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A queda do petróleo põe em xeque a reforma energética do México

A queda do preço do petróleo põe em xeque a crucial reforma energética

Jan Martínez Ahrens
Um trabalhador da Pemex na costa de Campeche.
Um trabalhador da Pemex na costa de Campeche.Susana González (BLOOMBERG)

O México abriu a porta para um vendaval. Justamente na hora em que se dispunha a impressionar o mundo com o fim de 76 anos de monopólio estatal do petróleo, o mundo o surpreendeu com uma vertiginosa queda do preço do óleo cru. O impacto foi fulminante. A divulgação da licitação das primeiras jazidas, a denominada Rodada 1, cuidada ao extremo pelo Governo federal, consciente de que era a aposta econômica mais importante do México em décadas, se viu diante de um cenário ermo, marcado por um barril WTI (West Texas Intermediate, uma referência para a América) a cerca de 45 dólares, quando seis meses antes, em pleno debate sobre a reforma energética, chegava aos 100.

As consequências desse salto no abismo não se fizeram esperar. O peso caiu, a Bolsa desinchou e o desânimo surgido a reboque de sustos como a tragédia de Iguala tomaram corpo econômico. Um vento gelado começa a infiltrar-se em toda parte. A Pemex, petroleira pública, deu início a uma série de demissões, e o secretário da Fazenda, Luis Videgaray, reconheceu a possibilidade de cortes drásticos nos gastos públicos. Mas além dos ajustes internos, o naufrágio do óleo cru tirou do armário o esqueleto mais temido pelo Executivo: o possível fracasso das licitações petroleiras, a joia da coroa da era Peña Nieto, à qual o presidente atrelou seu futuro.

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Em uma economia que sofre de anemia crônica, com um crescimento médio do PIB de 2,4% desde 1981, a reforma energética se justificou como grande catalisador econômico. Não se tratava apenas de atrair capital, mas de aumentar uma produção em queda (de 3,3 milhões de barris diários a 2,5 milhões em dez anos) e de incorporar uma tecnologia que a obsoleta Pemex era incapaz de oferecer. Tudo isso com o objetivo de revitalizar os cofres públicos, que devem 30% de suas receitas ao petróleo e realizar as prementes transformações que um país com 53 milhões de pobres exige.

A Rodada 1 teve início em dezembro com a divulgação da licitação de 14 áreas petroleiras. Localizadas em águas pouco profundas, em frente ao litoral de Veracruz, Tabasco e Campeche, correspondem a um abundante espaço cobiçado por sua facilidade de perfuração e a inexistência de problemas de propriedade. A esse primeiro processo, cujos resultados serão conhecidos em julho, seguirão outras três rodadas. No fim do caminho, o México, sétimo produtor mundial, terá aberto para o capital privado 17% de seus campos de petróleo e 79% de suas reservas. Um passo de dimensões históricas e um dos grandes negócios planetários. Ou era essa a ideia.

O colapso do barril congelou essas esperanças. Com um preço menor, resultados piores. O efeito é dissuasor. Os projetos são paralisados, os investimentos diminuem. As multinacionais, sob essa pressão, começaram a revisar seus orçamentos. O golpe que se avizinha pode ser terrível. Um bilhão de dólares em investimentos em todo o mundo correm o risco de ser cancelados, segundo a Goldman Sachs. Os recordes já começaram. E o México, recém-paramentado para sua estreia no jogo do capitalismo petrolífero, recebeu o primeiro golpe. “A queda de preços gerou um efeito intimidatório que, unido à instabilidade política dos últimos meses, reduz a segurança do investidor estrangeiro”, destaca a professora do Centro de Pesquisa e Ensino Econômicos (CIDE), Miriam Grunstein.

Tanto o Banco Mundial como Goldman Sachs prognosticam que o preço do barril não vai subir em 2015

Conscientes dessa desconfiança, as autoridades e os responsáveis pela Pemex já admitem que uma tempestade está se formando sobre as licitações. Bem onde as margens são menores e os custos maiores, como as explorações de xisto e poços profundos, as licitações correm o risco de não atrair ninguém por sua baixa rentabilidade. As estritas condições de participação, pensadas em época de bonança e destinadas a evitar alianças, são coadjuvantes a esse estrangulamento.

