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Onde as europeias dão à luz?

Reino Unido acaba de recomendar o parto em casa como o mais seguro, enquanto outros países do continente o proíbem ou desaconselham

Patricia Gosálvez
Mapa do parto programado em casa (em espanhol).
Mapa do parto programado em casa (em espanhol).

Uma grávida de baixo risco e não primípara deseja parir em sua casa, acompanhada por uma parteira. Se for britânica, seu médico recomendará que aja assim, segundo um novo manual do Departamento de Saúde, publicado em 3 de dezembro com base num estudo da Universidade de Oxford. A decisão é sua, dirão à mulher, mas saiba que, segundo as estatísticas, é mais seguro parir em casa do que num hospital, para você e para o bebê. O seguro social britânico arcará com os gastos.

No ano passado, 800 espanholas pariram em casa, 0,2% das gestantes

Entretanto, se a grávida for checa, seus médicos lhe responderão que isso é impossível. A lei proíbe os profissionais da saúde de planejarem e realizarem partos domiciliares. No dia 11 deste mês, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, após queixa de duas mães que queriam dar à luz em casa, determinou que a República Checa não violava o direito de decisão dessas mulheres, que consideravam insatisfatórias as condições de segurança da infraestrutura hospitalar do país. No entanto, a corte observou que sob certas circunstâncias o parto doméstico não é mais arriscado que o hospitalar e criticou o “duvidoso” respeito às decisões das mães na maioria dos hospitais checos, recomendando que eles trabalhem para “evitar intervenções médicas desnecessárias”.

Se a grávida em questão for espanhola, é provável que seu médico a desaconselhe o parto doméstico, mas ela poderá fazê-lo pagando 2.000 euros (6.500 reais) a um profissional independente, que também acompanhará a gestação. No ano passado, 800 espanholas fizeram isso – 0,2% das gestantes, segundo estimativa do grupo Educer, voltado para o parto domiciliar, com base em dados oficiais.

Uma maternidade diferente

“A queda da mortalidade perinatal de 50 por mil para 3 por mil nos últimos 60 anos não foi um milagre”, diz o presidente da Sociedade Espanhola de Ginecologia e Obstetrícia, José María Lailla. “A tecnicização do parto salvou muitas vidas, mas chegou um momento em que se tornou excessiva”. O Manual de Prática Clínica para o Atendimento ao Parto Normal, publicado em 2010 pelo Ministério da Saúde espanhol, busca frear essa medicalização rotineira. Ou seja, menos toques vaginais, rompimentos de bolsa, induções e intervenções que não sejam necessários... E mais informação e respeito com as gestantes. Também mais autonomia para as parteiras. “O guia não é integralmente cumprido”, diz Nuria Otero, do coletivo O Parto É Nosso. “O problema é que são recomendações, quando deveriam ser protocolos. Isso propiciaria que as mulheres procurassem alternativas aos hospitais.”

Ou seja, na Europa, dependendo de onde a grávida morar, ela poderá ou não escolher onde pode parir. Os regulamentos e recomendações são divergentes. Há países que estimulam e financiam, outros oferecem (embora não necessariamente aconselhem), outros toleram e alguns poucos impõem restrições explícitas.

A Espanha está entre os que toleram. O Ministério da Saúde “circunscreve suas recomendações ao atendimento no Sistema Nacional de Saúde”, segundo e-mail da assessoria de imprensa. “Ou seja, não há nada contemplado quanto ao atendimento domiciliar ao parto, nem em termos de apoio (sabemos que está crescendo entre mulheres sadias, bem informadas e com poder aquisitivo médio-alto), nem de proibição (as parteiras que exercem essa prática são muito peritas, e os resultados são excelentes).”

E o que dizem os estudos científicos? A sentença do Tribunal de Direitos Humanos cita 10 relatórios, apresentados por ambas as partes, e conclui que “a maioria dos estudos internacionais não sugere um maior risco dos partos domiciliares, desde que cumpridas certas condições”. São três: que a gestação seja de baixo risco; que seja atendido por uma parteira profissional; e que seja garantida uma rápida transferência para um hospital em caso de necessidade (segundo a Universidade de Oxford, 12% das multíparas que iniciaram o parto em casa acabam indo para o hospital, e 45% das primíparas). Os estudos citados pelo tribunal concordam em que parir no hospital acarreta um aumento significativo das intervenções em grávidas de baixo risco (cesáreas, fórceps, lacerações, induções...).

