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A perspectiva de um acordo nuclear agrava a tensão política no Irã

Parlamento iraniano tenta boicotar o esforço do Governo reformista de Hassan Rohani

Mohammad Javad Zarif passeia pelo centro de Genebra com John Kerry, em 14 de janeiro passado
Mohammad Javad Zarif passeia pelo centro de Genebra com John Kerry, em 14 de janeiro passadoMartial Trezzini (AP)

O Irã comemorou na quarta-feira passada o 36o aniversário da revolução do aiatolá Khomeini sob a sombra das negociações nucleares com o Ocidente. Depois delas, há muito mais por trás do que um compromisso sobre as capacidades atômicas da República Islâmica. O que está em jogo é a própria essência desse regime, que tem o antiamericanismo como um de seus pilares. É por isso que, diante da eventualidade de um acordo com os Estados Unidos e as demais potências, as tensões políticas estão aumentando. Os conservadores, que controlam o Parlamento, intuem que um acordo nuclear, e a consequente abertura do país, favoreceriam o Governo de Hassan Rohani e os reformistas nas eleições legislativas do ano que vem.

Em uma nova tentativa de boicotar as negociações, um grupo de deputados conservadores pediu o comparecimento diante da Câmara do ministro das Relações Exteriores e líder das negociações da questão nuclear, Mohammad Javad Zarif, para que explique o passeio que deu com o secretário de Estado, John Kerry, durante um encontro em Genebra, em janeiro passado.

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"O passeio com o secretário de Estado norte-americano e sua visita à França depois que o jornal Charlie Hebdo insultou várias vezes o profeta não são dignos do ministro das Relações Exteriores do Irã", atacam os parlamentares. Zarif abordou a situação das negociações nucleares com seu colega francês, Laurent Fabius, em plenos protestos no mundo islâmico devido à publicação das charges sobre Maomé. Zarif e Kerry voltaram a se reunir no fim de semana passado na Conferência de Segurança de Munique.

As vozes descontentes não são ouvidas só no Parlamento iraniano. O general Mohammad Reza Naghdi, chefe da milícia Basij (voluntários islâmicos) e representante dos setores mais conservadores, considera "imperdoável viajar à França enquanto o presidente francês tem na mão a caricatura do profeta e mostra para todo o mundo".

O passeio com Kerry em Genebra e a viagem à França se tornaram o último pretexto para tentar minar as negociações nucleares. Os conservadores acusam o chefe da equipe negociadora iraniana de violar os valores revolucionários e de não levar em conta os interesses nacionais. No entanto, Zarif conta com a plena confiança do presidente Rohani, que recentemente qualificou seus críticos de "torcidas que aplaudem a equipe contrária".

Os conservadores atacam o negociador, que tem o apoio do líder supremo

"É muito irrefletido considerar o passeio de Zarif com Kerry como um sinal de fraqueza diplomática. Alguns recorrem a essas táticas ao ver que as negociações vão por bom caminho", defendeu o vice-presidente e porta-voz do Governo, Mohammad Bagher Nobakht. O próprio Zarif atribuiu as críticas dentro e fora do país a quem "se opõe à queda das sanções, porque acreditam que contrariam seus interesses".

A discussão entre a Câmara e o Governo até motivou a intervenção do líder supremo, o aiatolá Ali Khamenei. Em sua página oficial na internet, ele voltou a publicar passagens de um discurso que pronunciou em janeiro passado sobre uma foto do controverso passeio de Zarif com Kerry.

"Eu não sou contra as negociações; que os negociadores negociem o quanto quiserem. Considero que é preciso depositar as esperanças nos pontos promissores, não em aspectos imaginários; isso é o que está faltando", afirma a autoridade máxima do Irã. Apesar de Khamenei também reiterar sua desconfiança em relação aos Estados Unidos, porque se recusa a retirar todas as sanções de uma vez, o elogio ao ministro das Relações Exteriores não deixa de ser significativo.

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