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Clinton e Bush, a volta das dinastias

Os pré-candidatos democrata e republicano pertencem às famílias hegemônicas em Washington desde os anos oitenta

Marc Bassets
Hillary e Bill Clinton com Laura e George W. Bush, em 2001.
Hillary e Bill Clinton com Laura e George W. Bush, em 2001.j. scott applewhite (ap)

Os Estados Unidos, país criado com base na rejeição dos privilégios aristocráticos, contemplam uma possibilidade inquietante: uma eleição presidencial na qual os candidatos democrata e republicano pertençam às duas famílias hegemônicas em Washington nos últimos 25 anos.

A um ano e meio das eleições presidenciais que escolherão o sucessor do democrata Barack Obama, dois nomes se destacam na corrida pela indicação partidária. No Partido Democrata, Hillary Clinton é a favorita, sem rival. No Partido Republicano a batalha está mais disputada, mas Jeb Bush é o candidato com maior capacidade de arrecadar dinheiro e melhores conexões no establishment conservador.

Clinton, que foi senadora por Nova York, candidata sem sucesso à presidência em 2008 e secretária de Estado de Obama, é a mulher de Bill Clinton, presidente dos EUA entre 1993 e 2001. Bush, ex-governador da Flórida, é irmão de George W. Bush, presidente entre 2001 e 2009, e filho de George H. Bush, presidente entre 1989 e 1993.

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Ninguém declarou oficialmente a candidatura, mas Clinton e Bush confirmam suas aspirações e, se forem eleitos por seus respectivos partidos, em novembro de 2016, haverá o enfrentamento de duas dinastias que, com a interrupção dos oito anos de Obama, vêm ocupando a Casa Branca desde 1989.

“Para muitos eleitores, Bush-Clinton parece mais um retorno a ontem do que o descerrar de uma cortina para o futuro”, diz Peter Hart, especialista em pesquisas, diretor da empresa Hart Research Associated e próximo dos democratas. Uma dos pontos fortes de Hart é a organização de sessões com eleitores selecionados, nas quais as perguntas e as conversas servem para detectar as correntes de pensamento da opinião pública. No início de janeiro ele organizou um desses grupos no Colorado, um dos Estados mais decisivos nas últimas eleições presidenciais.

Naquela reunião Hart chegou à conclusão de que os eleitores estão céticos quanto a uma contenda de Clinton contra Bush. “Não é que digam que não gostam dessa possibilidade, mas não os empolga”, diz. Isso não significa que tenham decidido votar contra eles: falta quase um ano para o início do processo de caucus (assembleias eleitorais) e primárias que elegerão os candidatos. Mas isso demonstra, sim, a desconfiança em relação às elites de Washington, associadas a esses sobrenomes. E reflete a hostilidade quase instintiva dos norte-americanos à ideia de que famílias possam repartir o poder entre si.

Não há políticos melhores em um país de 310 milhões de habitantes, um país dinâmico e criativo, em plena transformação demográfica e social? Outro Clinton? Podem se perguntar os democratas. O Partido Democrata não encontra um representante melhor do que a candidata que em 1992 já estava na linha de frente do combate? Outro Bush? Queixam-se muitos republicanos.

Se Bush vencer, os três últimos presidentes republicanos seriam da mesma família. E se Bush ou Clinton ganham em 2016, e em 2020 o vencedor for reeleito, um membro dessas dinastias terá sido presidente durante 28 dos últimos 36 anos. Quase um terço do século. Nessa democracia assentada na dúvida (pela ineficiência legislativa, o temor da perda da hegemonia mundial, a ascensão de competidores como a China), essa hipótese dá asas às visões mais sombrias.

“Os Estados Unidos não irão outorgar nenhum título nobiliário”, diz a Constituição em seu artigo 1, e essa parece ser uma oração destinada a definir o caráter de um país que nasceu com o ideal da meritocracia.

