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Governo argentino denuncia espião que ajudava Nisman

Executivo acusa Antonio Stiuso de contrabando Agente diz que Serviço de inteligência sabia do conteúdo das escutas contra Kirchner

Francisco Peregil
A presidenta Argentina em ato celebrado em julho.
A presidenta Argentina em ato celebrado em julho.Victor R. Caivano (AP)

A morte do promotor Alberto Nisman fez com que a disputa entre o Governo de Cristina Kirchner e o espião Antonio Stiuso chegasse aos tribunais. O embate entre a presidenta e o homem que durante os três mandatatos kirchneristas foi chefe de Operações dos Serviços Secretos — até sua renúncia forçada por Kirchner em dezembro passado — poderia ser emocionante, se não estivesse destapando uma fossa de crimes tão graves quanto impunes. Uma fossa que Néstor Kirchner e Cristina mantiveram bem fechada desde 2003. Na terça-feira, no entanto, o atual responsável pela Secretaria de Inteligência, Oscar Parrilli, apresentou uma denúncia contra Stiuso e outros agentes por "manobras de contrabando e evasão fiscal". E, nesta quarta-feira, os jornais La Nación e Página 12 revelaram o conteúdo do depoimento de Stiuso à promotora Viviana Fein, que investiga a morte de Nisman.

Há um mês, Stiuso foi apontado por Cristina Kirchner como o artífice da denúncia que Nisman apresentou contra ela, e como o cérebro de uma operação que, por intermédio da morte do promotor, pretendia desestabilizar seu Governo. No entanto, Stiuso assegurou diante da promotora que não sabia que Nisman tinha pensado em apresentar a denúncia. E revelou que seus dois superiores imediatos na época sabiam do conteúdo das escutas usadas por Nisman para apresentar a denúncia contra Kirchner, acusada de acobertar terroristas iranianos. Stiuso faz referência ao então secretário de Inteligência, Héctor Icazuriaga, e o ex-vice—secretário, Francisco Larcher. Citar seus nomes é como apontar contra a Casa Rosada, já que ambos eram funcionários da mais extrema confiança de Néstor Kirchner, desde quando era governador da província de Santa Cruz.

A investigação mostrou que Nisman, dias antes de morrer, ligou várias vezes para números de telefone com o nome de Stiuso. No entanto, Stiuso disse que nunca atendeu as ligações porque seu telefone estava no modo silencioso, para evitar o assédio dos jornalistas. O agente não esclareceu por que nunca retornou as chamadas de Nisman. O espião disse ter ficado surpreso pela "forma prematura" com a qual o promotor apresentou a denúncia: durante o recesso do Judiciário na Argentina e no verão austral. E acrescentou: "Se soubesse do fato, o teria aconselhado ou assessorado de outra maneira". Stiuso afirmou que viu Nisman pela última vez no Natal. Nisman havia dito que estava analisando as escutas, segundo seu depoimento. Mas Stiuso disse que desconhecia o fim que Nisman ia dar às gravações efetuadas pela Secretaria de Inteligência.

Em dezembro passado, a presidenta desmantelou a cúpula da Secretaria de Inteligência, sem oferecer nenhuma explicação. Semanas depois, Stiuso foi forçado a se aposentar, aos 61 anos. Em 14 de janeiro, Nisman apresentou a denúncia contra Kirchner por supostamente ter acobertado terroristas iranianos. Quatro dias depois, em 18 de janeiro, o promotor apareceu morto. Kirchner afirmou que Nisman foi assassinado como uma forma de vingança contra ela. E apontou Stiuso como o artífice da denúncia, e responsável por uma operação que tinha o objetivo de desestabilizar seu Governo.

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Stiuso se manteve em silêncio. Mas a promotora decidiu intimá-lo para prestar depoimento, depois de descobrir que Nisman havia ligado várias vezes para o agente. A lei argentina proíbe os agentes, inclusive os aposentados, de revelar segredos da profissão. Em 5 de fevereiro, o Governo adotou uma medida que parecia muito corajosa: autorizou Stiuso a contar "tudo o que sabe, fez ou viu" desde que começou a trabalhar para a Secretaria de Inteligência, em 1972, até sua aposentadoria em janeiro de 2015. O que o Governo não disse é que, 20 dias depois, ia denunciá-lo por contrabando. A denúncia poderia ser interpretada no mundo dos espiões como um aviso de tudo o que o Governo pode ter contra ele. O problema para o Governo, se continuar com a disputa nos tribunais, será identificar a responsabilidade de Stiuso na denúncia, sem prejudicar seus superiores que trabalham sob ordens diretas da Casa Rosada.

Santiago Blanco Bermúdez, advogado de Stiuso, declarou na quarta-feira à Radio La Red que o próprio Stiuso já havia denunciado na Justiça uma operação de contrabando de 94 toneladas de mercadoria importada. "Foi Stiuso quem denunciou isso. Há uma campanha feroz [do Governo] para que seja malvisto, uma campanha de demonização para desviar a atenção dos males que o afligem."

O advogado informou que Stiuso está fora da Argentina devido às ameaças sofridas. "Neste momento Stiuso está fora do país porque, devido à campanha da qual está sendo vítima, as ameaças que vem recebendo e os atos de violência, foi necessário que saísse do país para preservar sua família", afirmou.

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