paraguai voltou a campo com mais do que um espírito revanchista. Mais do que bater, como González em Di María antes de obter a indulgência do árbitro, a equipe rojiblanca atreveu-se a tocar a bola. Não havia passado uma hora quando os torcedores perceberam que aquele espetáculo poderia ter duplo sentido. Que González, além de marcar, sabia passar a bola; que Ortigoza parava-a e a distribuía; que Cáceres atrevia-se a movê-la, e que, à frente, Valdez não parava de se desmarcar nas costas de Mascherano. Foi uma revelação. A primeira jogada que os paraguaios completaram dando mais de três passes acabou em um chute de Valdez que Romero desviou. No minuto seguinte, Ortigoza voltou a tabelar com Valdez, e o ex-jogador do Hércules acertou um belo chute. De fora da área. A bola sobrevoou Romero e colocou a Argentina diante de um novo cenário. O cenário do descontrole.

Messi pediu a bola como quem se oferece voluntariamente para uma aventura juvenil. Debaixo das luzes um pouco tênues do estádio de La Portada, o que aconteceu foi mais semelhante a um intercâmbio colegial. Com as duas equipes quebradas ao meio, os zagueiros expostos ao mano a mano e os atacantes correndo por intuição, o que aconteceu foi mais divertido para os torcedores. Dribles, piques, passes, chutes, defesas, piques, passes, chutes, defesas... Ninguém ajudava ninguém. Todos jogavam e a fadiga causava estragos na ordem tática. Mas, quando Tata realizou as substituições, conseguiu apenas colocar mais lenha na fogueira: Pastore e Agüero saíram para as entradas de Tévez e Higuaín; depois, ele trocou Banega por Biglia. Não mudou absolutamente nada.

Messi e Di María estiveram a um centímetro de ampliar a vantagem. Mas o Paraguai se impôs, por bem ou por mal. Empurrando. Pressionando. Provocando faltas e escanteios que obrigaram Mascherano e Romero a ficarem roucos pedindo atenção. A Argentina estava a ponto de celebrar sua primeira vitória quando recebeu o golpe. Falta frontal cobrada por Ortigoza, escorada de Silva, distração de dois argentinos que deveriam estar atentos, e Lucas Barrios apareceu de trás para fuzilar. Aos 45 minutos do segundo tempo. Assim, o Paraguai empatou com o principal candidato a conquistar a Copa América. Depois de um dos melhores jogos que esse torneio brindará aos torcedores. O dia em que a Argentina não venceu, mas, pelo menos, conseguiu se reinventar. O dia que o Paraguai fracassou com Ramón Diáz e recuperou o orgulho com seus jogadores.

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