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Havana recebe o degelo entre Obama e Raúl com alegria e ceticismo

Cubanos comemoram a soltura de seus presos mais simbólicos e esperam com expectativa melhorias na aproximação com os EUA

Rua de Havana.
Rua de Havana.Alejandro Ernesto (EFE)

Gerardo não vai acreditar até ver com os próprios olhos. E, no entanto, se esforça para convencer sua filha mais velha a postergar o plano de emigrar para Miami, agora que os Governos dos Estados Unidos e de Cuba concordaram em restabelecer relações diplomáticas, rompidas há 53 anos. “Ela é especialista em próteses dentárias e lá ganhará muitíssimo dinheiro. Eu lhe digo: ‘Bem, olhe, talvez você não tenha mais tanto interesse, porque se as relações se flexibilizaram... Mas ela diz que não, que vai embora quando quiser, e o marido está fazendo os papéis lá. Se essa história de embargo nunca tivesse ocorrido, os cubanos ficariam aqui. No máximo iriam uns tantos por não estarem de acordo com o sistema. Mas muitos já se foram e a maioria por trabalho, por questões econômicas. Porque, no mais, este país é o máximo.”

Ninguém falava sobre outra coisa ontem pela manhã em Havana: sobre como a vida pode mudar para eles agora que Washington e Havana deram trégua ao esforço de isolar mutuamente suas pessoas e sua economia. Da esperança, fugidia há tanto tempo, que se esconde atrás dos discursos simultâneos que fizeram os presidentes Raúl Castro e Barack Obama ao meio-dia de quarta-feira e que abriram a possibilidade de que os Estados Unidos revogue, por fim, as leis de embargo econômico e comercial contra Cuba, vigentes desde a década de 1960.

Os jornais e noticiários falam da felicidade que flutua nas ruas. De como as pessoas estão contentes pela volta dos “cinco heróis” cubanos condenados nos Estados Unidos por crimes de espionagem em 2001, que voltaram a se reunir na quarta-feira na ilha, depois que Washington e Havana acordaram também um intercâmbio de prisioneiros. “Mas esse é só o pano de fundo. A alegria não é tanto por eles, mas porque haverá comércio e turismo. Porque quem está feliz pelos heróis são suas famílias e seus filhos”, diz Gerardo —taxista, de 49 anos, nascido na província de Granma, que viveu atrás do volante cada crise, cada mudança no discurso oficial em cada virada de timão.

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Lázaro responde a ele na parada dos Cuba Taxi do bairro de Centro Havana, onde trabalha Gerardo; uma frota de carros novos amarelos modelo 2010, que contrasta com o Lada desmantelado e também amarelo conduzido por Lázaro, no qual ele investiu as economias que reservava para comemorar os 15 anos de sua terceira filha. “O povo está mais contente pela volta deles do que pelas relações [diplomáticas], porque isso é mais progressista, ainda que eu duvide. Os Estados Unidos sempre quiseram tomar conta deste país. Ter relações com Cuba? Isso está longe ainda. Não entendo como vão ter relações agora. É que a política é tão estranha...”.

Os jornais e noticiários falam da felicidade que flutua nas ruas.

O taxista Lázaro nasceu no mesmo dia e no mesmo ano que Antonio Guerrero Rodríguez, um dos “cinco heróis”: 16 de outubro de 1963. E ver pela televisão o encontro de Antonio com sua família, depois de 16 anos de prisão, comoveu-o às lágrimas. “No vídeo ele está triste, está forte. Ele que é o que saiu pior da cadeia, entrou jovem e saiu muito machucado. Esses anos nunca vão ser recuperados. A liberdade não tem preço”. O mínimo que Lázaro espera em sua honra é que haja pelo menos uma semana de marchas e comemorações. “Esse é o grande acontecimento.”

Ao fundo, ouvem-se a voz de uma estudante que diz através da Rádio Rebelde que os acontecimentos de anteontem comprovaram que o líder octogenário da revolução cubana, Fidel Castro, sempre teve razão. “Cumpriu-se o que disse Fidel: ‘Voltarão’ e já voltaram. Estamos sendo testemunhas de dias históricos que teremos de contar às novas gerações”. Para Duany, um jovem treinador esportivo atento à transmissão e aos turistas que descem pela rua Bispo —a quem recomenda comer no “melhor paladar” ou comprar “os Cohíbas ao melhor preço”, em troca de uma comissão—, importa pouco quem tem a razão. “Nós, os jovens, temos que ver alguma coisa”, diz, juntando o indicador e o polegar, como contando notas. “Aqui estamos felizes porque vão tirar o tal bloqueio. Para ver se, podendo trabalhar, podemos por fim viver. Porque eu sou professor de beisebol, mas o salário é mínimo, você sabe.”

Gerardo então volta ao ataque. Afirma que Raúl Castro, que assumiu o poder em 2006, mudou bastante as velhas estruturas, procurando uma saída para a crise econômica que os asfixia. “O problema é que não é só isso, é que Fidel ainda vive e parece que não lhe deixa fazer a mudança que quer. Dizem que está doente, que tem câncer, mas continua lúcido. Mas, bem, o sonho e o compromisso que Fidel tinha com esses prisioneiros e com o povo, de fazer com que fossem libertados, ele cumpriu. É o que dizia sempre: voltarão, por cima da cabeça de alguém. E olha, conseguiu, colocou-os aqui”.

— Mas quem conseguiu foi Fidel ou Raúl?

Depois de um breve silêncio, responde: “Foram os dois”. E, ao fundo, o som continua.

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