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Mais de 500.000 casas buscam dono

Cerca de 41% do excedente de moradias que existe na Espanha está distante de núcleos urbanos e carece de infraestrutura e de serviços

Sandra López Letón
Imagem aérea de milhares de residências construídas no complexo Marina d' Or, em Oropesa del Mar (Castellón).
Imagem aérea de milhares de residências construídas no complexo Marina d' Or, em Oropesa del Mar (Castellón).ÁNGEL SÁNCHEZ

Oito anos depois do estouro da bolha, a Espanha continua de ressaca, com centenas de milhares de residências que permanecem vazias. Agora são a recordação de uma época de excessos. “Há em torno de 700.000 casas novas sem vender, mas entre 150.000 e 175.000 são necessárias para o funcionamento normal do mercado, sem tensões nos preços”, afirma Julio Gil, presidente da Fundação de Estudos Imobiliários (FEI). Assim, a oferta excedente se situa entre 525.000 e 550.000 moradias. Mais da metade está em mãos das instituições financeiras e da Sareb, ou “banco podre”. O economista e professor Gonzalo Bernardos concorda. Para ele, o excedente de casas habitáveis – muitas estão há cinco ou seis anos abandonadas– é de 500.000, das quais 350.000 estão na metade da obra. É complicado calcular o investimento bloqueado nesses projetos abandonados. “Poderia superar 35 bilhões de euros (105 bilhões de reais)”, calcula Darío Fernández, diretor de Residencial, Urbanismo y Suelo da JLL, e o faz baseando-se em um custo médio de construção de 70.000 euros por unidade. Luis Rodríguez de Acuña, diretor financeiro da R.R. de Acuña & Asociados, avalia esse investimento represado em 44 bilhões de euros em casas e 24 bilhões em lotes.

Algumas dessas moradias acabarão sendo vendidas com o tempo. De fato, a absorção dos imóveis herdados da bolha se acelerou, com uma queda dos 6,9% em 2012 para 3,3% em 2013. E, sobretudo, depois de superada a incapacidade (ou a negativa) dos bancos para reconhecer seu preço real de mercado. Um bom exemplo é Seseña (Toledo). “No início de 2012 a Altamira, ainda 100% do Santander, lançou uma oferta de moradias que tinham ido parar no balanço do banco. Apartamentos que em 2007 eram vendidos por 180.000 euros foram postos à venda por 65.000. Foi acrescido um financiamento muito atraente e praticamente venderam todas em poucas semanas”, conta José Luis Bartolomé, analista imobiliário e autor do livro Vuelve, Ladrillo, Vuelve (Volta, Construção, Volta), que será lançado dentro de um mês. ,

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Não terá a mesma sorte outra parte do estoque, erguido em cidades-fantasma, que nunca encontrará comprador. Desse meio milhão, “cerca de 41% (207.865 moradias) se encontram em áreas distantes da grande demanda”, afirma Rodríguez de Acuña. “Muitas estão em localidades com menos de 20.000 habitantes com um excesso de oferta para mais de 20 anos”, calcula Bernardos. Nesse afã de “construir até o infinito e mais além, foram erguidas promoções na periferia longínqua das grandes cidades e a 40 ou 50 quilômetros da costa; A última que foi construída está no fim do mundo", prossegue.

Seu futuro vai depender da “distância do núcleo urbano mais importante, dos acessos já construídos, do motivo da aquisição por parte dos potenciais compradores e de seu grau de consolidação, isto é, da infraestrutura que tenham e da população que ali resida”, explica Elisa Morillo, diretora de Expansão da Foro Consultores.

Alguns especialistas defendem que os apartamentos vazios dos bancos sejam destinados ao aluguel social

Que fazemos com esse excedente? A maioria dos especialistas concorda em que a chave está com as entidades financeiras e a Sareb. Parece que restam muito poucos apartamentos de aluguel social que os bancos aportam ao Fundo Social de Moradias (FSV, na sigla em espanhol), que acaba de ser prorrogado até 2016. No momento, acolheram 1.465 famílias.

“Os bancos estão dando os apartamentos de presente aos fundos abutres a preços ridículos, entre 30.000 e 40.000 euros, quando o normal seria a transferência aos municípios para fazer política social, principalmente, porque as entidades foram resgatadas pelos cidadãos e muita gente está nas ruas com uma mão na frente e outra atrás”, diz Bernardos. Sua proposta é que as prefeituras administrem essas casas com um aluguel simbólico (entre 50 e 200 euros mensais) e destinem os recursos para a manutenção das propriedades para evitar sua deterioração.

“Não se deve esquecer que o principal problema na Espanha são os despejos e que esses projetos urbanísticos são uma oportunidade para adotar políticas sociais que ajudem a aliviar o problema, que também foi gerado pelas disfunções do boom imobiliário”, destaca Jaime Cabrero, presidente do Conselho Geral dos Colégios Oficiais de Agentes da Propriedade Imobiliária da Espanha. O projeto seria conduzido por uma “agência pública descentralizada que administraria um grupo de moradias de aluguel social, protegidas e privadas”, propõe Elías Trabada Crende, sociólogo e urbanista.

No entanto, há quem veja a ideia como pouco factível. “Para transformá-las em moradia social, as prefeituras deveriam expropriar e indenizar os proprietários a um preço justo; estamos falando de muitos milhões de euros, embora seja apenas preço de custo”, destaca a diretora da Expansión de Foro Consultores.

Para outros especialistas, o livre mercado é o melhor regulador do excedente de moradias

Para outros, o mais sensato é deixar o mercado falar. “O livre mercado deveria ser o melhor regulador, embora seja desejável mais flexibilidade nos preços da Sareb e das entidades, o que permitiria dinamizar o mercado”, diz o porta-voz da JLL, que é contra medidas coercivas —como a expropriação ou a punição por imóveis vazios, sugeridas por algumas comunidades autônomas— que geram insegurança jurídica, afastam os investidores internacionais e preocupam os proprietários. Sua receita: ter uma carga tributária muito menor.

José Luis Bartolomé é da mesma opinião. “É preciso adaptar os preços à realidade de financiamento ao comprador final. Em lugares com determinado excesso que nem com preços baixos [os imóveis] conseguem ser desovados, poderia ser sugerida a demolição ou seu destino a famílias em risco de exclusão”.

Demolir o imóvel? Em edifícios nos quais não foram alcançados nem 20% de estrutura, a saída pode compensar para o proprietário. Do contrário, a demolição é um custo a mais. “Seria uma medida excepcional para imóveis nos quais o custo de manutenção fosse superior à renda gerada”, afirma Julio Gil.

Reorganizar é a aposta de Manuel Gómez de Miguel, secretário da Associação Espanhola de Análise de Valor (AEV). “Para recolocar no mercado parte desse estoque, pode ser preciso reorientar seu destino [para o aluguel ou destinar como primeira residência aquelas que inicialmente eram comercializadas como segunda ou vice-versa].”

Seja como for, “o crescimento econômico de um país não pode se basear no setor imobiliário, pois este é o resultado de uma necessidade”, destaca Rodríguez de Acuña.

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