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Limite para doação e gasto em eleição dispensaria financiamento público

Pesquisadores propõem redução dos custos e mais fiscalização no combate à corrupção

Rodolfo Borges
Protesto em frente ao Congresso Nacional contra financiamento de empresas em campanhas eleitorais.
Protesto em frente ao Congresso Nacional contra financiamento de empresas em campanhas eleitorais.Pedro França (Agência Senado)

Um escândalo de corrupção entre empresas e políticos abala a República e mobiliza a sociedade brasileira: é preciso alterar o sistema de financiamento eleitoral. O ano é 1993 e, após o processo de impeachment do presidente Fernando Collor de Melo, o Congresso Nacional afrouxa as regras para permitir doações de pessoas jurídicas a candidaturas, numa tentativa de controlar o ‘caixa dois’. Vinte anos depois, um escândalo de corrupção entre empresas e políticos abala a República e mobiliza a sociedade brasileira: é preciso alterar o sistema de financiamento eleitoral. Desta vez, para proibir as doações de pessoas jurídicas, autorizadas há duas décadas para combater a corrupção.

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Num esforço para reagir aos indícios de promiscuidade entre empreiteiras e os governos que as contratam para obras públicas, revelados pela Operação Lava Jato, o Partido dos Trabalhadores (PT) encampa, com o apoio de mais de 100 entidades, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a instituição do financiamento público exclusivo de campanha. O objetivo básico é combater a corrupção, já que o poder financeiro de construtoras como Camargo Corrêa e Galvão Engenharia, investigadas no Caso Petrobras, estaria distorcendo o processo eleitoral, como indicam levantamentos sobre os contratos públicos de empresas que doaram a candidatos eleitos.

O possível sucesso do financiamento público no combate à promiscuidade entre público e privado não garantiria, contudo, o fim do 'caixa dois' identificado na época de Collor e, segundo estudiosos do assunto, traria outros potenciais efeitos nocivos ao processo eleitoral. “O maior problema do financiamento público exclusivo é o afastamento que ele gera dos partidos em relação à sociedade. Ele não gera equalização, igualdade. Pelo contrário: congela a desigualdade”, diz o professor do programa de pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Paraná Emerson Cervi.

Segundo Cervi, se esse fosse o modelo de financiamento brasileiro das últimas décadas, “ainda estaríamos escolhendo presidente entre PMDB e PDS, pois PT e PSDB não teriam crescido o quanto cresceram”. Isso ocorreria porque o financiamento público seria distribuído nos mesmos moldes do fundo partidário, ou seja, em proporções definidas a partir do tamanho das bancadas de cada partido no parlamento. A tendência, portanto, seria que os maiores partidos permanecessem grandes, e sem nem precisar convencer o eleitorado a patrociná-lo, já que o dinheiro estaria garantido.

Outro efeito direto da adoção do financiamento público exclusivo seria o aumento do gasto estatal. Um projeto de lei apresentado em 2011 no Senado calcula em 7 reais por eleitor o custo do financiamento público exclusivo, um valor que, atualizado, resultaria em um gasto de mais de 1 bilhão de reais na eleição do ano passado. Some a isso os 867 milhões de reais que os partidos devem receber pelo fundo partidário neste ano e os cerca de 840 milhões de reais que a Receita Federal estima que deixaram de ser arrecadados no ano passado devido à renúncia fiscal decorrente da exibição gratuita de propaganda eleitoral de rádio e TV.

Defensor da proibição do financiamento de empresas, o advogado Guilherme Pessoa Franco de Camargo reconhece que a elevação no gasto público seria inevitável com a mudança, e, por isso, condiciona a possível alteração do sistema ao barateamento das campanhas, pela adoção, por exemplo, do sistema de lista fechada — em que o eleitor vota apenas no partido —, que “contribuiria para reduzir tais gastos, porque o número de candidatos é menor”. Especialista nas áreas de direito empresarial e eleitoral, Camargo destaca ainda que “o financiamento exclusivo faz sentido ainda que exista o aumento de gastos públicos diretos, pois reduziria os gastos com corrupção e investigações”.

Ainda assim, mesmo o defensor da alteração diz que não existem garantias de sucesso, “visto que países como Inglaterra, Portugal e Suécia falharam na tentativa de implementar o financiamento público exclusivo” — atualmente, apenas o sistema eleitoral do Butão funciona assim. Para além das discordâncias, parece consenso entre praticamente todos os especialistas, contudo, que o atual sistema de financiamento misto brasileiro pode e deve ser aprimorado. “O nosso problema é a falta de limite real para a doação. Uma única [pessoa jurídica] poder doar milhões”, resume o professor Cervi. Os números da última eleição presidencial são bastante eloquentes para traçar esse quadro: do 1,8 bilhão de reais doado aos três principais candidatos à presidência, 1,3 bilhão de reais (78%) saiu dos caixas de empresas.

Atualmente há 140 milhões de eleitores no Brasil, mas foram registradas apenas 8.300 operações de doação para esses três candidatos — Dilma Rousseff, Aécio Neves e Marina Silva. Isso daria uma média de 250.000 reais por doação, mas, quando se separam apenas as contribuições de pessoas físicas, a média cai para 200 reais. “A falta de limite exclui o pequeno doador, porque sua doação se torna insignificante. Se estabelecermos um limite nominal, digamos, de 1.000 reais, passamos imediatamente para 1 milhão de doadores”, prevê Cervi, acrescentando que isso incentivaria e aumentaria a participação da população no processo eleitoral.

Essa limitação de doação deveria ser acompanha por uma limitação de gasto, sugere Cintia de Souza, autora de um estudo sobre a evolução da regulação do financiamento de campanha no Brasil. Doutoranda em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Souza diz que “é complicado fiscalizar o impacto do poder econômico na doação se os candidatos podem gastar o quanto quiserem”.

O mais importante, todavia, nos esforços para melhorar o sistema eleitoral brasileiro, segundo a pesquisadora, é a fiscalização. “A solução mais efetiva é, junto com a criação de limites, aprimorar o sistema de fiscalização. Melhorar o sistema vai vir devagar. Até 2002, a prestação de contas, por exemplo, não era digitalizada. Agora, é possível cruzar dado de CNPJ com CPF. Sem fiscalização, tentar combater o caixa dois é muito complicado”, diz Souza.

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