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Ministros de FHC, Lula e Dilma, contra a redução da maioridade penal

Responsáveis da pasta de direitos humanos querem frear uma "agenda de direita”

María Martín
Os ministros após assinarem o documento.
Os ministros após assinarem o documento.Iuri Barcelos (Sec. Municipal DDHH)

Oito ex-ministros dos Direitos Humanos, nomeados durante os governos de Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, uniram-se ao atual responsável pela pasta, Pepe Vargas, com um objetivo comum: impedir a aprovação da PEC 171/93, que pretende a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, na Câmara de Deputados. “Este momento é simbólico, nós estamos aqui afirmando um movimento suprapartidário que têm os direitos humanos como prioridade”, afirmou Vargas.

O grupo, integrado por José Gregori, Gilberto Sabóia e Paulo Sérgio Pinheiro pelo Governo de FHC; Nilmário Miranda, Mário Mamede e Paulo Vannuchi do Governo Lula, Maria do Rosario Nunes e Ideli Salvati da gestão Dilma, assinou um documento de repúdio a emenda onde afirmam que é “flagrantemente inconstitucional e redutora de direitos conquistados duramente na luta pela democracia.”

Os ministros defenderam que quem quer a redução da maioridade penal – em referência à bancada evangélica e a chamada “bancada da bala”, formada por policiais e parlamentares ligados à indústria de armas – não tem o reconhecimento para falar de soluções para a violência e usa argumentos mentirosos. “Não há dado nenhum que afirme que a redução resolva a violência, o número de adolescentes que comete crimes contra a vida é muito pequeno, enquanto vemos casos, como o dos EUA, onde o endurecimento das penas não resolveu o problema", manteve Vargas. "Levando as informações adequadas às pessoas, não acredito que a população brasileira vai permitir um retrocesso desta natureza."

José Gregori, que também foi ministro de Justiça de FHC, atacou diretamente os defensores da emenda, apresentada em 1993 pelo ex-deputado do Partido Progressista e pastor, Benedito Domingos. “A bandeira contra a violência só cabe historicamente na mão de quem defende os direitos humanos. Pelo amor de Deus, não caiam nessa!: Quem fabrica armas, vende e lucra com elas não pode se colocar como defensor da luta contra a violência”, disse o jurista. “Tem muita gente que não entenderia minha foto aqui, mas ela é apenas uma repetição do espírito de unidade e de reconhecimento das coisas importantes que acontecem no Brasil”.

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Entre as coisas importantes está também barrar uma crescente corrente conservadora no Congresso, segundo os ministros. Nilmário Miranda, primeiro ministro de Direitos Humanos do governo Lula, afirmou que desde a volta da democracia, a proposta de redução da maioridade, uma pauta com apelo popular segundo as pesquisas, entra na pauta no Congresso ano trás ano, mas essa foi a primeira vez que a ideia prosperou na Câmara. Para Nilmário, a PEC é fruto de "um bloco revanchista e conservador". O ex-ministro de FHC Paulo Sérgio Pinheiro completou: "O objetivo não é só "desconstruir esse nefanda PEC. É desconstruir o avanço de uma agenda de direita que esse Congresso assume. Essa tentativa de ter hegemonia sobre o Congresso brasileiro, por [parte dessas] bancadas [da bala e evangélica], é isso que temos que enfrentar. Estamos reunidos aqui porque essa resistência só vai ocorrer como ocorreu durante a ditadura, unificando na construção da democracia”.

Levando as informações adequadas às pessoas não acredito que a população brasileira vai permitir um retrocesso desta natureza." Pepe Vargas, ministro da Secretária de Direitos Humanos

Esta não foi a única menção aos tempos da ditadura, num local, o Centro Universitário Maria Antônia, que foi cenário de batalhas entre estudantes da USP e da Mackenzie durante o regime. Os próprios ministros esperam repetir o sucesso da causa que já os uniu em 2011, a pesar das suas divergências: a criação da Comissão Nacional da Verdade.

O grupo, apoiado por figuras como Margarida Genevois, legendária defensora dos direitos humanos, tem duas estratégias: a primeira é influir dentro da Câmara e o Senado para convencer os parlamentares a barrarem a tramitação do projeto [depois de ter sido aprovado na Comissão de Constituição e Justiça está sendo discutido numa comissão especial na Câmara e, se aprovado, seguirá para o Senado]. A segunda é mobilizar a sociedade. “Temos que fazer um debate legítimo com a sociedade sobre a violência e a criminalidade, porém a redução não é uma solução milagrosa, ela aumenta e agrava os problemas. Precisamos debater e discutir o sistema e mobilizar energia na sociedade”, disse Vargas.

Gregori afirmou que não via sentido na aprovação dessa PEC. “Não há justificativa, não faz sentido levar jovens a um regime que não é regenerador, nem recuperador, mas intensificador da violência. Não é uma coisa que só fira nossos compromissos internacionais, nossa Constituição, é uma coisa que não tem propósito não tem justificativa."

Convencidos da possibilidade de impedir a tramitação da PEC os ministros contemplam, no entanto, uma ofensiva no Supremo Tribunal baseada na inconstitucionalidade da proposta. “Se for aprovado, obviamente que será solicitada uma ação direta de inconstitucionalidade. Mas a gente espera que o Congresso não aprove essa medida”, afirmou Vargas.

Os locais carregados de significado estão sendo cenários da mobilização de importantes figuras da sociedade brasileira contra a redução da maioridade penal. A união simbólica dos ministros acontece dois dias depois de um  ato celebrado no salão nobre da faculdade de Direito da USP, um ícone da resistência paulista. Ele reuniu juristas, acadêmicos, estudantes e integrantes de diversos órgãos da sociedade civil para mostrar a indignação que provoca a pretensão de reduzir a maioridade penal em um país que mantém mais de meio milhão de presos, 40% deles sem julgamento.

Não há justificativa, não faz sentido levar jovens a um regime que não é regenerador, nem recuperador, mas intensificador da violência." Ex-ministro José Gregori

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