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Atrasos sucessivos deixam ao menos um milhão sem metrô em São Paulo

Governador Alckmin adia mais uma vez entrega de estações das linhas Lilás e Amarela

Marina Rossi
Passageiros na linha 3, no ano passado.
Passageiros na linha 3, no ano passado.Eduardo Knapp (Folhapress)

A cada ano eleitoral, o candidato do PSDB - partido que está há 20 anos no comando do Estado de São Paulo - enaltece a qualidade de primeiro mundo do metrô da capital paulista. E promete mais quilômetros de extensão dos trilhos. Grandiosas, cerca de 80% das estações inauguradas pelos tucanos nos últimos 20 anos foram entregues em anos eleitorais: Até o ano passado, 19 das 24 paradas foram inauguradas em ano de eleição. Passadas as eleições, porém, as faturas são entregues. Só nas duas últimas semanas, o governador Geraldo Alckmin anunciou, mais uma vez, o atraso na entrega de novas estações da linha 4-Amarela e da linha 5-Lilás.

O novo prazo para a entrega é 2017, com as últimas estações de cada linha ficando pronta somente em 2018, ano de nova eleição para governador e presidente. Se esse último prazo for, de fato, cumprido, o governo terá levado quase 15 anos para entregar os 12,8 quilômetros de extensão da linha amarela, ou menos de um quilômetro por ano. A estimativa do Metrô é que a linha lilás transportará 781.000 passageiros por dia e as quatro estações restantes da linha amarela levarão 300.000 pessoas diariamente. Ou seja, enquanto as estações prometidas não são inauguradas, cerca de um milhão de paulistanos terão de esperar até lá para usar o serviço.

O metrô de São Paulo, cuja primeira estação foi inaugurada em 1974, tem hoje 68 quilômetros de extensão. Com onze milhões de habitantes, menos da metade - 4,7 milhões de pessoas - usa o metrô diariamente na cidade. Ainda assim, nos horários de pico, é quase impossível entrar nos vagões superlotados. "São Paulo é uma megalópole e tem um déficit muito grande de transporte público. Por isso, precisa de mais metrô", diz Luiz Afonso dos Santos Senna, professor da escola de engenharia da UFRGS e ex-secretário de Transporte de Porto Alegre. "Mas falta capacidade de planejamento e de gestão". Senna é contra a construção de metrô em cidades que não sejam tão grandiosas como São Paulo por uma questão financeira. "Cada quilômetro de metrô custa cerca de 100 milhões de dólares para ser construído, o que é muito caro para uma realidade como a nossa", diz.

Calculando o tamanho das cidades e sua densidade demográfica outras capitais da América Latina estão muito à frente no investimento na construção e expansão do metrô de São Paulo. Santiago do Chile, com 6,3 milhões de habitantes, inaugurou sua primeira linha em 1975 e hoje conta com 94 quilômetros de extensão. A Cidade do México tem 8,8 milhões de habitantes e um metrô que opera desde 1969 e hoje conta com 202 quilômetros de extensão.

Buenos Aires, com 2,9 milhões de habitantes tem, no total, 55 quilômetros de metrô, que começou a ser construído em 1913. Caracas, com pouco mais de 2 milhões de habitantes tem 67 quilômetros no total, sendo que a primeira linha foi inaugurada em 1983. Pela Europa, o metrô de Paris, inaugurado em 1900, tem hoje 213 quilômetros de linhas que atendem a uma população de 2,2 milhões de habitantes. Em Madri, são 283 quilômetros de metrô, que começaram a ser inaugurados em 1919. A população da capital da Espanha é de 3,2 milhões de pessoas.

"Os atrasos na entrega de novas estações de metrô faz parte da ineficiência e incompetência sistêmica do país", diz Senna. "Além da dificuldade financeira, há um custo gigantesco de burocracia, além de inúmeras questões ambientais. Em nenhum lugar do mundo isso acontece", diz. Para ele, seguir com o plano de ciclovias, investir em corredores de ônibus e em um sistema de transporte integrado são iniciativas que fariam parte de um bom plano para tentar solucionar a questão do transporte público. Algumas dessas iniciativas estão sendo implementadas pelo prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT), que tenta bater a meta de construir 150 quilômetros de corredores de ônibus até 2016 e de 400 quilômetros de ciclovias até o final deste ano.

