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Gustavo Fonseca | Diretor do Fundo Global para o Meio Ambiente

“O Brasil deve reassumir o papel de protagonista na negociação ambiental”

Para o biólogo mineiro, é preciso ver a Amazônia como uma visão regional integrada

Marina Rossi

Entre um compromisso e outro ao longo da Conferência Climática das Nações Unidas (COP 20), em Lima, que vai até a próxima semana, Gustavo Fonseca conseguiu uma brecha para falar com EL PAÍS, por telefone.

O biólogo mineiro é diretor de programas e especialista em mudanças climáticas do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF), que é um mecanismo financeiro internacional independente que aborda problemas ambientais, espécies em extinção, desmatamento e mudanças climáticas. Além disso, Fonseca foi professor de da Universidade Federal de Minas Gerais e é Ph.D. pela Universidade da Flórida.

Pergunta. A pressão nacional e internacional sobre o Brasil deve crescer?

Resposta. A situação é bem interessante para o Brasil nesse momento. Há uma encruzilhada: Antes, a grande questão para o Brasil era como lidar com o desmatamento e, de fato, houve progressos nos últimos seis, sete anos. Mas agora estamos começando a passar por aquele momento em que as coisas estão se fragilizando, porque no final das contas, até pode-se reduzir as taxas de desmatamento, mas e agora? Qual é o próximo passo?

P. E qual é?

R. Comando e controle têm limites. Agora há necessidade de explorar mecanismos de mercado e geração de renda para a população amazônica. A pergunta é: Como os estados da Amazônia vão tratar de desenvolvimento com a floresta em pé? As questões fronteiriças estão dando lugar a uma integração econômica muito mais agressiva. Há uma necessidade de ver a Amazônia como uma visão regional mais integrada. Com a diminuição dos problemas de conflito armado na Colômbia, por exemplo, há um espaço maior para tratar dessas questões de uma maneira mais integrada. E o Brasil deve reassumir o papel de protagonista nessas negociações.

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P. Por que esse protagonismo foi perdido?

R. Existe uma visão mais na defensiva em relação à postura internacional. Agora, o Brasil está começando a entender que ele tem que se destacar, que não pode mais ser um país do jeito que está, tem que ter uma visão própria, assumir a postura de ser a sétima economia do mundo. Acho que com as conquistas que estão sendo feitas e o comprometimento da sociedade, são um passo importante. O Brasil, de todos os países com que eu trabalho, é o único país que eu sei que tem uma imprensa de meio ambiente muito ativa. E a questão da energia também é importante. Não sabemos como será equacionado porque estamos passando por um período de aumento de demanda e não sabemos como será feita essa transição. Se vamos investir em energias renováveis ou se continuaremos com formas poluidoras de energia.

P. E como casar desenvolvimento com proteção ambiental?

R. A polarização, que deixa o desenvolvimento de um lado, e a proteção ambiental de outro, está diminuindo. O planeta tem limites e estamos começando a experimentar esses limites. O que acontece em São Paulo, com a crise da [falta de] de água, é um reflexo claro desse problema. É preciso aliar geração de renda e uso sustentável dos recursos. E eu acho que o Brasil tem toda a capacidade de assumir essa política.

P. Na Cúpula do Clima, em setembro, o Brasil ficou de fora do pacto que compromete os países a reduzir pela metade a derrubada de florestas até 2020. Como o Brasil está em relação aos pactos internacionais?

R. Em relação à ausência do Brasil nesse pacto, na época houve uma repercussão pontual. Teve um reflexo muito pequeno, porque é mais uma declaração política do que uma acordo que tenha metas que são monitoradas. Não é um acordo internacional. A meta parecia razoável mais haviam textos lá [no documento] que não estavam de acordo. De uma maneira geral estamos no caminho certo. O entendimento da questão e da natureza dos conflitos é muito disseminado. As medidas que têm tido resultado real de desmatamento a gente conhece bem também. Existe uma postura do governo que uma Amazônia, uma mata Atlântica sem recuperação não tem um futuro muito brilhante, nesse nível a coisa está articulada. Eu tinha uma perspectiva quando eu trabalhava no Brasil e agora trabalhando com outros países, vejo que a nossa capacidade é muito maior de lidar com as coisas. Existem muitos interesses, claro, e isso impede um pouco o andamento, mas eu sou muito otimista.

O grande avanço poderia ser a transversalizção da questão ambiental nos diferentes setores do Governo. Não dá para o meio ambiente ser [discutido] só no Ministério [do Meio Ambiente] e o [Ministério] da Agricultura ser independente da questão ambiental. Temos que ter uma capacidade de criar um setor que possa ser internalizado ao longo dos diferentes ministérios com uma visão em comum.

P. Mas o que significa isso na prática? Um superministério?P. Criar um Ministério é uma coisa muito simples. Mas não é por aí. É preciso ter uma visão de que o país precisa dessa direção que olhe a questão de recursos naturais como um capital natural e não como uma coisa que impeça o desenvolvimento econômico e a expansão do agronegócio.

P. A COP 20 já elaborou um documento sinalizando que as terras indígenas garantem o equilíbrio global. Isso ao mesmo tempo em que a PC 215 volta à pauta no Congresso...R. Isso faz parte do diálogo democrático. Acho que houve um avanço muito grande e o maior legado foi a demarcação de terras indígenas no Brasil. Você não encontra [essas políticas de demarcação de terra] em outros países da Amazônia como encontra no Brasil. A expansão do agronegócio também tem um importante papel na economia brasileira, mas os diálogos devem ter em vista que o nosso planeta e o nosso país estão ficando pequenos. Temos que ver a expansão econômica de uma maneira muito diferente. Essas soluções de ultra curto prazo, de revogação de decretos, não vão levar a um futuro muito promissor. Ao mesmo tempo em que existem casos em que podem haver compensações, mecanismos que compensem. Essa é a discussão.

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