A realidade é mais complexa. A meritocracia se choca com as desigualdades e o emperramento da ascensão social. E, embora exista aristocracia política, não é nova nem forçosamente impopular.

Dos Kennedys aos Bushes e Clintons, as dinastias fascinam e repelem

“Hoje, 12% dos membros do Congresso têm um ancestral imediato ou cônjuge que também cumpriu mandato no Congresso. Nas décadas passadas eram aproximadamente 10%”, diz o cientista político Brian Feinstein. “Não acredito que isso signifique uma rejeição às dinastias ou a essa espécie de famílias reais. Pode ser que isso seja o que os americanos digam, mas suas ações na hora de votar não demonstram isso.”

Feinstein é o autor de The Dynasty Advantage (A Vantagem da Dinastia), um artigo acadêmico publicano em 2010 no qual estuda o peso dos vínculos familiares nas eleições ao Congresso. Pertencer a uma família de congressistas não é um inconveniente na hora de ganhar eleições. Pelo contrário. O mesmo acontece, explica o cientista político, nas presidenciais. Graças às suas conexões familiares, um Bush e uma Clinton podem ter acesso a mais recursos e obter o apoio de outros políticos. Um fator-chave é a vantagem do reconhecimento do nome, o valor da marca familiar.

“Se você olha para o nível de conhecimento político nos EUA, observa que tende a ser bem baixo, inclusive entre pessoas que provavelmente vão votar”, diz. “Há aproximadamente um ano, um terço das pessoas em uma pesquisa não sabia identificar o vice-presidente por seu nome. Ou seja, há grupos de eleitores que pouco sabem de política, e para esses um Bush ou um Clinton são nomes que eles já conhecem.”

Outra vantagem é a confiabilidade: sabem como funciona o poder, não precisarão aprender. “As dinastias fazem muito sentido”, escreve a revista The Weekly Standard, da órbita republicana. “Para falar francamente: as dinastias resistem porque politicamente são úteis.”

E as dinastias não são apenas familiares. Em sua origem, a palavra designava “a transferência de poder entre um pequeno grupo da elite política”, escreveu William Safire em Political Dictionary, o imprescindível dicionário de palavras e expressões políticas.

A primeira foi a Dinastia da Virgínia, a sucessão de três presidentes desse Estado do Sul; Jefferson, Madison e Monroe. Dinastia era sinônimo de clã, de establishment, de casta.

As dinastias são como o establishment: sua rejeição está inscrita nos genes norte-americanos, mas são indissociáveis do funcionamento dessa democracia. Dos Kennedys aos Bushes e Clintons, as dinastias fascinam e repelem.

Estirpes de poder

Quatro famílias se repetiram na Casa Branca desde a fundação dos EUA. Os primeiros foram John Adams (o segundo presidente, e seu filho John Quincy, o sexto). Depois chegaram os Harrisons (o avô de William Henry e o neto Benjamin), os Roosevelts (Theodore e Franklin Delano eram primos distantes) e os Bushes (George Herbert Walker e seu filho George Walker). Os Clintons podem ser os seguintes.

A dinastia política mais célebre só teve um presidente, John Fitzgerald Kennedy, assassinado em 1963, mas podia ter tido mais. Seu irmão Bobby foi assassinado em 1968, quando iniciava a campanha, e o menor, Ted, tentou em 1980, mas perdeu as primárias democratas para o presidente Carter. A saga continua: Joe Kennedy, neto de Bobby, é agora congressista por Massachusetts.

Mais dinastias. O senador republicano Rand Paul, provável rival de Jeb Bush em 2016, é filho do congressista Ron Paul. O pai de Mitt Romney, que perdeu para Obama em 2012, era filho de George Romney, governador do Michigan. O governador de Nova York, Andrew Cuomo, é filho de outro governador, o recentemente falecido Mario Cuomo. Em Chicago, a família Daley controlou a cidade durante quase meio século, até 2010.

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