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O cartel dos trens leva a maré anticorrupção para São Paulo

O MP pede a dissolução de 10 empresas envolvidas no cartel de trens do Estado

María Martín
Estação da Luz, na região central de São Paulo.
Estação da Luz, na região central de São Paulo.Bosco Martín

Enquanto a onda de combate à corrupção fustiga o PT por conta do suposto esquema de desvios e propinas na Petrobras, o PSDB deve apagar seu próprio incêndio em São Paulo, à medida que surgem mais detalhes sobre o cartel empresarial que teria operado no sistema ferroviário do Estado durante mais de uma década.

O Ministério Público de São Paulo protocolou nesta quinta-feira uma ação na qual pede a dissolução de dez empresas que teriam se associado para ganhar três contratos de manutenção de vagões da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) desde 2000. Os promotores pedem também a anulação desses contratos, que foram renovados mais duas vezes desde então, e que as companhias devolvam o que foi desviado dos cofres públicos com o esquema corrupto, além de uma indenização pelo “desserviço prestado à sociedade”: um total de 418,5 milhões de reais.

A quantia é apenas relativa ao período 2000-2005, data da validade dos três primeiros contratos e objeto deste primeiro inquérito, que deve ser seguido por outros. As empresas denunciadas são Siemens, Alstom, CAF da Espanha, CAF do Brasil, TTrans, Bombardier, MGE, Mitsui, Temoinsa, Tejofre e MTE. A CAF da Espanha, por ser registrada no exterior, é a única que ficou fora do pedido de dissolução, mas não de indenização.

“Ainda não se sabe por que a CPTM decidiu terceirizar o serviço de manutenção de trens [quando esse serviço é interno no metrô]. Estimamos que o sobrepreço dos contratos está em torno de 30%”, afirmou o promotor Marcelo Milani. “Houve um acordo entre as empresas para que as vencedoras desses contratos fossem as mesmas que construíram e venderam os trens ao Estado de São Paulo. Com isso, elas diminuíram os custos e garantiram o domínio do setor”, assegurou Milani.

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O Ministério Público não conclui se há cargos públicos envolvidos no esquema, mas afirmou que uma equipe de promotores já está na Suíça levantando informações, depois que o país autorizou a quebra do sigilo bancário e o envio dos detalhes das contas em bancos suíços dos envolvidos que hoje estão bloqueadas. “Existem indicativos de que agentes públicos teriam contas na Suíça e pode ter relação direta com os contratos [investigados]”, disse Milani.

Para o promotor, o Governador Geraldo Alckmin (PSDB) já teria que ter destituído os responsáveis na direção da CPTM e declarado a não idoneidade das empresas a fim de evitar que continuem assinando contratos com a Administração. Diante da pergunta se o Estado estava sendo conivente com o esquema corrupto, Milani afirmou: “Conivente é uma palavra muito pesada, mas é certo que ele tem que tomar uma atitude diante de tamanho descalabro”.

Após o anuncio da ação, um dos quatro promotores responsáveis pelo processo lamentava com a imprensa: "O país está podre. Estamos em um mar de lama".

A Polícia Federal fecha o cerco

Paralelamente à ação do Ministério Público de São Paulo, a Polícia Federal concluiu o inquérito sobre o mesmo cartel que se beneficiou de licitações no metrô e na companhia de trens de São Paulo entre 1998 e 2008 durante os diferentes governos do PSDB – o partido está no poder há 20 anos no Estado. A operação terminou com o indiciamento de 33 pessoas, entre eles o presidente da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), Mário Manuel Bandeira.

A operação terminou com o indiciamento de 33 pessoas, entre eles o presidente da CPTM, Mário Manuel Bandeira.

Sob suspeita, e com as contas bloqueadas, estão também João Roberto Zaniboni, funcionário da CPTM entre 1999 e 2003, e o analista Arthur Teixeira, indiciado como lobista e mediador no pagamento das propinas. Além deles, mais de duas dezenas de pessoas, entre doleiros, executivos de multinacionais, servidores públicos e intermediários, suspeitos pelos crimes de corrupção ativa e passiva, formação de cartel, crime licitatório, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.

Outro inquérito está em análise no Supremo Tribunal Federal que investiga possíveis irregularidades na contratação de obras nos sistema ferroviário do Estado. Nele, há dois deputados sob suspeita: Rodrigo Garcia (DEM) e José Aníbal (PSDB).

As diversas investigações começaram ou foram reforçadas após a companhia alemã Siemens realizar em 2013 um acordo de delação junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), o órgão vinculado ao Ministério da Justiça responsável por fiscalizar delitos empresariais. Por esse acordo, os representantes da companhia reconheceram a existência de um cartel empresarial, do qual participavam, e pelo qual as companhias pactuaram durante mais de uma década os valores das propostas comerciais, além de dividir entre eles as licitações e simularem a competição nas disputas. Quem ganhava, se comprometia a contratar as perdedoras. O esquema se repetiu durante os governos de Mário Covas, Jose Serra e o atual governador Geraldo Alckmin, todos do PSDB.

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