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Pedro ribeiro | Professor de Ciência Política

“O PMDB sente o fim do ciclo do PT e por isso migra para a oposição”

Cientista político Pedro Ribeiro diz que o Governo Dilma é um 'pato manco' precoce Processo da Lava Jato fomenta sentimento nocivo de que políticos são todos iguais

Para Pedro Floriano Ribeiro, professor do programa de pós-Graduação em ciência política da Universidade Federal de São Carlos, onde coordena o Centro de Estudos de Partidos Políticos, o PMDB sente cheiro de “fim de ciclo”, por isso, tenta se mostrar independente do PT. Para ele, um dos resultados da operação Lava Jato pode ser um grave desgaste na imagem da classe política do país, algo perigoso para a democracia.

Pergunta. Como o PT chegou a essa atual crise?

Resposta. Como parte do Governo, a bancada do PT na Câmara sempre foi amadora. Era profissional como oposição, mas quando o partido assumiu o Governo se mostrou amadora. Isso acontece porque quando se faz oposição, o partido se prende no regimento e nas normas para bloquear a pauta. Como Governo, precisa se articular, compor a base com partidos muito distantes ideologicamente. Severino Cavalcanti, em 2005, foi o embrião do Eduardo Cunha. Mas a figura do Lula, que era mais habilidoso, resolvia melhor esse problema porque ele tem uma capacidade inata de fazer política que a Dilma não tem. Neste momento, o que estamos vendo é o fruto de uma aposta arriscada do PT, de investir em um candidato para diminuir diminuir a dependência em relação ao PMDB. Mas não existe uma alternativa ao PMDB.

P. O partido que Gilberto Kassab pretende criar não pode ser essa alternativa?

R. As principais figuras, que são as que comandam o partido, não vão sair do PMDB. São políticos com enorme experiência, que controlam o grande jogo, feito com o Governo, e o pequeno, feito com os deputados. O Cunha, por exemplo, é o rei do baixo clero. A melhor saída do PT teria sido compor com o PMDB desde o início, mas apostou alto demais, no modelo tudo ou nada. Ficou sem nenhum cargo na mesa diretora, o que é um desastre para um partido que está governando porque o Executivo vai ter mais dificuldade para aprovar suas propostas.

P. E como resolver isso agora?

Nenhum presidente até hoje ganhou com uma visão mais radical, seja à direita, ou à esquerda

R. Abrindo mais o Governo para a participação do PMDB. Ir para o enfrentamento seria péssimo porque parte do PMDB está migrando para a oposição. O Governo, neste momento, é um pato manco, uma expressão (lame duck) usada nos EUA para definir o Governo no último ano. O Governo Dilma é um pato manco precoce, já começa extremamente desgastado no Congresso. Somado a isso, tem a questão da economia, a investigação da Lava Jato...

P. Mas o PMDB tem condições de se comportar como oposição?

R. O PMDB só migra para a oposição de fato se os dirigentes fizerem uma leitura de que o Governo vai cair. Ele se comporta de forma a ficar na posição cômoda de um partido mais independente. O PMDB está olhando para 2018 e tem muitos políticos experientes que sentem o cheiro de um fim de ciclo. Por isso que uma parte começa a migrar para a oposição.

P. Então o partido tem interesse em ter candidato para presidente em 2018?

R. Não. O partido não tem condições e nem interesse. Só teria se tivesse um nome com chances reais de vitória. O melhor é ficar independente e, ganhe quem ganhe, o PMDB continua sendo a noiva. Não é racional lançar alguém ou apoiar declaradamente alguém. Tanto é que na última eleição houve alas que apoiaram o Aécio Neves, outras que apoiaram a Dilma e outras que ficaram neutras. A ideia do PMDB é essa: buscar independência em cada Estado porque não tem um projeto nacional. Em cada Estado ele se comporta de um jeito, faz alianças, e, com isso, consegue maximizar sua força eleitoral e eleger grandes bancadas na Câmara e no Senado. Assim é convidado para integrar o Governo porque sem o PMDB não há governabilidade.

P. Mas Cunha não poderia se desenhar como um nome com chances reais de vitória pela postura que tem assumido na Câmara? Ele afirma que quer moralizar a instituição, defende pautas conservadoras que são também defendidas pelo grosso da população...

As investigações da Lava Jato fomentam  o sentimento de que todos os políticos são iguais, o que é nocivo à democracia,  já que esta não sobrevive sem representantes nem partidos.

R. Acho que ele está muito distante disso porque não tem o perfil. Ele é um político paroquialista. Quando ele defende pautas muito conservadoras só fala com uma parte da sociedade. Quem quer se cacifar para ser presidente não pode defender pautas tão marcadas. É só ver a Marina Silva, que teve que relativizar suas posições na campanha. Nenhum presidente até hoje ganhou com uma visão mais radical, seja à direita, ou à esquerda. O Lula só ganhou quando foi mais para o centro. Esse discurso contra o aborto e união homoafetiva só mostra que ele não parece ter intenção de concorrer.

