_
_
_
_
_

“O mundo sabe como vivem os ricos e por isso exigirá mais igualdade”

O presidente do Banco Mundial diz que a instituição está preocupada com o Brasil

Amanda Mars
Jim Yong Kim, presidente do Banco Mundial, esta semana em Washington.
Jim Yong Kim, presidente do Banco Mundial, esta semana em Washington.Chris Goodney (Bloomberg)

Jim Yong Kim (Seul, 1959) preside o Banco Mundial desde 2012 com o respaldo de Barack Obama. Médico naturalizado americano e responsável pelo programa para o HIV na Organização Mundial da Saúde (OMS), destacou-se em seu mandato pela atenção às crises sanitárias e à mudança climática. Também enfrentou críticas internas pela reforma que pretende fazer na organização. Jim Yong Kim concede esta entrevista em Washington, pouco antes de começar a reunião de primavera do Banco Mundial com o FMI. Não vê um problema de rivalidade na criação do novo Banco Asiático de Investimento e Infraestrutura. Sempre responde que há muitas obras a realizar. “Esperamos colaborar estreitamente com eles”. Sua obsessão é o programa Rumo a Lima, uma revisão das necessidades essenciais para o desenvolvimento dos países emergentes ante a assembleia anual que acontecerá no Peru em outubro.

Pergunta. Na semana passada aconteceu um fato histórico, a aproximação entre os Estados Unidos e Cuba. Quais consequências prevê?

Resposta. É muito importante que países que não se falavam comecem a fazê-lo, mas é muito cedo ainda. Cuba era membro do Banco Mundial, depois saiu e, para retornar, há um processo especial a seguir. Primeiro deve incorporar-se ao FMI, devem chegar a um acordo de como medem o crescimento econômico e outros aspectos... Logo, depende de que papel querem desempenhar no Banco. No Congresso dos Estados Unidos há uma lei que diz que se o Banco Mundial emprestar dinheiro a Cuba, os Estados Unidos vão retirar esse valor, dólar por dólar, de suas contribuições ao Banco, assim temos que ver como resolver isso, mas há muitos passos prévios. Aplaudimos o início das conversações, mas temos de ver como serão.

Estamos otimistas com o México porque fez reformas críticas

P. A Argentina e a Venezuela estão em recessão, o Brasil estagnou…. Qual pode ser o motor da região?

R. É uma fotografia mista. Temos uma previsão muito mais brilhante para o México, porque está muito vinculada à economia americana – e seu crescimento é muito bom – e porque pôs em andamento reformas críticas no setor de gás e no de telecomunicações e isso produziu um grande efeito na confiança dos investidores. A desaceleração da China e sua menor demanda por matérias-primas teve um impacto enorme nas economias latino-americanas. O Brasil foi um agente muito importante nisso, os níveis de investimentos foram baixos e, com a situação do petróleo, estão ainda mais baixos. Estamos preocupados, mas há um claro compromisso em proteger os avanços dos últimos 20 anos na criação de classe média e na redução de desigualdade.

Jim Yong Kim, durante a assembleia do FMI e o Banco Mundial nesta semana em Washington.
Jim Yong Kim, durante a assembleia do FMI e o Banco Mundial nesta semana em Washington.Chris Goodney (Bloomberg)

P. Mas houve algo decepcionante com as reformas da América Latina: nos anos 1990, muitos países empreenderam mudanças e privatizações e não evitaram a estagnação.

Os países da América Latina devem dar o segundo passo

R. Muitas coisas aconteceram nos anos 1990 e esse processo recebeu críticas, que eu compartilho, como algumas privatizações. A privatização dos serviços sanitários do Peru foi feita com critérios ideológicos, por exemplo. Mas quando trabalhei ali, o país estava justamente se recuperando da hiperinflação. E por que ocorre essa hiperinflação? Porque não há uma separação saudável entre os ministros de Finanças e os bancos centrais. Muitas coisas que foram feitas nos anos 1990 foram importantes, como a separação de governos e autoridades monetárias, porque assim os bancos centrais não imprimiam dinheiro seguindo desejos políticos. O risco de hiperinflação é agora muito mais baixo graças a isso, por exemplo.

P. A maior parte das diferenças entre países são fruto dos últimos 200 anos. Um livro muito popular, Por que as Nações Fracassam, culpa as instituições. Compartilha dessa ideia?

