_
_
_
_
_
Coluna
Artigos de opinião escritos ao estilo de seu autor. Estes textos se devem basear em fatos verificados e devem ser respeitosos para com as pessoas, embora suas ações se possam criticar. Todos os artigos de opinião escritos por indivíduos exteriores à equipe do EL PAÍS devem apresentar, junto com o nome do autor (independentemente do seu maior ou menor reconhecimento), um rodapé indicando o seu cargo, título académico, filiação política (caso exista) e ocupação principal, ou a ocupação relacionada com o tópico em questão

Relâmpagos

Abaixo, pequenas histórias colhidas nos labirintos do Salão do Livro de Paris

OS ESQUECIDOS DA DITADURA – Em conversa no estande da editora Métailié, a antropóloga Betty Mindlin me informa que há cerca de duas semanas foi defendida uma tese de doutoramento na PUC-SP que lança luz sobre um fato até hoje relegado ao esquecimento. Segundo o pesquisador Antônio Jonas, por volta de 1968 o governo militar criou uma colônia penal em terras do povo krenak, na região de Resplendor, em Minas Gerais, deslocada cinco anos depois para a Fazenda Guarani, no mesmo Estado. Para lá, enviavam os indígenas que consideravam inconvenientes – e dentro desta categoria cabiam desde os alcoólatras até os que reivindicavam seus direitos. Obrigados a trabalhos forçados, muitos deles eram encarcerados com toda a família. Aprisionados em verdadeiros campos de concentração, para eles não houve anistia, não houve reparação financeira. Deles, ninguém mais se lembra.

O PAPEL DA CULTURA – Num jantar, o escritor Cristovão Tezza afirma que no processo civilizatório o papel da cultura é tão ou mais relevante que o progresso econômico. Tezza alega que o grande problema do Brasil foi termos acreditado que a prosperidade econômica traria naturalmente uma expansão dos horizontes culturais. Nos limitamos à ampliação do acesso aos bens materiais – tirar uma parte da população da extrema pobreza não foi seguido de uma profunda reforma no sistema educacional. O resultado é que hoje temos uma das mais altas taxas de homicídios do mundo. Esse argumento me lembrou uma fala do poeta Sergio Vaz, pleiteando que a letra C da ascendente Classe C fosse sinônimo de Cultura e não de Consumo... Como nenhum governo se preocupou de verdade com esse salto qualitativo, continuamos afundados no pântano da barbárie...

EMPATIA – A escritora Adriana Lisboa disse que seu método de escrita constitui-se basicamente em estabelecer uma relação de empatia com os personagens. Empatia, segundo uma das acepções do Dicionário Houaiss, é “o processo de identificação em que o indivíduo se coloca no lugar do outro e, com base em suas próprias suposições ou impressões, tenta compreender o comportamento do outro”. Empatia é o sentimento que falta na sociedade brasileira. Somos egoístas e egocêntricos. Uma comunidade só se torna uma verdadeira democracia quando convergimos nossos interesses individuais na direção do bem comum. Sem empatia permanecemos presos a nós mesmos; criamos monólogos, não estabelecemos diálogos; caminhamos para posições sectárias, radicais; rumamos para a ditadura do pensamento único, hegemônico. Para a mediocridade, enfim.

Mais informações
Considerações nascidas no 15 de março
Dropes indigestos
O país das maravilhas
O nosso fundamentalismo

DESTINO: BRASIL – Em 1985, um jovem parisiense de 23 anos, em crise existencial, decidiu abandonar o curso de Letras na prestigiosa École Normale Supérieure. Olhou num atlas e, ao léu, decidir desbravar o Brasil, um país para ele em tudo desconhecido, língua, cultura, costumes. Sabia vagamente de florestas, de praias, de sol, de futebol. Desembarcou quando o país vivia a excitação do fim da ditadura militar e por aqui permaneceu por 14 anos, boa parte deste tempo vivenciando a dura realidade do Nordeste. O século XXI o surpreendeu de novo em Paris, onde tornou-se tradutor de inglês e português. Já casado e pai de família, sentiu saudades do Brasil e resolveu aplacá-la escrevendo um livro, O ouro de Quipapá, todo ambientado na Zona da Mata pernambucana. Por um desses estranhos caminhos, o livro acabou publicado primeiro no Brasil, em tradução, no ano passado, para só então ser lançado agora na França...

DESTINO: FRANÇA – Em 1988, um jovem de 21 anos decidiu abandonar os cursos de composição e regência na Unesp e Letras na USP, sufocado pela falta de perspectivas derivada da descomunal crise econômica que assolava o Brasil. Sem falar francês, desembarcou em Paris e trabalhou como baby-sitter até 1995, complementando o salário com serviços ocasionais de caixa de supermercado e tirador de fotocópias, entre vários outros. Enquanto isso, fazia Francês e Alemão na Sorbonne. Quando concluiu o curso, em 1995, passou num concurso público para dar aulas num liceu em Aulnay-sou-Bois, periferia da cidade. Dois anos depois, já era leitor de Português na École Normal Supérieure, enquanto fazia o mestrado na Sorbonne, concluído em 2000, seguido do doutorado, concluído em 2003. Naquele mesmo ano, conquistou a vaga de professor adjunto na Sorbonne. Em 2014, recebeu uma das maiores honrarias do governo francês: Chevalier des Palmes Académiques. Este mês, outra: Chevalier des Arts et de Lettres. Leonardo Tonus foi o consultor literário do Centre National du Livre para o Salão do Livro de Paris... Nada mal para quem saiu de São Bernardo do Campo, há 27 anos, com uma mão na frente, outra atrás...

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_