_
_
_
_
_
Coluna
Artigos de opinião escritos ao estilo de seu autor. Estes textos se devem basear em fatos verificados e devem ser respeitosos para com as pessoas, embora suas ações se possam criticar. Todos os artigos de opinião escritos por indivíduos exteriores à equipe do EL PAÍS devem apresentar, junto com o nome do autor (independentemente do seu maior ou menor reconhecimento), um rodapé indicando o seu cargo, título académico, filiação política (caso exista) e ocupação principal, ou a ocupação relacionada com o tópico em questão

A classe média vai salvar o Brasil da crise?

A novidade é que a classe média pede passagem, sai à rua e quer maior protagonismo na saída da crise

Juan Arias

A crise no Brasil vai se emaranhando a cada dia que passa enquanto o Banco Central prevê um PIB negativo para este ano, uma inflação muito acima da meta e um índice de desemprego aumentando. Será verdade que desta vez a classe média, que está saindo de sua letargia, poderia fazer o país avançar?

A gravidade da crise acontece porque, ao fator econômico, podemos acrescentar um vazio político com um Governo que parece perdido, em guerra com seus partidos aliados, enquanto a justiça continua destapando o poço sem fim da corrupção. E uma presidenta da República cuja popularidade despencou, e apenas 13% aprovam sua gestão.

A pergunta que fazem os especialistas é quem poderá salvar o Brasil desta situação que poderia afastar investidores estrangeiros enquanto vai crescendo a pressão dos protestos populares. Uma nova manifestação contra o Governo, a corrupção e os fortes cortes anunciados está programada para o próximo 12 de abril.

Mais informações
Quem saiu às ruas não foi a CIA
E agora, o que acontece?
Por que o protesto de domingo no Brasil é mais grave que o de 2013
Liderança de Dilma Rousseff desmorona
Quem ganha e quem perde com a ‘lista maldita’?
De que cor é a crise?
O que o Brasil pode aprender com a Itália no caso Petrobras
A magia oculta de Eduardo Cunha

A novidade no momento difícil e confuso que vive o Brasil consiste em que, pela primeira vez em muitos anos, a classe média tradicional (a que se coloca socialmente entre os muito ricos e os que ainda estão mergulhados na pobreza) deu um passo à frente. Saiu pela primeira vez à rua para mostrar sua voz e exigir uma mudança de rumo na política.

Essa classe média, sem a qual este país seria outro, porque é a que estudou e está informada, tinha ficado entre adormecida e penalizada nos últimos anos de governos populares e sociais presididos pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e seus presidentes, Lula da Silva e Dilma Rousseff, que tinham enfatizado o resgate dos mais pobres.

Os governos petistas enfatizaram (e estavam certos) a criação da nova classe C, que saiu da pobreza. Foi com essa nova classe média, um exército de mais de 30 milhões, com a qual Lula contou para passar ileso pela crise econômica mundial de 2008.

A intuição de Lula foi criar a grande rede de novos consumidores internos aliviados pelo crédito fácil e toda uma série de programas sociais que a crise econômica começa a querer cortar.

Todos os olhos se voltaram para esta nova classe C, considerada a esperança econômica do Brasil, com sua sede de um consumo sonhado durante anos. Era até ontem a classe mais mimada, a da esperança de um país sem pobres.

Foi um fato real. O Brasil passou a ser pela primeira vez majoritariamente de classe média (embora se trate de uma classe pobre em instrução, em sua maioria analfabeta funcional). Uma classe média que começou, no entanto, a poder desfrutar de uma série de bens materiais que só eram conhecidos nas casas dos ricos. Esta foi também a grande reserva de votos incondicionais ao Governo.

As últimas pesquisas sobre os fortes protestos do último 15 de março deixaram em evidência que os quase dois milhões que saíram às ruas contra a corrupção, contra Dilma Rousseff e contra o PT pertenciam fundamentalmente a essa classe média tradicional que, pela primeira vez, abandonava seu silêncio e pedia passagem, disposta a intervir e atuar diretamente na crise.