Na Espanha a maioria dos médicos desaconselha o parto domiciliar. “Eu não vou dizer a uma senhora que seja operada da apendicite sobre a mesa de jantar. Dá para fazer? Claro. Mas eu não recomendaria”, diz o presidente da Sociedade Espanhola de Ginecologia e Obstetrícia, José María Lailla. À suposta grávida de baixo risco que deseja parir em casa, ele “tentaria convencê-la, explicar que os hospitais reservaram salas de cirurgia para parir como se fosse em casa... As complicações surgem a qualquer momento. O tempo perdido no traslado pode ser vital. No século XXI, no primeiro mundo, não faz sentido se arriscar”.

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O médico defende que os países que oferecem o parto doméstico como parte do seu sistema público estão preparados para isso e levaram em conta “fatores legais e econômicos” (no Reino Unido, um parto domiciliar custa ao sistema o equivalente a 4.200 reais, contra 6.500 do hospitalar). “A chave é regulamentar”, prossegue, “seria necessário estabelecer protocolos, requisitos, cadeias de responsabilidade...”.

Mesmo concordando que regulamentar seria melhor, a Federação das Associações de Parteiras considera que na Espanha de hoje “a mulher tem de poder escolher”. “Nós, enfermeiras obstetras, buscamos as máximas garantias”, diz sua porta-voz Cristina Martínez. “Nem todas as gestações e nem mesmo todas as casas convêm.”

O Conselho Oficial de Enfermeiras de Barcelona (COIB) publicou em 2010 o Manual de Atendimento do Parto Domiciliar, estabelecendo como e em quais casos fazer o parto em casa (nunca com gêmeos ou com um bebê virado de nádegas, sempre que houver um hospital perto...). “O Conselho não é a favor nem contra parir em casa; se for bem feito, é tão seguro como no hospital, a mulher decide”, diz Isabel Salgado, porta-voz das parteiras do COIB, que salienta que as parturientes são encaminhadas para hospitais em caso de qualquer indício mínimo de complicações, geralmente de forma tranquila, em carro comum.

Dependendo do país da Europa onde vive, a grávida poderá ou não escolher em qual ambiente parir.

“Então, onde uma mulher deveria dar à luz?”, pergunta-se a Organização Mundial da Saúde em seu Manual do Parto Normal. “No lugar onde ela se sentir segura”, responde. “Para uma mulher de baixo risco, pode ser em casa, numa maternidade pequena ou possivelmente na maternidade de um grande hospital.” A maioria das mulheres se sente mais segura no hospital, segundo dados do instituto Euro-Peristat. Mesmo na Holanda, onde o parto doméstico é integralmente previsto no sistema de saúde, apenas 16,3% o escolhem (esse percentual chegou a 30% anos atrás, mas vem caindo). Em países onde a prática é recomendada (Reino Unido, Dinamarca e Islândia), mal superam 2% das parturientes. No resto, independentemente de ser tolerado ou desestimulado, não chega a 1%.

“Muitos acham que é uma decisão egoísta, mas é para oferecer ao bebê o melhor nascimento possível e evitar pressas e intervenções”, diz Cristina Triviño de la Cal, que é parteira, pariu em casa e participa da associação Nascer em Casa, que reúne 100 dos 150 profissionais de saúde que atendem partos domiciliares na Espanha (a maioria são parteiras, mas há também alguns médicos obstetras). “Gostaríamos que fosse normalizado como uma opção responsável e segura, se as condições permitirem e a mulher desejar”, diz. “Em casa, embora seja excepcional, pode ocorrer uma fatalidade que no hospital poderia ser evitada; no hospital podem ser feitas intervenções desnecessárias com resultados fatais. A mulher deve decidir com o que se sente mais em paz”.

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