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Netflix contra o ‘pacote’ cubano

Os cubanos já têm sua própria maneira de ver séries e filmes estrangeiros O streaming, entretanto, poderia abrir outras portas

Silvia Ayuso
Criança vê TV em Havana.
Criança vê TV em Havana.ALEXANDRE MENEGHINI (REUTERS)

Se o objetivo da Netflix ao anunciar que o seu serviço já está disponível em Cuba era assombrar os cubanos com produções como House of Cards, chegou tarde. Na ilha, a principal série da empresa norte-americana está disponível a partir de 1 CUC, o peso cubano convertível (cerca de 10,46 reais), por temporada. A mesma tarifa é cobrada para Game of Thrones e outros sucessos da televisão norte-americana como Girls ou Breaking Bad. As mais populares são, entretanto, as séries e telenovelas mexicanas.

Há vários anos, em Cuba existe o paquete [pacote], um serviço clandestino –embora tolerado– para obter programas estrangeiros que a televisão estatal não transmite. As ofertas abundam no Revolico, o velho site cubano de anúncios classificados estilo Craigslist. Anunciantes como Miguelito oferecem em Havana “mais de 2.800 séries” com “qualidade máxima e serviço a domicílio”.

“As séries são entregues em casa ou você pode vir buscá-las, não cobro nada extra por leva-as até sua casa, e copio a qualquer HDD (disco rígido)”, garante o anunciante. Uma oferta generosa, possivelmente motivada pela forte concorrência existente no setor.

Em razão da reduzidíssima extensão da internet na ilha, onde menos de 5 % da população têm acesso à rede, os rivais para empresários como Miguelito não são –nem serão em um futuro próximo– iniciativas como a Netflix, mas o paquete. Esse serviço de filmes e séries, baixadas ilegalmente por alguém que tem acesso à internet ou ao serviço de televisão a cabo, pode ser conseguido por 100 ou 150 pesos cubanos (aproximadamente 8,50 e 14 reais) mensais. É bem distribuído em algumas lojas, na forma de CDs ou memórias externas, ou também a domicílio. E inclui a atualização semanal dos conteúdos.

Imagen do site Revolico.
Imagen do site Revolico.

O paquete, no qual também podem ser carregadas revistas como a espanhola ¡Hola!, é um produto teoricamente ilegal, mas tão tolerado pelas autoridades que inclusive a imprensa oficial dedicou artigos ao assunto.

Algumas pessoas, como a blogueira e jornalista Yoani Sánchez, afirmam que o Governo cubano faz a vista grossa a esse negócio porque seus conteúdos são inócuos: “Não falar nem de política nem de religião”, resumia o lema do governo em um recente post em seu blog Generación Y.

O mesmo acontece com o SNet (de streetnet: rede guia de ruas), uma rede cidadã semisecreta que há cerca de cinco anos usa alguns servidores para conectar aproximadamente 8.000 usuários em Havana, em horários restritos –principalmente de madrugada– e com regras estritas: além de não mencionar temas políticos, tampouco se permite a pornografia ou o uso com fins lucrativos. É principalmente uma forma que os jovens usam para compartilhar, sobretudo, videogames ou mensagens.

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Com essa concorrência tanto na oferta como no preço, muitos pensam que a chegada da Netflix é apenas um lance de propaganda magistral, pois meios de comunicação de todo o mundo destacaram a notícia.

Mas há quem considere que o desembarque da Netflix, além de constituir um apoio aberto à decisão do presidente Barack Obama de normalizar as relações com a ilha, poderia ajudar a pressionar para que Cuba abra de uma vez o acesso à internet agora que o próprio Governo norte-americano retirou as restrições para que companhias de telecomunicações ofereçam seus serviços ao antigo adversário.

“O acesso à Netflix é parte de uma estratégia norte-americana mais ampla de diversificar as plataformas de informação e comunicação à disposição dos cubanos”, afirmam Joshua Bleiberg e Darrell West, especialistas em tecnologia do laboratório de ideias Brookings Institution. “A internet é uma ferramenta para comunicar aos cubanos os valores culturais e políticos norte-americanos. Transmitir essa informação não é nada frívolo, mas um passo fundamental na mutante relação política entre Cuba e os EUA”.

No fim das contas, ao menos desde a Primavera Árabe, os EUA deixaram claro que consideram as redes sociais uma via fundamental para promover a democracia. Para isso, entretanto, o país deve ter uma cobertura mínima de internet. Anúncios como o da Netflix poderiam impulsionar uma expansão mais rápida da rede.

Nesse sentido, para Edison Lanza, novo relator de Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos humanos (CIDH), o anúncio da Netflix é “positivo”, embora se mostre precavido na hora de comemorar. Ele tem em mente o caso da China, que “tem a infraestrutura, mas tem um modelo de internet fechada”.

“Quando falamos de internet, também temos de falar das políticas de bloqueio, de descarga de conteúdos. É um pouco prematuro para prever como Cuba vai lidar com a internet em um ambiente de maior investimento e infraestrutura”, indica. No entanto, ele festeja tudo isso “como, ao menos, um começo”.

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