Essa classe média formada por profissionais liberais, técnicos, pequenos empresários, universitários, médicos, advogados, etc., situa-se entre a minoria dos brasileiros que leem, se informam e conseguem usar com naturalidade as novas técnicas de comunicação.

A classe média percebeu. E decidiu intervir. Hoje é ela que começa a distribuir as cartas

Essa classe média, que produz, cria e consome cultura e opinião, vivia entre passiva e apedrejada, acusada por uma certa esquerda elitista de não suportar a ascensão econômica dos pobres que tinham desembarcado em suas praias, já compravam televisores de plasma como eles e até começavam a viajar de avião e comprar carro.

Essa classe média que a professora de Filosofia Política do PT Marilena Chauí classificou, em 17 de março de 2013, durante um ato com a presença do ex-presidente Lula da Silva, de “abominação política”, porque, segundo ela, é “fascista, violenta e ignorante”. Disse, entre fortes aplausos, que a odiava, esquecendo-se talvez que é filha natural dessa classe, econômica e culturalmente.

Começa a ficar evidente que essa classe média, apesar de ter se sentido esquecida e com pouca voz na construção dos últimos anos de Governo popular do PT, foi a que evitou as tentações autoritárias de um certo bolivarianismo que lutava para se estabelecer no país.

Foi essa classe média, entre a que se encontram também os profissionais liberais da informação, que abortou cada tentativa do Governo e do PT de realizar uma censura dos meios de comunicação, à qual chamam eufemisticamente de “controle social da imprensa”.

O Brasil vive um momento no qual aqueles que exigem nas ruas que a justiça aprofunde as investigações sobre a corrupção política, ou pedem uma mudança de modelo econômico já que o que está em vigor parece esgotado, começam a ser chamados de golpistas.

E é nesse momento que começa a ser considerado providencial o fato de que a classe média, apesar de seu silêncio e seu pouco protagonismo político, tenha pedido passagem para mostrar sua voz.

Essa pouco apreciada classe média clássica, majoritariamente de vocação democrática, poderia ser, paradoxalmente, a que vai impedir a volta à antiga pobreza da classe C que, com tanto sacrifício e esforço conseguiu dar o salto, se não social e cultural, pelo menos econômico.

Justamente uma das maiores preocupações políticas neste momento de crise no Brasil em que se tornam imprescindíveis cortes de direitos trabalhistas adquiridos para salvar a economia vítima de antigos esbanjamentos de gastos públicos, é que a nova classe C possa cair de novo no abismo da pobreza do qual havia saído.

Segundo uma das últimas pesquisas nacionais, três de cada quatro brasileiros que em outubro passado votaram na reeleição de Rousseff, hoje estão ou desiludidos ou arrependidos. Foram os que não saíram às ruas nas últimas manifestações, mas que poderiam começar a participar, na medida em que perceberem que eles poderiam ser o bode expiatório da crise .

A classe média percebeu. E decidiu intervir. Hoje é ela que começa a distribuir as cartas.

Se é verdade o ditado de que Deus às vezes escreve certo por linhas tortas, é possível que neste momento seja a tão maltratada classe média tradicional brasileira que vai acabar salvando essa outra classe C. Poderá ajudá-la a entender que não serão as ideologias nem as falsas promessas e utopias que poderão salvá-la de um retrocesso, mas a tomada de consciência de que eles também devem se transformar em protagonistas de um novo Brasil unido em um mesmo esforço de superação. Não sob o lema de “nós contra eles”, mas em um grande e único abraço que evite o pior, e abra novos horizontes. Estão exigindo isso sobretudo os jovens com vocação e direito de triunfar e de ser coparticipantes das grandes riquezas deste país, hoje tão saqueadas pela avareza de uma corrupção que aparece sempre mais perversa e institucionalizada.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_