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Obama recupera o fôlego após derrota

Presidente responde ao fracasso eleitoral com medidas de peso nas áreas de imigração e meio ambiente, que desafiam os republicanos e tentam marcar seu legado

Marc Bassets
Barack Obama, durante discurso feito na sexta-feira em Yangon, em Mianmar.
Barack Obama, durante discurso feito na sexta-feira em Yangon, em Mianmar.p.m.monsivais (ap)

Barack Obama não se rende. Após a derrota de seu Partido Democrata nas eleições da semana passada, partidários e rivais do presidente esperavam um gesto de arrependimento. Um mea culpa, um “errei”, um “prometo mudar”. Nada disso. O presidente dos Estados Unidos começou a nova etapa – os dois últimos anos de sua presidência – com uma bateria de medidas que indicam que ele está resistindo a se transformar em um 'lame duck'.

No jargão de Washington, o pato manco é o presidente que se aproxima do final de seu mandato e que, sem aliados nem força para intimidar os rivais, vê reduzida sua capacidade para governar. Nas eleições legislativas, o Partido Republicano, que controla a Câmara dos Representantes desde 2011, conquistou a maioria no Senado, até agora sob o domínio do Partido Democrata. Comentaristas e legisladores sentenciaram o presidente: ele virou um pato manco. Mas, como ironizou na sexta-feira o The New York Times, “ninguém parece ter dado a notícia” a Obama.

A semana começou com a divulgação de uma mensagem gravada na qual Obama pressiona a autoridade que regulamenta as comunicações no país para que preserve a chamada neutralidade da internet. Ou seja, para que ela impeça que as grandes empresas criem uma rede com várias velocidades, cobrando mais dinheiro em troca de comunicações mais rápidas. Nesse debate, joga-se as regras de uma internet aberta e democrática. Legisladores republicanos criticaram a vontade reguladora da Administração democrata.

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A segunda ação de Obama esta semana foi a série de acordos com a China: militares, comerciais e ambientais. Os acordos indicam que a atenção à Ásia – um dos pilares da política externa do presidente – segue vigente, apesar da distração representada, no último ano, pela guerra contra o Estado Islâmico no Oriente Médio e as tensões com a Rússia por causa da Ucrânia. Os pactos também dão o tom do fim do mandato do presidente, mais centrado na política externa, em que ele dispõe de uma margem maior de manobra, que na política interna, onde o Congresso possui a chave de bloqueio. E representam um desafio ao Partido Republicano: o acordo sobre mudanças climáticas assinado por Obama e seu homólogo chinês, Xi Jinping, não requer aprovação do Congresso, a princípio, e compromete os Estados Unidos na luta contra o aquecimento global, uma realidade cuja validade científica já foi questionada por alguns legisladores republicanos.

A direita tenta ligar o debate sobre imigração ao orçamento

Obama ainda não voltou de sua viagem pela Ásia e pela Oceania, mas o vazamento de informações sobre um iminente plano para conter a deportação de um número indeterminado de imigrantes ilegais abriu outra frente de embate com o Partido Republicano. Há anos o Congresso vem barrando as propostas para uma nova lei de imigração. A alternativa é impor a reforma por decreto, sem passar pelo poder legislativo. Dentro dos próximos dias ou semanas, o presidente apresentará as medidas.

O tema da imigração toca em uma ferida sensível em um país de imigrantes. É uma questão de identidade (o que significa ser norte-americano?) e de poder: Como construir maiorias políticas sem o apoio das minorias mais pujantes, como os hispânicos?

Mas também é uma arma na versão mais tática da política. Os republicanos veem essa iniciativa como uma provocação. E ela é. Porque obrigará a direita a apresentar uma proposta alternativa de reforma da imigração ou, se a reação contrária ao plano de Obama for virulenta, a arriscar-se a afundar na imagem de partido distante dos interesses dos hispânicos, o que pode lhe custar caro nas futuras eleições.

As divergências na direita sobre como reagir à regularização dos não documentados começam a aflorar. Escuta-se vozes a favor de ligar o debate sobre a imigração ao debate orçamentário, um movimento que pode acabar em um isolamento da Administração federal como o que ocorreu em 2013. Alguns analistas falam em impeachment, em um processo de destituição por abuso de poder.

Volta o temor de um isolamento do Governo, como no ano passado

Os líderes da direita – John Boehner, Presidente da Câmara dos Representantes, e Mitch McConnell, líder in pectore da maioria no Senado – preferem usar os poderes do Congresso para desgastar pouco a pouco as políticas do presidente, mas sem gestos que espantem os eleitores moderados. Obama, o pato manco, retomou a iniciativa. Acredita ter tempo para moldar seu legado antes de abandonar o poder, em janeiro de 2017.

Segundo sua leitura dos resultados eleitorais, a derrota do Partido Democrata não foi um repúdio direto às políticas do presidente. Existem dúvidas de que a vitória tenha entregue aos republicanos um mandado eleitoral definido. O comparecimento às urnas foi de 37%, o mais baixo em uma eleição de meio de mandato desde 1942. A nova maioria no Senado é exígua: 53 dentre 100 senadores. E, ao contrário do que fez em 1994, o Partido Republicano não se apresentou com um programa de governo definido. É difícil interpretar uma mensagem clara dos eleitores.

Por isso Obama se nega a agir como Bill Clinton após perder as legislativas de 1994 ou como George W. Bush em 2006: não há indícios, 10 dias depois da votação, de que vá mudar seu rumo. A polarização dos últimos anos em Washington continua viva. Business as usual. Tudo continua igual.

Semana de grandes anúncios

Desde a realização das eleições legislativas, no último dia 4, o Governo de Barack Obama fez anúncios de peso, tanto na política interna norte-americana como na política externa.

Na segunda-feira passada, Obama propôs impor medidas "mais rígidas possíveis" para proteger a neutralidade da internet. Pediu que se classifique a conexão à web como um serviço de comunicação e não de informação, sobre o qual o Governo carece de competência para impedir práticas discriminatórias por parte dos grandes provedores.

Na quarta-feira, na Cúpula do Fórum Ásia-Pacífico, Obama assinou, com o presidente chinês, Xi Jinping, um acordo “histórico” contra as mudanças climáticas entre os dois países mais poluentes.

Na quinta-feira, os Estados Unidos fecharam com a Índia um acordo sobre subsídios alimentares e barreiras alfandegárias burocráticas que pode dar um impulso definitivo à rodada de liberalização do comércio mundial negociada, sem sucesso, desde 2001 na Organização Mundial do Comércio (OMC).

Ainda na quinta-feira, a Casa Branca confirmou que o presidente está disposto a assinar os decretos para regularizar 5 milhões dentre os 11 milhões de imigrantes ilegais nos Estados Unidos.

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