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Coluna
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Melhor chorar juntos do que rir sozinhos

A emblemática história da minha planta doente de solidão, que dedico aos professores do Paraná, vítimas da brutal violência policial

Juan Arias

Em meio a tanto desencanto e cisão política, vou contar a vocês a história emblemática de uma planta do meu pequeno jardim que só começou a crescer e dar flores 10 anos depois de plantada. Descobri, finalmente, que ela sofria de solidão. E sua solidão me levou a pensar naquela das grandes e blindadas cidades de cimento.

Dedico a história a meus pais, Guillermo e Josefa, professores rurais na época da ditadura militar franquista na Espanha. Com eles – a quem devo ter conseguido sair da pobreza material e intelectual porque me ensinaram a amar a leitura e a escrita – , quero abraçar os professores brasileiros vítimas da brutal violência policial, ainda mais grave por ocorrer em um país e em um regime de democracia e de liberdade de expressão, algo de que meus pais não puderam desfrutar.

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Na minha infância, por exemplo, meu pai foi punido pelo regime da ditadura porque nós, alunos, filhos de camponeses quase todos analfabetos, “fazíamos perguntas demais” quando deixávamos sua escola. E nas ditaduras se obedece, não se discute nem se questiona.

Minha planta é uma ixora vermelha que vivia triste. Não crescia nem florescia. Cada vez que eu a regava me irritava com ela porque parecia ser uma dessas crianças que têm medo de se tornar adultas.

Cada vez que uma planta minha morre, tenho como costume substituí-la por outra. Não suporto plantas secas. Me entristecem. Assim como também não consigo arrancá-las enquanto perceba nelas um pequeno sinal de vida. Respeito-as, mesmo que não cresçam nem floresçam. Isso também aprendi com meus pais, que às vezes, em vez de usar a escola, nos davam aulas no meio do campo, entre trigais, pomares e córregos. Ali, aos cinco anos, já sabíamos o que era uma metamorfose.

Minha ixora não queria crescer, mas continuava viva. Por isso não a arrancava. Até que uma manhã percebi que algo havia mudado nela: suas flores começavam a despontar ao lado de brotos de folhas novas. Foi tudo muito rápido. Não entendi sua metamorfose e procurava, curioso, uma explicação.

Samuel, que me ajuda a manter meu pequeno jardim e que, há 10 anos, plantou aquela ixora que não crescia e que eu não o deixava arrancar, me deu uma luz.

Ele me lembrou que ao lado dela tínhamos acabado de plantar, uma semana antes, quatro mudas da mesma espécie daquela que se negava a crescer, para substituir vários hibiscos que tinham morrido, vítimas de uma praga de pulgões. “Pode ser que agora ela sinta que tem companhia e por isso começou a crescer”, disse-me Samuel, com seu conhecimento vegetal adquirido depois de ter trabalhado anos em uma grande fazenda.

Temos inúmeros estudos, desde a Antiguidade, sobre as vantagens e desvantagens da solidão, mas o certo é que as crianças, antes de serem contagiadas pela filosofia, adoram ter companhia. Odeiam a solidão. E isso os pais em casa e os professores nas salas de aula sabem muito bem.

Sabemos muito pouco sobre o que pulsa em nosso interior e sabemos menos ainda do que se aninha no coração e na mente dos animais. Tratamos deles como iguais com uma ponta de orgulho ao nos sentirmos mais inteligentes que eles, apesar de às vezes nos assaltar a dúvida de que os verdadeiros animais, neste sentido pejorativo que aplicamos, sejamos nós mesmos, com nossa carga de violência gratuita e nossa capacidade de criar genocídios. Há quem tenha qualificado como animais os policiais que, dias atrás, feriram mais de 200 professores em Curitiba.

Quantas vezes sentimos a tentação de exclamar: “Prefiro eles às pessoas!”, referindo-nos a nossos animais mais próximos.

E as plantas? Faz muito pouco tempo que se começou a estudar cientificamente o que elas sentem. Estuda-se se é verdade que reagem a tudo o que nos agrada ou nos perturba, como o barulho, o silêncio, a música, a palavra, a violência e a solidão. Somos três cosmos: humanos, animais e plantas ainda sem se conhecerem totalmente. Será que somos mesmo tão diferentes?

Nada nunca poderá substituir o olhar amoroso, o estímulo para aprender e o esforço pela superação, como oferecem os professores de carne e osso

Ao escrever para meu punhado de leitores a pequena história da minha ixora doente de solidão, me senti, de repente, transportado a essas colmeias humanas das grandes cidades, onde as pessoas, blindadas em paredes de cimento, alarmes e seguranças, têm medo de conversar com aqueles que passam a seu lado na rua, ao vê-los como potenciais assaltantes, sobretudo se são negros ou pardos.

Há anos, um sociólogo italiano me disse que para nos sentirmos sem angústias e não sofrermos de solidão deveríamos conhecer, pelo menos pessoalmente e para podermos cumprimentar em nosso bairro, umas 300 pessoas.

Com quantas conversa, sorri, dá bom dia ou para na rua ou no ônibus para trocar quatro palavras o cidadão das grandes cidades cada dia mais sitiadas?

Essa angústia da solidão que assombra o homem moderno é paradoxalmente menos sentida nas favelas e nas periferias pobres das cidades que cercam a solidão dos urbanos ricos. Nelas existe violência e pobreza, mas não solidão, porque a dureza da vida os torna mais solidários e mais próximos.

Eles sabem misturar suas lágrimas. Chorar juntos é sempre melhor do que rir sozinhos.

Minha planta, com companhia, ressuscitou. Talvez por isso nós, urbanos, doentes como ela de solidão física, precisemos nos agarrar tanto ao mundo virtual para nos sentirmos menos sozinhos.

Esse mundo virtual também está transformando nossas crianças e revolucionando o ensino. E ninguém será capaz de deter os avanços da ciência e da tecnologia.

No entanto, nada nunca poderá substituir o olhar amoroso, o estímulo para aprender e o esforço pela superação, como oferecem os professores de carne e osso.

Em seus momentos de solidão e angústia, um menino ou uma menina nunca poderão ser abraçados e consolados por um tablete ou um iPhone, nem derramar sobre eles as suas lágrimas. Isso só a dedicação e a confiança cúmplice e amorosa de um professor ou professora são capazes de fazer.

Eles – quase sempre injustamente mal remunerados, como também eram meus pais – merecem nosso carinho e admiração. Uma coisa é certa: sem eles, menos ou mais competentes, seríamos todos muito piores do que somos. Eles ainda são nossos anjos insubstituíveis.

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