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A eterna juventude uruguaia

O pequeno país sul-americano registra uma alta porcentagem de população com mais de 60 anos, a idade legal de aposentadoria no setor público, ainda na ativa

Tabaré Váquez (75 anos) e José Mujica (80 anos).
Tabaré Váquez (75 anos) e José Mujica (80 anos).n. correa (afp)

Os pacientes do doutor Raúl Ruggia colocam a mão no fogo por esse especialista em neuropediatria de 83 anos, que continua exercendo a profissão. Alicia, que leva sua filha ao consultório localizado no Hospital Italiano de Montevidéu, sequer considera que a idade do médico seja um problema. Sua única preocupação é a de que ele se aposente. Há poucas possibilidades, no entanto, de que isso aconteça. O conceito é totalmente estranho a Raúl Ruggia: “A aposentadoria absoluta não existe, porque é impossível viver sem atividade. Parar de trabalhar só em caso de deterioração mental e depressão”, assegura o neurologista.

O caso de Raúl Ruggia não é isolado no Uruguai, onde 40% dos homens entre os 65 e os 70 anos trabalham, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística. Dos 70 aos 75 anos, 21% dos homens continuam sem se aposentar. No caso das mulheres, a atividade é muito menor: 20% das que têm entre 65 e 70 anos trabalham, mas a porcentagem se reduz a 90% na faixa entre 70 e 75 anos.

Em parte essa situação é fruto da necessidade, porque a aposentadoria só é possível depois de 30 anos de contribuição. Muitas pessoas não conseguem reunir tantos anos, e por isso continuam trabalhando. A aposentadoria não é obrigatória no setor privado. No público, ainda que haja limites, é possível postergá-la.

A presença de gente com mais de 60 anos trabalhando é algo socialmente aceito. Os exemplos são numerosos

A presença de pessoas mais velhas na vida profissional é algo totalmente aceito. Os exemplos são numerosos. Para se ter uma ideia, o homem mais popular do país, o treinador da seleção de futebol Oscar Washington Tabárez, acaba de renovar seu contrato aos 67 anos. Se cumpri-lo até o fim, deixará o cargo depois da Copa de 2018, aos 71. O empresário mais respeitado do país, Robin Henderson, dono de uma rede de supermercados, tem cerca de 80 anos e continua no comando de sua empresa. O ex-guerrilheiro José Mujica, presidente que está deixando o cargo, se dispõe a voltar ao Senado durante cinco anos depois que obteve o melhor resultado de voto entre os jovens nas eleições passadas. Quando terminar a legislatura, terá 85 anos. O novo presidente eleito do Uruguai, Tabaré Vázquez, com seus 75 anos, dirigirá a um gabinete de ministros com média de idade em torno dos 65 anos.

Ismael Núñez, dirigente do sindicato dos trabalhadores do comércio, conhece bem o caso do empresário Henderson e a possibilidade de uma hipotética aposentadoria é fonte de preocupação: “Uma empresa assim só pode ser adquirida por uma multinacional e isso quer dizer demissões e cortes”.

O professor da Universidade ORT Francisco Faig afirma com ironia que “no Uruguai a juventude termina aos 50 anos. Tenho 40 e continuam me dizendo que sou jovem. Dizem com carinho, mas a verdade é que a preponderância dos mais velhos é uma trava para a modernização deste país. A geração entre 30 e 40 anos está encurralada.”

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Apesar de suas críticas, Faig reconhece que as gerações acima dos 65 anos são as mais bem formadas da história do país. Estudaram na época dourada do ensino público uruguaio, viveram a ditadura, além de várias crises econômicas. Essa mistura de formação e capacidade de resistência à adversidade os tornou únicos e os melhores exemplos estão na política.

Atualmente, o índice de desemprego no Uruguai está em torno de 7%. O que aconteceria se os maiores de 60 anos decidissem parar de trabalhar? Ramón Ruiz, um dos diretores do Banco de Previsão Social (a Previdência uruguaia) nem pensa nessa eventualidade porque “aqui o que conta é o trabalho”. A preocupação são as crianças e jovens; segundo a CEPAL, o índice de pobreza é oito vezes maior entre os menores de 15 anos do que entre os maiores de 55. “Nos próximos anos a prioridade será integrar ao mercado de trabalho 20% da população que está fora do sistema, sobretudo mulheres e jovens”, afirma Ruiz.

Walter Pérez é afiador de facas em um bairro de Montevidéu há 42 anos. Tem uma bicicleta com uma roda bloqueada para que o pedal se conecte a um torno de pedras de amolar. Aos 67 anos, o trabalho lhe exige um esforço físico que ele realiza encantado: “Aposentei-me há alguns anos e fiquei deprimido. Fui ao médico e ele me recomendou voltar a trabalhar”, afirma. O afiador agora distribui cartões de visita porque, há alguns meses, apareceram no bairro uns jovens que se faziam passar por seus filhos, para lhe roubar os clientes. Por hora, Walter não parece disposto a abrir espaço para as novas gerações.

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