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Queda do preço do petróleo leva México a impor um drástico corte

Em pleno ano eleitoral, Peña Nieto faz recair sobre a Pemex o grosso do ajuste Governo abandona o projeto do trem de alta velocidade

Jan Martínez Ahrens
O ministro da Economia mexicano, Luis Videgaray.
O ministro da Economia mexicano, Luis Videgaray.H. ROMERO (Reuters)

A tempestade já chegou. O presidente do México, Enrique Peña Nieto, impôs um drástico corte dos gastos públicos para fazer frente à derrocada do preço do petróleo. Ante a dura opção entre elevar o déficit ou recorrer ao machado, Peña Nieto escolheu o caminho mais doloroso e decidiu reduzir o gasto público em 9 bilhões de dólares (24,3 bilhões de reais, o equivalente a 0,7% do PIB). A medida, inédita na última década, embute uma alta dose de realismo político, mas também de risco. Não só representa um reconhecimento público de que começa com mau aspecto o ano de estreia das fulgurantes reformas gestadas na primeira etapa de seu mandato, como também se trata de uma aposta que pode desgastar ainda mais o seu partido, o PRI, e sua própria imagem. Em junho serão realizadas as chamadas eleições intermediárias (governadores, assembleias estaduais e prefeituras). Essas eleições representarão uma prova de fogo para o presidente, cuja avaliação atual, abalada por uma sucessão de escândalos imobiliários e a tragédia de Iguala, anda no seu nível histórico mais baixo.

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Mas a decisão de cruzar o ano eleitoral sobre a corda bamba tem raízes bem profundas. Praticamente um terço da receita pública mexicana provém do petróleo, um valor que começou a cair vertiginosamente. Se em junho o barril do mescla mexicana chegou a custar 102 dólares, agora há dias em que nem sequer chega aos 40. E não se trata de um cenário passageiro.

O secretário da Fazenda, o todo-poderoso Luis Videgaray, em sua explicação dos ajustes deixou claro que essa tempestade se estenderá “além de 2015” e que se combinará com outros fatores igualmente temíveis. Entre eles, a normalização da política monetária dos EUA, o gigante do norte, que depois de um longo período de debilidade se prepara para aumentar as taxas de juros, um movimento que afastará os fluxos de capital de países emergentes como o México. A essa volatilidade financeira se somam as nuvens carregadas de uma desaceleração global, com colossos como China e Europa fazendo cada vez menos barulho.

“Diante dessa situação é preciso agir com decisão e disciplina. E não só pensando no momento atual, mas no médio prazo. E por mais difíceis e complexos que sejam os desafios, o presidente foi claro e contundente: mais do que a conjuntura político-eleitoral, é preciso proteger a estabilidade e a economia”, afirmou Videgaray.

A Administração Federal arcará com 35% do ajuste

O resultado, descartada a possibilidade de uma nova elevação de impostos, é um corte de enormes dimensões que o Executivo de Peña Nieto pretende que seja aplicado cirurgicamente sobre aquelas zonas do corpo econômico que menos danos causem ao cidadão comum. Para isso, 50% do ajuste recairá sobre a Pemex, a histórica petrolífera estatal, e outros 8% sobre sua irmã da área elétrica (CFE). Ambas as empresas, como resultado da reforma energética, passaram a ter autonomia orçamentária e terão de lidar, sobretudo a Pemex, com o enorme desafio de proceder ao corte em condições extremamente adversas: uma produção em declínio, preços do petróleo em queda livre e, principalmente, a irrupção da concorrência internacional depois do fim do monopólio do petróleo. A possibilidade de drenagens maciças, até agora um anátema político no universo da Pemex, paira com força.

A outra grande parte do corte (35%) será bancada diretamente pela Administração Federal. Nesse plano, o principal afetado será o gasto corrente (27,5% do total), basicamente em serviços pessoais, vagas temporárias, comunicação social e também subsídios, incluindo as pensões. A salvo do machado ficarão, segundo Videgaray, os ultrassensíveis programas de luta contra a pobreza, de moradia e universitário, três campos minados no México.

O restante da tesourada será sentido no capítulo dos investimentos, onde esperavam sua oportunidade para ver a luz alguns símbolos da era Peña Nieto. Ficarão relegados ao esquecimento projetos como o trem de alta velocidade México-Querétaro, o primeiro do tipo na América Latina, cuja licitação, já aprovada, foi revogada em novembro pelo presidente em meio ao escândalo imobiliário envolvendo sua mulher e um dos subcontratados da obra. Das chamas se salva, apesar de tudo, a joia da coroa deste mandato: o novo aeroporto internacional da Cidade do México, projetado por Norman Foster.

A possibilidade de que esses cortes maciços, bem em linha com a ortodoxia do FMI, afetem o crescimento do PIB foi descartada por Videgaray, que manteve seu prognóstico de crescimento do PIB em 2015 na faixa de 3,2% a 4,2%. Nessa linha, embora tenha alertado que o período de ajuste se prolongará em 2016, o czar econômico aproveitou para afugentar espectros. Em sua análise, insistiu em que a medida é uma “fonte de certeza” e que o país tem liquidez suficiente, graças às suas reservas internacionais (193 bilhões de dólares) e à linha de crédito do FMI (70 bilhões) para fazer frente a qualquer tempestade. No momento, o México se prepara para atravessá-la.

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