R. A qualidade das instituições é decisiva. Quando os governos e as instituições são fortes, veem-se resultados muito diferentes de quando são fracas. Em alguns países, ajudamos a criar unidades dentro dos governos que monitoram a qualidade do trabalho governamental. Eu tenho uma unidade assim em minha organização, o Governo de Tony Blair também tinha… Esse livro apresenta grandes desafios, devemos ajudar os governos a melhorar suas instituições. E acredito que quando os políticos virem que esta é uma forma para que seus partidos sejam reeleitos no Governo, o compromisso será maior.

P. O objetivo do Banco Mundial é acabar com a pobreza extrema em 15 anos. A crise atual vai permitir?

A tecnologia permite levar os melhores professores a todas partes

R. É preciso mudar a relação entre crescimento e redução de pobreza para que o crescimento tenha mais impacto. Como? É importante investir em seres humanos, em saúde, educação e em proteção social. Na África, por exemplo, melhorar a produtividade da agricultura é essencial, para isso é preciso investir em energia, transporte… Sou otimista, podemos fazê-lo.

P. A relação entre crescimento e desigualdade também é um assunto nas economias desenvolvidas, não só nas pobres. Não lhe dá a sensação de que quando se avança na redução da pobreza se retrocede na inclusão dos países ricos?

R. O primeiro objetivo é reduzir a pobreza, o segundo é impulsionar a distribuição da riqueza. É a primeira vez que o Banco Mundial define isso como objetivo específico. Pensamos que os sistemas fiscais progressivos são melhores, apesar de não tomarmos nenhuma posição política concreta sobre impostos. Preocupamo-nos, sim, em como fazer as pessoas nos 40% mais baixos dos países em desenvolvimento se beneficiarem mais do crescimento. Mas não devemos enfocar a distribuição em oposição ao crescimento, porque pode ter efeitos negativos.

P. Sempre existiu desigualdade. Por que agora isso preocupa as grandes instituições? Temem-se os efeitos na democracia?

As reformas dos anos 1990 reduziram os riscos de hiperinflação

R. Uma parte disto se deve à democratização dos meios de comunicação e acredito que é muito bom. Aumentou a capacidade de comunicação global, até para as pessoas que não têm acesso aos meios de comunicação tradicionais. Antes havia jornais ou redes de televisão, mas agora a comunicação vem de qualquer lugar e muito rápido. Certa vez viajei com o presidente Evo Morales ao norte da Bolívia, a uma comunidade de 3.000 habitantes em um lugar isolado, onde se falava uma língua indígena… E quando chegamos, as pessoas nos fotografavam com seus smartphones. Uma coisa que aprendi é que mesmo nessas zonas remotas, todo mundo sabe como vivem os ricos de seu próprio país e do resto do mundo, por isso a demanda por mais igualdade vai ser maior. Veem que suas vidas não são como as que veem na televisão e querem mais, é natural. O que devemos fazer? Dizer a eles: são essas as coisas em que se podem trabalhar nos próximos anos para reduzir essa brecha, a educação é essencial.

P. Sempre alerta contra a armadilha da renda média.

R. Muitos países conseguem entrar no grupo da renda média, mas não dão o passo seguinte. A Coreia do Sul começou exportando produtos básicos – televisores em preto e branco, depois em cores… – e agora exporta eletrônicos, tomaram medidas para o segundo passo. Mas outros países não fazem isso, especialmente os que chegam à primeira fase da renda média graças às matérias primas. E aqui, insisto, a educação é decisiva, é um dos temas cruciais do Rumo a Lima. São necessárias habilidades diferentes para a próxima fase do crescimento econômico na América Latina. Esses países também devem trabalhar na parte mainstream das matérias primas, no que se faz com elas depois de serem extraídas. É o que pode levá-los à próxima etapa.

P. Que papel pode desempenhar a tecnologia?

R. Quando comecei a trabalhar em Lima em 1994, tínhamos de ficar 30 minutos na fila para usar o telefone, mas na última vez em que estive ali tinham acesso 4G. Com esse tipo de acesso e tablets pode levar os melhores professores do mundo até as salas de aula mais pobres. A igualdade de oportunidades requer melhorar a educação desde a mais tenra idade para chegar a criar indústrias sofisticadas.

Mais informações
China atrai Brasil e mais 44 países a banco nascido de costas para os EUA
EDITORIAL: 'Banco asiático, um grande competidor'
A luta contra a pobreza perde fôlego na América Latina
Os três últimos diretores-gerentes do FMI são investigados ou processados
Brasil vai perder o sétimo lugar da economia mundial para a Índia
O Chile e a armadilha dos países de renda média

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_