_
_
_
_
_

Globo de Ouro celebra o experimentalismo de ‘Boyhood’

O filme que Richard Linklater levou 12 anos para rodar é o filme do ano em Hollywood

P. X. DE SANDOVAL
A equipe de Boyhood, com os prêmios de melhor filme, melhor diretor e melhor atriz coadjuvante.
A equipe de Boyhood, com os prêmios de melhor filme, melhor diretor e melhor atriz coadjuvante.KEVIN WINTER (AFP)

Uma história simples e fascinante, tanto quanto crescer e tornar-se pai e mãe, cortou a faixa da temporada de prêmios de Hollywood neste domingo. Durante 12 anos, Richard Linklater filmou a vida de um menino até que vai para a universidade, e em 2014 o projeto foi reconhecido como o melhor filme visto pela indústria. Boyhood, premiado neste domingo como melhor filme dramático com o Globo de Ouro, é talvez a experiência mais incomum a receber um grande reconhecimento da indústria e será interessante ver se o impacto desse filme se estende ao Oscar no próximo dia 22 de fevereiro.

Mais informações
Globo de Ouro se prepara para luta entre ‘Birdman’ e ‘Boyhood’
Candidaturas do Globo de Ouro colocam ‘Birdman’ na frente
Os ganhadores, em imagens (em espanhol)
Os melhores momentos da gala (em espanhol)

Depois de ter recebido o prêmio de melhor diretor, Linklater apresentou seu produtor, Jonathan Sehring, como “o homem que deu o maior salto de fé da história do cinema” ao garantir a ele o dinheiro há mais de uma década para um projeto como esse. “Dedico às famílias, que fazem o melhor que podem nesse mundo”, disse Linklater. Fora do palco, contou que queria fazer “um filme sobre crescer e ser pai” e que precisava de “todo esse tempo” para expressar o que desejava. A equipe do filme se reuniu uma vez por ano durante mais de uma década para filmar. “Foi um privilégio ter um espaço tão grande para trabalhar.”

A peculiaridade que o filme de Linklater representa para a indústria do cinema amplia o reconhecimento deste domingo. Patricia Arquette definiu assim: “Os produtores dizem a você ‘isso é o que as pessoas querem ver’. Mas não, a vida é bonita. Ver um menino crescer é bonito”. Isso é Boyhood.

Patricia Arquette levou também o prêmio de melhor atriz coadjuvante. Arquette, cuja carreira caiu no limbo depois de irromper na tela nos anos noventa, faz um extraordinário papel de mãe solteira. Ao mesmo tempo em que o protagonista atravessa a adolescência, ela vai dos trinta aos quarenta anos diante do espectador. “Uma mulher que se parece com tantas mulheres”, foi como definiu sua personagem. Ganhou nada menos do que de Meryl Streep, a atriz que mais tem Globos de Ouro (oito), uma posição tão garantida que até é alvo de zombaria nas apresentações. Arquette foi quem melhor definiu Boyhood ao agradecer Linklater por ter produzido “algo tão humano, tão simples e tão revolucionário na história do cinema”. Fora do palco, disse que gostaria de continuar rodando e terminar o filme como uma mulher idosa.

O Globo de Ouro entrega dois prêmios por categoria importante, já que distingue obra dramática de comédia ou musical. Na 72a edição, Boyhood competia na primeira e Birdman na segunda. O filme de Alejandro González Iñarritu ganhou o prêmio de melhor roteiro e Michael Keaton, o reconhecimento de melhor ator, que aceitou com uma emoção compatível com a falta de momentos desse tipo em sua extensa carreira. No entanto, Linklater ganhou na categoria de diretores para completar o triunfo de Boyhood. O grande hotel Budapeste, premiado como melhor comédia, acabou com as possibilidades de empate de Iñárritu.

Julianne Moore foi reconhecida como melhor atriz dramática por seu trabalho em Sempre Alice, na qual interpreta uma mulher que enfrenta um cruel Alzheimer prematuro depois de completar 50 anos. A sobriedade e credibilidade de Moore sustentam o filme. O prêmio de melhor ator dramático foi para Eddie Redmayne, que causou impacto ao ser visto de pé no palco, aceitando um prêmio e fazendo um discurso de agradecimento por seu trabalho em A teoria do todo, depois de sua assombrosa transformação no cientista Stephen Hawking. Em sua interpretação, Redmayne passa por todas as fases da doença de Hawking.