P. Como você analisa essa propaganda política que o partido está fazendo, que parece criticar o PT?

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R. Acredito que muitos dirigentes do PMDB estão sentindo o cheiro do fim de ciclo, como aconteceu em 2002 com o PSDB. Muitos fazem a leitura de que de 2018 o PT não passa. Então há um projeto de surfar nessa onda de desgaste da imagem do PT porque o PMDB não quer ser afetado por ela. É uma estratégia de se mostrar mais independente.

P. O Lula, se for candidato, não tem chances em 2018?

R. O PT tem chances, com Lula ou sem o Lula. A gente não pode desprezar a força do Governo. A máquina do Governo é muito poderosa, com as nomeações, a atração de apoios. Pode ser que essa desarticulação política seja momentânea. A dificuldade, caso Lula não queira ou não possa concorrer em 2018 seria a falta de nomes no PT. Existem poucos nomes hoje que estão se destacando.

P. Como quais?

R. Quem articula dia e noite para ser candidato é o Aloizio Mercadante, mas ele nunca teve grande sucesso nas disputas para o Executivo em São Paulo. Outros dois nomes em ascensão são o do Jacques Wagner, que deu repetidas vitórias para a Dilma na Bahia, apesar do erro estratégico de colocá-lo à frente de um ministério sem muita visibilidade, como o da Defesa. E há o Fernando Pimentel, de Minas Gerais. Fora esses dois nomes, não vejo muitos outros.

P. Como o PT poderá reverter o impacto da Lava Jato em sua imagem?

R. O partido vai ter um trabalho muito grande durante vários anos para recuperar sua imagem. De 2013 para cá, a porcentagem de simpatizantes do PT caiu assustadoramente. Era o único partido com uma taxa elevada de simpatizantes, mas perdeu grande parte do manancial de apoiadores que veio com a vitória do Lula. Vai ter que reverter com muita propaganda e isso vai levar algum tempo. Todo problema do Governo Dilma respinga no partido. Assim como todas as conquistas do Governo Lula também respingavam, positivamente.

P. A divulgação dos nomes dos envolvidos no esquema, que deve trazer pessoas de outros partidos, pode ajudar a melhorar o quadro?

R. Não vai melhorar a imagem do partido. O foco ainda será a Petrobras, que é uma empresa do Governo. Isso vai continuar respingando no PT. O que pode acontecer é que a divulgação pode amenizar a pressão política. Quando se tem vários partidos políticos envolvidos, não há um ímpeto para a investigação e a tendência é que a CPI não dê em nada. Isso é algo bom para o Governo, mas diante da opinião pública o desgaste da classe política, dos partidos e da própria política como atividade será grande, o que corrói o sistema partidário, como ocorreu na Grécia, na Espanha, na Itália anos atrás. Isso abre a possibilidade para o surgimento de um nome mais carismático ou algum partido novo se destacar.

P. Hoje há esse nome ou esse partido?

R. A princípio, não. Mas em toda eleição tem alguém que se coloca como alternativa. Na última foi a Marina Silva, mas que acabou se desgastando. O risco disso é que esse nome apareça como o salvador da pátria, que foi o que a aconteceu com o Collor e vimos no que deu.

P. Você mencionou a Itália. Acha que a Lava Jato guarda relação com a operação Mãos Limpas? Pode surgir um Silvio Berlusconi?

R. Sim, existe alguma semelhança entre a Lava Jato e a operação Mãos Limpas, no sentido em que partidos e políticos de praticamente todas as correntes ideológicas são alvo das investigações e denúncias. Em ambos os casos, as investigações contribuem para desgastar ainda mais a já reduzida credibilidade da classe política e das instituições de governo, alimentando junto à opinião pública um sentimento difuso de rejeição à própria atividade política, vista como algo sujo. É o sentimento de que são todos iguais, o que é nocivo à democracia, já que esta não sobrevive sem representantes nem partidos. No momento, no entanto, não vejo grandes riscos de que isso gere esse fenômeno do salvador da pátria no Brasil, já que a dinâmica política nacional ainda tem sido controlada pelos atores políticos tradicionais , como PMDB, PSDB e PT.

P. Qual poderia ser a saída para essa crise de credibilidade?

R. O Legislativo e o Executivo têm um papel importante, com a adoção de medidas anticorrupção, por exemplo. O importante é evitar as medidas corporativistas, como essas últimas que levaram ao aumento de verba de gabinete dos deputados, de passagens aéreas para cônjuges. Esse tipo de medida, voltada para o próprio umbigo, é muito prejudicial, pois tira a legitimidade que o eleitorado empresta à classe política.

P. Qual o papel que o Lula assume agora nesse cenário político?

R. Ele foi convocado de volta pela incapacidade do Governo em se articular e manter a base unida. Quando ele chama os movimentos e a militância para as ruas, vejo uma espécie de ataque preventivo, pelo temor de que as manifestações contra o Governo comecem a ganhar corpo, o que seria um fator de desestabilização muito grande para o Governo. O único ingrediente que falta para fragilizar o Governo de vez são as manifestações populares.

P. Há espaço para impeachment?

R. Seria totalmente descabido nesse momento. O impeachment é um processo movido pessoalmente contra o presidente da República. Pode-se acusar o Governo de muitos erros, mas não é possível acusar a Dilma de ter cometido qualquer crime. O pedido de impeachment não teria bases legais, políticas, nem populares neste momento.

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