Horácio Figueira compartilha da mesma opinião de Senna. "Para tentar melhorar o transporte público, eu continuaria inundando a cidade com ações como os corredores de ônibus", diz Figueira. "Ninguém se incomoda se há 10 faixas exclusivas para automóveis na Marginal, mas se incomodam com uma faixa para os ônibus", diz. "Qualquer real investido em obra rodoviária para automóvel hoje é dinheiro jogado no lixo.

Debutante

Iniciada em 2004, a construção da linha 4-amarela foi prevista para ser entregue em dois lotes de duas etapas cada. Primeiramente, a previsão de entrega de todas as onze estações desta linha era o ano de 2012. Mas, sete anos depois, em 2011, foram entregues somente as primeiras estações da primeira etapa, Butantã e Luz.

Por causa do atraso nas obras das outras estações, em janeiro deste ano o Metrô acionou o consórcio espanhol Isolux Córsan-Corviam, responsável pelas obras, pela redução do número de funcionários nos canteiros de obra e pela demora no andamento das construções.

O consórcio se defendeu, afirmando que o Metrô demorava para aprovar os serviços que não estavam no contrato inicial, o que impactava nos custos de pessoal, equipamentos e materiais. O Metrô, por sua vez, disse que o consórcio recebeu todos os projetos necessários para o andamento das obras.

Entre uma acusação e outra, o ritmo das obras não foi retomado. O Governo resolveu então rescindir contrato com o consórcio e abrir uma nova licitação para a realização das obras que ainda não foram iniciadas. As estações Higienópolis-Mackenzie e Oscar Freire, que estavam com as obras paradas, deverão ser reiniciadas até o final do mês de abril e a previsão é que fiquem prontas no primeiro semestre do ano que vem. As outras, passarão a ser tocadas pela nova empresa vencedora da licitação, cujo processo deverá ocorrer em meados de junho.

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A linha 4-amarela é a primeira linha de metrô fruto de uma Parceria Público Privada (PPP) entre o Estado e o consórcio ViaQuatro - que tem a empresa CCR como dona da maioria do capital social. A estimativa do custo total da linha é de 3,8 bilhões de reais, sendo que 70% serão custeados pelo governo do Estado. O consórcio deve operar a linha por 30 anos.

Quando foi iniciada a construção da primeira linha de metrô em São Paulo, em 1968, a linha 4-amarela já estava prevista. Na década de 1990, o projeto começou a ser desenvolvido, mas, sob a alegação de que não havia verbas para a execução das obras, ele foi engavetado. Foi somente em 2001, que o Banco Mundial assinou um contrato de empréstimo e o processo de licitação foi iniciado.

De acordo com o edital, executaria as obras a empresa que oferecesse a menor contraprestação. O consórcio Isolux Córsan-Corviam ofereceu um desconto de 42% e ganhou. Neste ano, o Metrô chegou a afirmar que desconfiava que a construtora não conseguiria entregar as obras no prazo, já que o desconto era alto demais. Para o especialista em trânsito Flamínio Fichmann, esse foi um dos grandes problemas nesse processo. "O desconto apresentado pelo consórcio era muito alto. Era claro que eles não conseguiriam executar o projeto inteiro com aquele orçamento", diz. Como o consórcio apresentou toda documentação exigida, o Metrô se viu obrigado a aceitar o negócio. "Isso ocorre, algumas vezes, porque essa é uma forma de empresas estrangeiras ingressarem no mercado brasileiro". 

O novo prazo para a entrega da linha amarela estabelecido foi: a estação São Paulo-Morumbi em 2017, e a última, Vila Sônia, em 2018. Hoje, 11 anos após o início das obras da primeira fase, foram entregues 8,9 quilômetros e seis estações, utilizadas por 700.000 pessoas diariamente.

Extensão dos metrôs em grandes cidades do mundo, em KM. Fonte: Mobilize.org
Extensão dos metrôs em grandes cidades do mundo, em KM. Fonte: Mobilize.org

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