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Obama propõe medidas para diminuir a desconfiança entre negros e polícia

Casa Branca limitará o armamento militar para agentes locais

Obama propõe medidas para reduzir a desconfiança entre negros e policialFoto: reuters_live | Vídeo: Reuters-Live
Marc Bassets

Depois dos distúrbios, surgem os relatórios e as comissões. Acontece sempre depois de cada episódio de tensão racial. O país se alarma. Os políticos se veem forçados a agir e começam um debate com outros políticos e com a sociedade civil, para resolver um problema recorrente na história dos Estados Unidos desde a sua fundação: a discriminação dos negros.

O presidente Barack Obama apresentou na segunda-feira uma série de medidas para diminuir a tensão entre os afro-americanos e as forças de polícia. É a primeira resposta concreta do presidente à absolvição, na semana passada, de um policial branco que em meados deste ano matou um jovem negro desarmado em Ferguson, uma cidade de 21.000 habitantes no subúrbio de St. Louis (Missouri).

A proposta mais concreta de Obama, que se reuniu na Casa Branca com prefeitos, chefes de polícia e ativistas de todo o país, é a criação de um fundo de 263 milhões de dólares para melhorar o treinamento das polícias locais e ajudar os estados e municípios a comprar até 5.000 câmeras para serem anexadas aos uniformes.

1965. Relatório Moynihan

Os Estados Unidos se aproximam de uma nova crise nas relações raciais. "O problema fundamental (...) é a estrutura familiar. As provas, que não são finais mas poderosamente persuasivas, são que nos guetos urbanos a família negra está desmoronando"

A obrigação de que os policiais usem câmeras é uma reivindicação da família de Michael Brown, que tinha 18 anos quando foi morto a tiros em 9 de agosto pelo agente Darren Wilson, de 28. A confusão sobre o tiroteio talvez tivesse sido esclarecida se Wilson estivesse com uma câmera.

Mas a margem de atuação do Governo federal em assuntos policiais, que são coordenados pelas administrações locais e dos Estados, é reduzida. Outras medidas são mais vagas.

Um grupo de trabalho ficará encarregado de propor limites aos programas federais que permitem às polícias locais receber fundos para comprar equipamento militar. Depois dos atentados de 2001, a guerra contra o terrorismo—na qual as fronteiras entre o exterior e o interior foram apagadas—justificava esses programas.

As imagens de manifestantes pacíficos em Ferguson diante de agentes armados como se estivessem enfrentando um levante armado no Iraque ou no Afeganistão projetaram uma imagem inquietante entre os norte-americanos.

Outro grupo vai discutir como “promover a redução do crime ao mesmo tempo em que estimula a confiança pública.” Em Ferguson, cerca de 67% da população é negra, mas 94,3% da força policial é branca. A experiência da discriminação policial forma parte da biografia da maioria dos afro-americanos.

1997. Iniciativa Clinton

Embora a América esteja se tornando rapidamente a primeira democracia verdadeiramente multirracial, as relações raciais ainda são um tema que com frequência divide nossa nação e impede que o sonho americano seja real para todos os que trabalham para ele"

“Quando uma parte da família americana não sente que é tratada com justiça, é um problema para todos”, disse Obama depois da reunião da qual participaram, entre outros, o prefeito de Nova York, Bill de Blasio, e acadêmicos como Orlando Patterson. “Significa que, como país, não somos tão fortes como podemos ser. E quando isso se aplica ao sistema de justiça criminal, significa que não somos tão eficazes na hora de combater o crime como poderíamos ser.”

O presidente prometeu que seu compromisso pessoal com o processo aberto depois da crise de Ferguson é a melhor garantia de que não se trata de outra rodada de relatórios, comissões e grupos de trabalho sem resultados tangíveis, como no passado.

Porque a história de relatórios e comissões sobre o racismo é longa. Começou em 1965, pouco depois da aprovação de leis que acabaram com a segregação, quando o futuro senador Daniel P. Moynihan publicou o relatório que levava seu nome. Moynihan disse na época: “os Estados Unidos se aproximam de uma nova crise nas relações raciais. “O problema fundamental (...) é a estrutura familiar. As provas, que não são finais mas poderosamente persuasivas, são que nos guetos urbanos a família negra está desmoronando”, acrescentou.

Moynihan focava na desestruturação familiar como freio ao elevador social. Dois anos depois, os conflitos raciais em Detroit e em Newark levaram o presidente Lyndon Johnson a convocar a chamada comissão Kerner. “Esta é nossa conclusão básica: nossa nação caminha em direção a duas sociedades, uma branca e uma negra”, segundo o relatório. “O que os americanos brancos nunca entenderam completamente, mas que o negro não pode esquecer, é que a sociedade branca está profundamente implicada no gueto. As instituições brancas o criaram, as instituições brancas o mantêm, e a sociedade branca consente.”

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Em 1991, vários agentes policiais espancaram um cidadão negro, Rodney King. Uma câmara filmou o ocorrido. Um relatório denunciou as atitudes racistas da polícia da cidade de Los Angeles, na Califórnia, e destacou que seus policiais “se animavam em abordar e enfrentar [os cidadãos] em vez de se comunicar”. “É um problema nacional”, disse o presidente da comissão que redigiu o relatório, o futuro secretário de Estado Warren Christopher.

E, em 1998, o presidente Bill Clinton lançou a iniciativa “Uma América”, que partia de uma constatação: “Embora a América esteja se tornando rapidamente a primeira democracia verdadeiramente multirracial, as relações raciais ainda são um tema que com frequência divide nossa nação e impede que o sonho americano seja real para todos os que trabalham para ele”.

Dezesseis anos depois, e com um presidente afro-americano na Casa Branca, o diagnóstico continua valendo.

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