O inverno ameaça ser longo. Tanto o Banco Mundial quanto a Goldman Sachs prognosticam que o preço do barril não ganhará fôlego em 2015. Nem a China nem a Índia vão recuperar sua voracidade, e tanto Arábia Saudita como EUA já emitiram sinais de que vão manter a produção a todo vapor. Nesse horizonte de superabundância, as consequências de uma depressão prolongada dos preços se tornaram uma questão essencial para o México. A pergunta é até que ponto o país poderá resistir. Nesse ponto, entra em jogo a singularidade mexicana. Mesmo dependente do petróleo em suas contas públicas, o México está a anos-luz das convulsões sofridas por Rússia ou Venezuela. “Se esse fenômeno tem alguma vantagem é que causa mais danos a nossos concorrentes do que a nós, tem um efeito depurativo”, destaca um executivo do alto escalão da Pemex.

Com uma estrutura econômica mais diversificada do que seus adversários, o México conseguiu reduzir sua dependência do óleo cru. Se em 1982 as exportações de petróleo representavam 75% do total, agora caíram para 12%. E a contribuição desse setor para o PIB se limita a 5,9% (11% em 1995). “Além disso, a queda do preço do petróleo repercutiu na depreciação da moeda, e esta permite aumentar as exportações. O resultado é um efeito compensatório. O problema é que esse ajuste não é percebido nas ruas”, explica o professor pesquisador do Colégio do México Gerardo Esquivel.

Outro fator de proteção diante do colapso está no amplo programa de seguros de cobertura (76 dólares por barril) que o Governo colocou em andamento este ano. A esse amortecedor se soma o bônus extra que representa o fato de mais da metade da gasolina consumida pelo México ser importada e que, além disso, cobra do usuário um preço relativamente alto (o padrão de 91 centavos de dólar, 75% mais cara do que no Texas).

O caminho mais seguro para as grandes companhias se aventurarem a novos investimentos passa por reduzir os custos fiscais

Esses elementos afastam o México do espectro de uma queda como a venezuelana. Mas ninguém prevê um sucesso imediato do fim do monopólio. Ao contrário, os especialistas preveem um parto longo e doloroso. “Vamos sofrer; haverá menos consumo, menos produção, mais perdas de emprego, mas não uma queda livre; o dano acabará e logo haverá uma recuperação; trata-se de um fenômeno cíclico”, prognostica a especialista Miriam Grunstein. “O problema do México não é conjuntural, é que acabou a época do petróleo fácil. Vai ser uma situação longa e difícil”, acrescenta o analista David Shields.

O caminho de saída carrega um perigo. A via mais segura que as grandes companhias têm para se aventurar a novos investimentos passa por reduzir os custos fiscais. Nessa linha, alguns gigantes, como a Exxon, já advertiram que “o México tem de ser competitivo diante de outras oportunidades que há no mundo”. A resposta é a redução dos encargos para as multinacionais, o que está nas mãos de Peña Nieto.

Mas o Executivo mexicano vive horas de desânimo. Entre o fogo cruzado da queda do preço do óleo cru e a necessidade de evitar outro empecilho político em um ano delicadíssimo de eleições, a margem de manobra é escassa. E os especialistas consultados dão como certo que, antes de reconhecer o fracasso, as condições fiscais das empresas estrangeiras vão melhorar. O resultado, no entanto, trará consigo uma redução das receitas estatais, o contrário do que a reforma buscava.

Nenhum especialista consultado coloca em dúvida a necessidade de uma reforma energética. Nem sequer a oportunidade de abrir as licitações justo na hora em que passava o torvelinho que dinamitou os mercados mundiais. Mas os riscos de ter dado o passo adiante estão aí. Peña Nieto, com sua reforma, põe em jogo seu lugar na história. E, com ele, o do México.

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