Se o Oscar é o prêmio do ano, o Globo de Ouro é a festa do ano. A imprensa se diverte com dados como garrafas de champanhe bebidas em cena (este ano foram 400 magnum e 1.500 mini, mais 600 de vinho), a realização da televisão procura intencionalmente reações curiosas entre as estrelas e o protocolo não existe, se comparado à formalidade aristocrática do Oscar. Os prêmios são entregues desde os anos quarenta pela Associação da Imprensa Estrangeira em Hollywood, formada por cerca de 90 jornalistas que são os que votam.

É interessante ver como o Globo de Ouro acabou colocando os prêmios de televisão na mesma altura dos de cinema, um reconhecimento à transferência de talento que sofreu a indústria desde o nascimento das grandes séries dramáticas de uma hora, há pouco mais de uma década. Quando desfilam pelo tapete vermelho Michael Keaton, Reese Witherspoon, Kevin Spacey e Matthew McConaughey, é difícil distinguir quem é indicado em que mídia. Hollywood, assim como o público, já celebra as duas como próprias.

Na noite de domingo, Hollywood também foi Charlie. No dia em que quase quatro milhões de pessoas tomaram as ruas de Paris contra a intolerância religiosa em uma manifestação nunca vista, o evento televisivo do Globo de Ouro se encheu de referências em solidariedade ao semanário Charlie Hebdo. O casal Clooney e Helen Mirren demonstraram sua solidariedade na roupa. Há apenas um mês Hollywood via assombrada como uma misteriosa organização ameaçava os cinemas que projetaram o filme A entrevista com atentados terroristas. Um gigante da indústria como a Sony Pictures, intimidado pelas ameaças e por uma onda de cyberataques, suspendeu a estreia por alguns dias.

O tema esteve presente em todos os tons. Desde o discurso inicial, quando Tina Fey disse que concorriam “todos os filmes que pareceram bons para a Coreia do Norte” até a brincadeira de apresentar um novo membro da imprensa estrangeira: uma oficial norte-coreana que exigia tirar uma foto com Meryl Streep. “Temos de fazer isso, há muitos e-mails que não queremos que sejam divulgados”, disse Fey. O presidente da Associação da Imprensa Estrangeira de Hollywood, Theo Kingma, foi quem resumiu em uma frase que a liberdade de expressão é defendida “da Coreia do Norte a Paris”. Foi a ovação da noite.

George Clooney, homenageado com o prêmio Cecil B. DeMille por sua carreira, elogiou a esposa, Amal Alamuddin, um casamento que foi uma das sensações do ano em Hollywood. O momento foi definido por uma das melhores piadas da noite das apresentadoras Tina Fey e Amy Poehler. Alamuddin é uma “advogada de direitos humanos que trabalhou no caso da Enron, como assessora de Kofi Annan na Síria e foi escolhida para a comissão de três pessoas que investiga a violação das normas de guerra em Gaza”, resumiu Fey. “E esta noite dão um prêmio pela carreira a seu marido.”

Hollywood comemorou o incomum, o atrevimento e, para alguns, a diversidade. Faltavam seis horas para a cerimônia e durante os testes de som da sala de imprensa os técnicos ofereciam um show particular hilariante, fazendo e respondendo perguntas como se fossem jornalistas e astros. Era um retrato bastante acertado do intercâmbio que costuma ocorrer nessa sala, pela qual os vencedores desfilam diante da imprensa mundial. Não no caso de Gina Rodríguez, premiada por seu papel na série Jane the Virgin, que fez uma declaração emocionada quanto ao reconhecimento da comunidade latina nos Estados Unidos. A indicação em si "permite às latinas se verem sob uma luz bonita, permite nos ver onde desejamos, convidadas para a festa", afirmou. "Sou uma prova de que (a indústria) está mudando, é uma coisa que comprovo todo dia."

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_