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Grécia enfrenta mudança no cenário político com a votação presidencial

Premiê deverá convocar eleições caso seu candidato a chefe de Estado não seja eleito

Um soldado da guarda presidencial desfila em Atenas.Foto: atlas | Vídeo: AP / Atlas
María Antonia Sánchez-Vallejo

Caso não surja uma surpresa maiúscula na terceira e definitiva votação presidencial, e Stavros Dimas não consiga nesta segunda-feira os 180 votos necessários para se tornar chefe de Estado, a Grécia terá eleições antecipadas no final de janeiro ou início de fevereiro. O panorama é pouco tranquilizador para Bruxelas, para os mercados e para a troika (o Fundo Monetário Internacional), a União Europeia e Banco Central Europeu (BCE)], que temem o descarrilamento do país no último esforço do resgate, porque as pesquisas indicam a vitória da esquerdista Syriza.

Esse horizonte se mostra ainda mais inquietante para os partidos que se aferram ao governo, os conservadores do primeiro-ministro Andonis Samarás e os socialistas do Pasok, que, segundo todas as sondagens, serão desalojados do poder depois de três décadas de confortável alternância — e dos dois últimos anos de colaboração —, esfacelados pela crise e pelo surgimento de novos partidos, que modificaram radicalmente o mapa político tradicional. O cenário apresenta certas semelhanças com o de outros países da Europa, como a Espanha.

Todos os partidos, incluídos os dois do Governo, acionaram sua máquina eleitoral e o conchavo frenético por apoios, parcerias e pactos. Porque, ganhe ou não o candidato oficial, não há volta: as pesquisas mostram que a Syriza, contrária às políticas de austeridade, vencerá com 28%, embora sua vantagem sobre a Nova Democracia (ND), o partido de Samarás, tenha se reduzido a três pontos, segundo os mais recentes dados das sondagens.

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A época das gloriosas maiorias absolutas, consagradas pelo bônus de 50 assentos, que a lei eleitoral reserva para o partido vencedor, ficou na história, e as projeções de votos delineiam um panorama de poder relativo e pactos forçosos; a incógnita reside em saber de quem com quem (ou contra quem), “em um sistema tão pouco afeito a coalizões quanto o grego, por falta de cultura de compromisso”, diz Eleni Panagiotarea, do centro de estudos Eliamep.

“O cenário político terá aspecto muito diferente dentro de dois ou três anos, independentemente do que aconteça na eleição para presidente; a recomposição do mapa vai levar algum tempo”, afirma Pavlos Eleutheriadis, professor de direito em Oxford e membro do To Potami (O Rio), partido criado em março por profissionais liberais distantes da política e que fez da luta anticorrupção a sua bandeira; as pesquisas lhe dão em torno de 5% dos votos, depois de eleger dois eurodeputados em maio. “Uma nova Grécia está depois da esquina, mas temos que ser pacientes: a democracia tem seu próprio ritmo”, declara.

Eleutheriadis assinala vários fatores de mudança: a necessária e progressiva renovação geracional da ND, “atualmente um partido desgastado, mas com jovens deputados claramente europeístas e muito mais cosmopolitas que a liderança atual”; a implosão ou até a dissolução do Pasok, que participou das eleições europeias sob o nome Eliá (Oliveira) e conseguiu apenas duas cadeiras, ou as diferenças internas na Syriza, “entre uma pequena facção pró-europeia e outra muito mais ampla contrária a Bruxelas”.

Dimitris Jristú, membro fundador da Syriza e ex-diretor do Afyí, seu órgão oficial, confirma a existência de correntes no seio da formação: “Há grupos muito à esquerda, marxistas, até trotskistas, que serão um contrapeso ao pragmatismo, sobretudo em relação às negociações com Bruxelas.”

Outra das leituras que podem ser feitas da crise grega é que os partidos participantes do Governo vão pagar preço muito alto por sua política de ajustes. O Pasok pode ter em torno de 5% dos votos, resultado que pode ser reduzido pela criação de um novo partido pelo ex-primeiro-ministro socialista Yorgos Papandreu —vai apresentá-lo nesta terça-feira—, numa reviravolta política que tem muito de parricídio (o Pasok foi fundado em 1974 por seu pai, Andreas Papandreu). O partido que foi terceiro parceiro do Governo até junho de 2013, a Esquerda Democrática (Dimar, centro-esquerda), nem conseguiria representação, ao cair abaixo do limiar de 3% dos votos.

O panorama de ingovernabilidade se descortina assim em Atenas. Privado de seu único aliado possível na esquerda (Dimar), e dadas as diferenças irreconciliáveis com os comunistas, restaria à Syriza apenas se coligar com os Gregos Independentes (Anel, direita ultranacionalista e anti-resgate), caso esse partido consiga entrar no Parlamento. Parece um pacto antinatural, tanto quanto um hipotético apoio dos neonazistas da Aurora Dourada (AD, com cerca de 5% das intenções de voto, a metade do que tinha em maio) ao candidato presidencial na votação desta segunda-feira, como insistentemente se especula nos últimos dias.

Em entrevista-discurso transmitida no sábado pela televisão pública Nerit, duramente criticada pelas associações profissionais por “faltar à ética do jornalismo”, o primeiro-ministro Samarás questionava ambiguamente a razão de chamar agora a atenção seu apoio a Dimas, visto que nas duas votações anteriores ninguém reparou que a AD votou junto com a Syriza, em oposição. Um sinal perverso —os votos da AD evitariam eleições antecipadas— contra o qual o próprio candidato presidencial fez um alerta: “Por respeito às instituições democráticas, não aceitarei ser eleito com os votos da AD”, disse Dimas. A sorte na Grécia está lançada, mas não apenas na votação para presidente.

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