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XICO SÁ | ESCRITOR E JORNALISTA

“Hoje para cada jornalista tem pelo menos 1000 ombudsmen na porta”

Para o novo articulista do EL PAÍS, as críticas imediatas na internet fazem os próprios jornais se tornarem pauta de questionamento

Carla Jiménez
Daniel Marenco/Folhapress

Xico Sá tornou-se uma referência para a sua geração, depois de saltar do jornalismo tradicional para o mundo multimídia. Fez a transição com muita destreza, escutando as bases, ou seja, seus leitores que migraram junto com ele para o território virtual. O jornalista e escritor está nas redes sociais, na TV, e agora, no EL PAÍS Brasil, como colunista a partir desta sexta-feira, dia 6 de março. Xico acredita que o mundo virtual está ajudando a melhorar o planeta real, ainda que a conta-gotas. E isso vale também para o jornalismo, que de tanto apontar o dedo para os demais, também passou a ser questionado.

Pergunta. Que tal este período de transição entre a Folha de S. Paulo e agora?

Resposta. Tenho 30 anos de escrita diária de redação, e este é o primeiro período sabático da minha existência. Sempre escrevo na internet, mas não crônicas. Me senti mal em alguns momentos de ver assuntos que poderiam render crônica e não estava escrevendo. Aproveitei os últimos tempos para reler clássicos.

P. Um período de reciclagem?

R. Nos últimos tempos achava que estava ficando muito repetitivo. Sinto-me voltando bem nesse sentido. Reli Machado de Assis, sempre Memórias Póstumas de Brás Cubas. Funciona como um mestre.

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P. E nessa volta ao texto para olhar o nosso país, como você está vendo este momento brasileiro, neste segundo mandato da Dilma?

R. É um momento riquíssimo, para crônicas de costumes. A dieta da Dilma, por exemplo, é um assunto riquíssimo. Essa metáfora direta com o corte de gastos do Governo dela, por exemplo.

P. A dieta está se mostrando eficiente no caso da Dilma. O ajuste fiscal também vai deixar o Brasil mais bonito na fita?

R. Aí é minha dúvida. O efeito desse corte exigido é a minha dúvida.

P. Você deixou claro durante as eleições que votou na presidenta. Você faz parte do time dos que se dizem arrependidos?

R. Não, não me arrependo. Eu cobri política por 20 anos. Conheço muito o comportamento de todos os partidos que estão no poder hoje, os personagens, as plataformas das três principais siglas. Nunca me iludi com eles. E como repórter, sei como funciona. Desde que eu me entendo como jornalista.

P. A sua saída da Folha, em outubro, foi um pouco ruidosa em função de um artigo que não teria sido publicado onde você queria. Como você ficou com esse assunto?

R. O artigo da confusão da Folha sempre foi muito lido e tomado por todo mundo como se fosse apenas uma declaração de voto. O principal daquele artigo era dar um cutucão na falta de isenção dos jornais. Eu dizia que devia-se tomar a via dos jornais americanos de declarar candidato. Mas aquilo virou paixão, e virou a abertura do voto. Era o que interessava a todo mundo. Dos dois lados, quem votava a favor ou contra a Dilma. Diminuiu a importância do texto. Se você diz que é só abrir voto, e não uma reflexão mínima de isenção.

P. As paixões continuam acirradas após eleições, como se viu no episódio do xingamento do ex-ministro Guido Mantega em pleno hospital...

Todos os preconceitos foram ampliados e reforçados

R. Continuam. E o amadurecimento será muito lento. Teremos a marcha de impeachment, são momentos que começam a ficar tão perigosos como o das torcidas organizadas do estádio. Não deveria, pois é genial se manifestar. Partir para as vias de fato é que não dá.

P. De um tempo para cá, parte dos brasileiros parece ter perdido o pudor de colocar para fora seus preconceitos, você não acha?

R. Todos os preconceitos foram ampliados e reforçados. Porque encontra eco na política oficial. Encontra não num deputado de terceiro escalão, está no presidente da Câmara. Ou seja, é referendado pelo alto escalão. Não é só o Jair Bolsonaro, por exemplo.

P. O Brasil está endireitando?

R. Sou extremamente otimista, acredito num movimento mais forte do que esse movimento de direita. Mas essa é uma aposta otimista, mais do que racional. Mas, o mesmo que gerou na Grécia e na Espanha [os partidos à esquerda Syriza e Podemos, respectivamente], aqui vai gerar movimento forte, mas à direita. Daí, a tendência de quem está descontente com isso é ir mais à esquerda. Não sei quem vai incorporar isso, se o PSOL ou outra coisa. Mas acho que é bem possível. Agora, há esse balaio mais à direita. Por outro lado, o mesmo descontentamento à direita gera também o mesmo efeito à esquerda.

Na hora de falar de política, acabo me manifestando mais como cidadão , mesmo sendo um bolchevique de rede social

P. Mais política, futebol ou amor?

R. Esse tripé é minha história de jornalismo. Comecei em esporte, depois política, depois escrevendo em forma de crônica para esses assuntos. É o que eu gosto mais mesmo, que mais dá prazer aos meus leitores. Na hora de falar de política, acabo me manifestando mais como cidadão , mesmo sendo um bolchevique de rede social. Como cidadão, mais do que como jornalista. E na coluna no EL PAÍS Brasil, será esse tripé. Em alguns momentos juntando essas três paixões exacerbadas.

P. Somos da geração do casa/descasa, e parece que agora estão havendo mais casamento. No amor, estamos endireitando também?

R. Tem um movimento sim de muito casamento com cerimônias formais. É muito visível. E uma onda muito louca que voltou foi o noivado. Isso é muito cíclico. É uma resposta a esta época de relações muito sem vínculos. Pode ser passageira, pois continuam os divórcios. Mas, é visível essa retomada dos rituais mais antigos.

P. E o jornalismo, como andamos, na sua visão?

R. Tem uma reflexão muito boa, sobre isenção, de como cada veículo cobre um caso, de um partido ou de outro, a relação com o poder, com as fontes. Há uma crise mundial principalmente do jornalismo impresso, da Internet versus mídia tradicional. E outra, crise sem tamanho, questionando os jornais, que antes tinha ponderações de leitor em uma carta ou outra. Agora, há um questionamento ao vivo e imediato. Hoje, para cada jornalista existem mil ombudsman na porta. É algo que alterou toda a relação do jornalismo. E acho isso rico. Que a própria imprensa seja a pauta é muito bom. Mesmo a paixão cega tinha de entrar na pauta, e ela entrou.

P. Mas são ponderações meio fortes, não? Comentários ou expressões um pouco pesadas.

R. O leitor se manifesta ainda em forma de torcida. Ainda não é sofisticado, não vê o que pode estar por trás. Não faz essa relação direta. E tem outra grande loucura, que é ter quatro grandes jornais. Antes a gente sabia onde ler uma coisa. Agora há uma grande confusão, ‘o li não sei aonde’.

P. Mas estamos nos tornando mais críticos construtivos?

R. Tem gente que diz que rede social é besteirada, que tem muita bobagem. Claro que tem. Mas tem muita discussão que parte de lá. Já passou a ser uma sala de TV, como todo mundo comentando um fato. Já inverteu, pautando a mídia tradicional. Gosto dessa grande confusão. É uma coisa que me anima. Gosto de estar discutindo.

P. Animado com um reencontro com os leitores?

R. Ainda que seja gutemberguiano, sempre estive na rede. Cada dia vai ser a primeira coluna. É muito bom voltar a esse exercício. Isso me faz uma falta tremenda. Volto com muito gás.

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