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Por que os fundos de pensão do Brasil perderam 31 bilhões de reais em 2014?

Suspeita de ingerência, má gestão e crise compõem o quadro do segundo déficit seguido

Rodolfo Borges
Aposentados do fundo de pensão Aerus protestam no Rio em 2013.
Aposentados do fundo de pensão Aerus protestam no Rio em 2013. Tânia Rêgo (Agência Brasil)

Em agosto de 2003, o então presidente Lula reuniu seus ministros e os presidentes de Funcef (Caixa Econômica), Previ (Banco do Brasil) e Petros (Petrobras), os três maiores fundos de pensão do país, para pedir a colaboração no financiamento de projetos de infraestrutura no país. Desde então, esses e outros fundos de previdência complementar com patrocinadores públicos se tornaram protagonistas de vários projetos governamentais, como as recentes concessões de aeroportos à iniciativa privada, mas também passaram a levantar suspeitas sobre a forma como são geridos. Após dois anos seguidos de resultados negativos (de 22 bilhões de reais em 2013 e 31 bilhões de reais em 2014), o cerco se fecha contra os fundos, que devem ser alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Congresso Nacional.

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Na época em que Lula pediu o auxílio desses investidores, os então 361 fundos de pensão do país (de patrocinadores públicos e privados) detinham um patrimônio de 208 bilhões de reais. Hoje, os cerca de 320 somam 704 bilhões de reais e ostentam o oitavo patrimônio mundial do setor, atendendo a sete milhões de pessoas. O aparente sucesso, resultado de uma rentabilidade de quase 300% nos últimos 11 anos, não parece capaz de blindar os planos após o segundo déficit consecutivo do setor, principalmente depois de o Postalis, fundo de pensão dos Correios, fechar o terceiro ano seguido com resultado negativo, desta vez de 5,6 bilhões de reais, como consequência de duvidosos investimentos em títulos públicos da Venezuela e da Argentina e nas empresas do empresário Eike Batista, entre outros (leia "Quem paga a conta?").

As escolhas dos diretores do Postalis podem ser apenas resultado de equívocos, mas o fato de o fundo ser controlado por dirigentes indicados pelo PT e pelo PMDB levanta suspeitas de ingerência política em seus investimentos. E a desconfiança está espalhada por todos os fundos cujo patrocinador é público. Em carta aberta divulgada no ano passado, conselheiros da Federação Nacional das Associações de Aposentados, Pensionistas e Anistiados do Sistema Petrobras e Petros (Fenaspe) reclamam da “aquisição de diversos ativos que temos denunciado como prejudiciais à Fundação, em especial relativas aos investimentos em infraestrutura em 'parceria' com o Governo Federal”.

O Petros investiu, por exemplo, junto com Funcef e Previ, na Sete Brasil, criada para fornecer sondas para a exploração do pré-sal e que acabaria envolvida nas denúncias da Operação Lava Jato. É com base em episódios como esse que o senador Cássio Cunha Lima (PSDB) encampou uma CPI para investigar os fundos de pensão patrocinados por estatais, que foi criada em maio e aguarda apenas as indicações partidárias para ser instalada. Segundo ele, "são raros os fundos de pensão controlados pelo Governo federal que não representam problemas graves" — Cunha Lima poupa apenas o Previ em suas entrevistas, porque seria um fundo administrado de maneira "mais transparente".

Quem paga a conta?

R. B.

"O que aconteceu no Postalis foi como a queda de um avião", resume a presidente da Associação Nacional dos Participantes de Fundos de Pensão (Anapar), Claudia Ricaldoni. Segundo ela, "todas as travas falharam" para que o fundo registrasse seu terceiro déficit seguido. Não bastasse isso, uma resolução aprovada em 2008 obriga dos participantes dos planos a dividir os lucros e os prejuízos com a patrocinadora do fundo em caso de três resultados seguidos de superávit ou déficit.

Para Ricaldoni, a Resolução 26 é "a tragédia das tragédias", "o maior crime cometido no sistema". Como resultado dela, a Previ, por exemplo, repassou metade do superávit de 15 bilhões de reais ao Banco do Brasil em 2010. Pela mesma regra, os participantes da Postalis teriam de arcar uma cobrança extra de 25,98% de seus salários durante 15 anos para cobrir o rombo de 5,6 bilhões do ano passado. Como os participantes atribuem o resultado à má gestão do fundo e não pretendem pagar a conta, o caso foi parar na Justiça.

Segundo o diretor da Previc, Carlos de Paula, que supervisiona o setor dos fundos de pensão, no momento "há uma discussão no âmbito do órgão regulador, o Conselho Nacional de Previdência Complementar, em relação à solvência do sistema e ao tratamento do déficit e do superávit". "Essa é uma discussão rica e o órgão regulador vai precisar de posicionar observando o contexto que estamos vivendo", diz.

Diretor presidente da Funcef, Carlos Caser não nega as dificuldades por que passam os fundos, e atribui as perdas dos últimos anos a "uma performance bastante ruim da renda variável [Bolsa de Valores] desde o início da crise em 2008". Caser, que é vice-presidente da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp), alega que, nos últimos sete anos, o mercado de ações teve uma performance negativa de mais de 20%. O diretor da Funcef prevê que os fundos só devem começar a se recuperar definitivamente em 2017, e destaca que "ter déficits e superávits faz parte dos fundos".

A análise é corroborada pelo diretor da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), Carlos de Paula. Em entrevista ao EL PAÍS, De Paula disse que "infelizmente existe algum desvio de comportamento, mas ele é residual". Segundo o gestor, "um déficit não necessariamente tem a ver com má gestão", e "o Estado tem sido, nesse aspecto, intolerante: onde houve desvio de comportamento, o Estado atuou e autuou". Relatórios sigilosos da Previc revelados pelo jornal O Estado de S.Paulo e não confirmados pela supervisora dos fundos dão conta de que os gestores dos fundos de pensão dos Correios não agiram "com zelo e ética" ao investir. Por enquanto, o Postais conseguiu evitar uma intervenção da Previc.

Presidente da Associação Nacional dos Participantes de Fundos de Pensão (Anapar), Claudia Ricaldoni considera o caso Postalis uma exceção, "de uma má gestão, para dizer pouco", e lamenta que os verdadeiros problemas dos fundos, como a necessidade de dar mais voz aos participantes dos planos nas decisões de investimento, sejam relegados a segundo pleno por conta de uma "luta política no Brasil". "O que está acontecendo hoje no sistema é reflexo do que está acontecendo no mundo: crise econômica. Sou da Forluz, oitavo fundo do Brasil, cujo patrocinador é a Cemig e tem diretores indicados pelo PSDB há 12 anos. Quando a indicação [para os fundos] não foi política? Não tenho problema com indicação política, mas com gente desonesta", diz.

Em meio à turbulência, quem atua no setor tenta enxergar o copo meio cheio e encara os déficits momentâneos com esperança. O advogado Theodoro Vicente Agostinho, que atende a fundos de pensão e coordena o curso de pós-graduação em Direito Previdenciário do Complexo Educacional Damásio de Jesus (CEDJ), vê oportunidade na crise. “No momento de prosperidade, tudo é fácil, qualquer investimento vai render. Talvez seja o momento de esses fundos reverem seu corpo diretivo, para ficarem ainda mais profissionais”.

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