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Proximidade com a Rússia provoca a primeira tormenta política na Grécia

Os serviços de segurança europeus investigam a proximidade de ministros com o Kremlin

María Antonia Sánchez-Vallejo
O primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras.
O primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras.MARKO DJURICA (REUTERS)

Colossal erro de cálculo ou um ás na manga na hora de defender estratégias de negociação na Europa. Entre estes dois extremos balançam as explicações dadas em Atenas ao primeiro movimento diplomático do Governo de Alexis Tsipras, decididamente pró-Rússia, o que desatou a primeira tormenta política sobre o novo Executivo.

Na segunda-feira, assim que tomou posse como primeiro-ministro, o escritório de Tsipras lamentou que a União Europeia tenha incluído a Grécia sem consulta prévia em um comunicado que pedia que Moscou cumprisse os acordos de cessar-fogo de Minsk no leste da Ucrânia e ameaçava com novas sanções. Na terça-feira, o número três de Relações Exteriores disse que “a Grécia não concorda com o espírito das sanções”, enquanto o próprio ministro de Defesa, Panos Kammenos – líder do partido de direita nacionalista que apoia o Syriza –, abria a porta a “uma maior colaboração com Rússia na compra de armamentos”. Na quarta-feira, o superministro de Reconstrução Produtiva e Energia, Panagiotis Lafazanis – único representante no Governo da facção mais de esquerda do Syriza – declarou: “Somos contrários ao embargo imposto à Rússia.”

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A tudo isso pode ser somado um gesto importante, apesar de simbólico. Até agora, o primeiro embaixador que se reunia com o novo primeiro-ministro grego era o norte-americano (os EUA possuem uma importante base no país, na ilha de Creta; vital para a cobertura do Mediterrâneo oriental). Tsipras rompeu com essa tradição na segunda-feira, ao escolher o embaixador russo em Atenas, Andrey Maslov, para seu primeiro contato diplomático. Nada poderia ter entusiasmado mais os meios russos, unânimes nas manchetes: “A Grécia dá uma lição de democracia a Bruxelas” ou “Syriza é o novo aliado da Rússia”. Dois dias depois, o presidente Barack Obama ligou para Tsipras para reiterar a “tradicional aliança” entre os dois países.

As relações da Grécia com a Rússia já são antigas, mas nunca tinham alcançado este protagonismo. No ano passado, durante sua viagem internacional como candidato a presidente da Comissão Europeia, Tsipras visitou em maio Moscou, onde atacou “a presença de neonazistas no [Governo de] Kiev” — a mensagem oficial dos pró-russos da Ucrânia e de Moscou – e denunciou as sanções contra o Kremlin. Na viagem, foi acompanhado por seu atual ministro de Relações Exteriores, Nikos Kotzias, do Partido Comunista da Grécia (KKE, próximo a Moscou). O nacionalista Kotzias mantém uma boa relação com o também nacionalista radical Aleksandr Dugin, um dos ideólogos do eurasianismo – e próximo a Vladimir Putin – a quem convidou a visitar a Universidade do Pireu, onde Kotzias era professor de Relações Internacionais.

Mas ele não é o único que frequenta Moscou, Panos Kammenos é outro próximo aos russos. Tanto ele quanto Kotzias foram cortejados pelo círculo mais íntimo do Kremlin, onde aparecem alguns dos nomes que estão proibidos de viajar para a UE e os EUA pelas sanções. Estas relações perigosas – Dugin é muito conhecido entre os radicais populistas europeus – estão sob a lupa dos serviços de segurança europeus.

Esta é a base da “preocupação” com a qual o presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, visitou Atenas na quinta-feira. Na reunião que manteve com Tsipras foram abordados “todos os temas europeus”, inclusive a crise da Ucrânia e a posição em relação à Rússia, o único assunto no qual, segundo fontes do ministério de Relações Exteriores, Tsipras e Schulz não entraram em acordo. “Estamos trabalhando para evitar uma ruptura da UE e da Rússia”, afirmou, por seu lado, Kotzias, em Bruxelas.

“Estou negativamente surpreendido por esta atitude do Governo em relação à Rússia, porque afasta a Grécia da Europa em um momento crítico. Antes de ter começado as negociações com a troika, o Governo de Tsipras já criou uma séria divergência”, afirma o professor Dimitri Sotiropoulos, da Universidade de Atenas. “Não acho que a Grécia vá mudar substancialmente seu discurso, mas vai utilizar este assunto como ferramenta para suas negociações. Tsipras quer ampliar sua agenda internacional e abrir outras frentes para poder negociar com Bruxelas; algo assim como falar à UE ‘vocês já têm muitos problemas conosco, mas podemos criar outros’”, explica Kostas Pliakos, editor de internacional do jornal Eleutheros Typos. “As relações com a Rússia são um tema tabu, porque os EUA ainda estão muito presentes neste país; mas a Rússia, por questões estratégicas e energéticas [o traçado do gasoduto alternativo a South Stream], interessa muito mais”, conclui.

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