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“O Estado não pode tutelar o corpo das mulheres”

Marcha contra a violência de gênero e pela liberdade sexual percorre Quito

Uma manifestante na marcha de Quito.
Uma manifestante na marcha de Quito.EDU LEÓN

“Se for encontrada morta amanhã, vão dizer que mereci, porque sou puta”, dizia um dos cartazes da Marcha das Putas no sábado em Quito, capital do Equador. A peculiar manifestação denuncia a violência de gênero e pede a liberdade sexual e estética das mulheres e dos outros gêneros. Centenas de mulheres e gente queer (todos os que são contra a normatização hétero) se assumiram como “putas” na marcha, como sinônimo de autonomia.

Com o corpo pintado e roupa berrante (alguns sem roupa), caminharam pela parte Norte do centro da capital, a região mais turística. A polícia, diferentemente de anos anteriores, obrigou que todos os pelados se vestissem. Um homem que usava só um avental de cozinha teve que pôr roupa de baixo para continuar. Ele se vestia dessa maneira como parte de sua atuação: limpava o machismo com um pano e com alvejante.

A rejeição ao Plano Família Equador, nome da estratégia de planejamento familiar programada para este ano e que propõe a volta aos valores, à família, e o retardamento das relações sexuais, foi evidenciada em muitos dos cartazes portados pelas pessoas: “Plano Família não, plano puta sim”, ou “nem Deus nem Estado”. Virginia Gómez de la Torre, do coletivo de Defesa dos Direitos Sexuais e Reprodutivos, disse que a “pedagogia do não” vai gerar mais problemas nos adolescentes e que “o Estado não pode tutelar o corpo”.

Muita da indignação vista na tarde de sábado se deve às declarações dadas durante a semana pelo secretário jurídico da presidência, Alexis Mera, a um jornal. “O Estado deve ensinar às mulheres que retardem sua vida sexual e que retardem a concepção para que possam completar uma carreira”, disse, acrescentando que há um problema de valores na sociedade e que “as mulheres não se valorizam adequadamente e se deixam violentar”.

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Margarita Carranco, feminista reconhecida que agora se dedica à inclusão e à igualdade na Prefeitura de Quito, afirmou que “é preciso agradecer a (Alexis) Mera por suas declarações, porque nos permitem refletir sobre nossos direitos”. Disse também que Quito vai resistir à política nacional de sexualidade com o programa municipal “Saber Pega Full”, que dá informação sobre sexualidade e acesso a métodos anticoncepcionais para que adolescentes e jovens tomem decisões certas.

As declarações do funcionário público também levaram centenas de mulheres a sair na marcha de 19 de março, quando sindicatos e movimentos sociais convocaram uma mobilização nacional pela perda de liberdades.

O manifesto final do protesto deste sábado rejeitou frontalmente o assassinato de mulheres, que segundo números da Promotoria faz em média 200 vítimas por ano no país. Para frear o problema o estado incluiu no Código Penal penas de 22 a 26 anos de prisão, mas ainda há poucas condenações. A sociedade civil destacou alguns casos nas redes sociais, como “Justiça para Vanessa”, que tenta a punição do homem que em 2013 golpeou essa jovem com um taco de beisebol até matá-la.

A Marcha das Putas é uma marca mundial. Nasceu como resposta indignada ao policial canadense Michael Sanguinetti, que fez um comentário machista num bate-papo sobre segurança em 2011: “As mulheres precisam evitar se vestir como putas, para não serem vítimas da violência sexual”. No Equador a marcha é realizada desde 2012, e a cada edição ganha mais demandas e coletivos, que aproveitam março, o mês da mulher, para levar às ruas suas reivindicações. Neste ano também aderiram trabalhadoras do sexo e transexuais.

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