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As degradantes declarações de Bolsonaro chegam ao Supremo

Ministério Público denuncia o deputado no STF e deputada apresenta denúncia por calúnias

María Martín
A deputada Maria do Rosário no STF.
A deputada Maria do Rosário no STF.Divulgação

A escandalosa frase que Jair Bolsonaro dedicou há uma semana na Câmara à petista Maria do Rosário chegou nesta segunda-feira ao Supremo Tribunal Federal (STF), que deve decidir se abre processo contra o deputado. O “Eu não te estupro porque você não merece” pode supor, segundo a denúncia da vice-procuradora-geral da República, Ela Wiecko, um crime de incitação pública ao estupro.

"Ao dizer que não estupraria a deputada porque ela não 'merece', o denunciado instigou, com suas palavras, que um homem pode estuprar uma mulher que escolha e que ele entenda ser merecedora do estupro”, escreveu Wiecko. A própria Maria do Rosário, ex-ministra da Secretaria dos Direitos Humanos, também foi à Justiça para acusar o colega por injúrias, calúnia e danos morais nesta terça-feira. “Faço isso não por motivação pessoal, mas em nome de todas as mulheres que foram agredidas pelas declarações. A cada dez minutos, uma pessoa é vítima de estupro no Brasil, e o papel dos parlamentares é enfrentar esses crimes terríveis, não incentivá-los”, disse a deputada.

O último Anuário Brasileiro de Segurança Pública constatou que 50.320 mulheres foram estupradas no Brasil no período de um ano, uma cifra que poderia atingir 143.000 abusos, dado que apenas 35% das vítimas apresentam denúncia.

“É hora de ter uma reação à altura e de dar fim à impunidade que acaba reforçando o comportamento dele. Não é a primeira vez que o deputado usa seu mandato para praticar violações de direitos humanos. Ele já teve manifestações homofóbicas, machistas, racistas e nunca foi feito nada de concreto. Até hoje”, afirma a juíza Kenorik Boujikian. “O gravíssimo é não tomar uma posição, e não só em termos de processo penal, mas também no campo político”.

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O episódio tem, sim, mobilizado os próprios colegas, além da sociedade civil. O Conselho de Ética da Câmara instaurou nesta terça-feira um processo de cassação do deputado a partir da petição de quatro partidos – PT, PCdoB, PSB e PSOL. Jair Bolsonaro poderia perder o cargo por quebra do decoro parlamentar, um processo que, se avançar, só será na próxima legislatura. A cassação castiga os políticos com a impossibilidade de se candidatar a cargos públicos por oito anos.

“Temos a convicção de que foi cometido um crime, porque o estupro é crime hediondo e ele fez apologia”, afirma a atual ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Ideli Salvatti. Foi precisamente na primeira reunião do Conselho Nacional da Secretaria em que se decidiu levar ao Ministério Público uma representação contra o deputado. “Ele é reincidente na incitação, na apologia do crime com uma lógica fascista, contra mulheres e coletivo LGTB. Não pode ser amparado no direito de expressão. Esta foi a gota que transbordou o copo”, lamenta a ministra, que se comprometeu a re-abrir o processo de cassação no mesmo dia de posse dos novos parlamentares, em 1º de fevereiro.

É a segunda vez que Bolsonaro, o quarto deputado mais votado do Brasil, grita publicamente a mesma coisa à parlamentar petista. A primeira foi em 2003, em uma discussão diante de jornalistas, quando também a empurrou e levantou a mão contra ela enquanto a chamava de “vagabunda”. Naquela ocasião, foi aberto também um processo de quebra de decoro parlamentar, que foi arquivado, mas, desta vez, pode lhe custar de três a seis meses de detenção e multa, no caso do crime por incitação pública ao estupro, ou até dois anos, no caso de ser condenado por calúnia. O deputado, longe de retificar, ratificou suas declarações. O EL PAÍS ligou várias vezes para o parlamentar, mas não conseguiu ouvi-lo.

Como membro do Congresso Nacional, Bolsonaro conta com foro privilegiado e, por isso, um suposto crime do deputado só pode ser julgado no STF. “O tramite não será muito rápido. Poderia trazer uma pena, mas as [penas] dos crimes contra a honra não são muito altas. Por isso é importante dar uma resposta política, embora a ação penal seja importante, porque implica a reação de todos os setores”, afirma a magistrada Boujikian.

Se as propostas legislativas de Jair Bolsonaro no Congresso, que caminham contra o desarmamento da população e a concessão de privilégios aos militares, conseguissem tanta repercussão como alcançam há uma década seus ataques racistas, machistas e homofóbicos, o deputado poderia se orgulhar não apenas do quase meio milhão de votos conquistados no Rio de Janeiro, mas também de ser um político com mais sucesso parlamentar.

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