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Um cemitério cheio de vida

A necrópole do Congresso, em Washington, celebra a existência e a morte o ano inteiro

Silvia Ayuso
Um homem passeia com seus cachorros no Cemitério do Congresso.
Um homem passeia com seus cachorros no Cemitério do Congresso.T. W./CQ Roll Call

“A aula de ioga mortis? Sim, claro, siga em frente até a capela”. O guia do Cemitério do Congresso de Washington é todo sorriso diante dos que apertam o passo para chegar pontualmente à aula de ioga, que, por ser nessa manhã de outono excepcionalmente ensolarada, vai acontecer ao ar livre, em uma alameda entre as tumbas, e não dentro da pequena capela que habitualmente acolhe oms e asanas uma vez por semana. Salvo que aconteça um funeral, precisa a instrutora, Ingrid Benecke, com a mesma naturalidade que o jovial guia apesar dessa atividade ser inusual em um lugar assim.

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Afinal de contas, o Cemitério do Congresso não é um cemitério qualquer. Não por sua história, mas por sua missão autoimposta: tornar-se não apenas o último lugar de descanso de habitantes —ilustres e não tão ilustres— da capital, mas também um autêntico espaço de recreação e prazer para os vizinhos (vivos) do cemitério situado nas proximidades do Capitólio, que aloja o Congresso do país. Alguns antigos membros do Congresso residem aqui de maneira permanente.

O slogan promocional da necrópole –“55.000 residentes e nem uma única queixa”– já destila o humor com o qual a Associação para a Preservação do Cemitério do Congresso, organização privada encarregada de sua manutenção, busca ideias para arrecadar os fundos que nos últimos anos permitiram a conservação do campo-santo e sua radical transformação. Ainda nos anos noventa, lembra um habitante, Rob Suls, aqui era território das drogas e da prostituição “a qualquer hora do dia”.

É difícil acreditar nisso hoje. Enquanto a dúzia de frequentadores da aula de ioga estende suas esteiras, os donos de cachorros atrasados buscam seus animais antes que acabe o tempo permitido de passeio entre os 14 hectares de verdes pastos e lápides —ante o pagamento de uma taxa que ajuda na manutenção do recinto— onde também vagam famílias com crianças.

Alguns ainda cruzam com os turistas reunidos na entrada para participar do tour que os levará a visitar algumas das tumbas mais populares, que constituem uma espécie de história compacta da vida política e social de Estados Unidos desde 1807, quando abriu suas portas.

Entre as mais visitadas está a do primeiro diretor do FBI, J. Edgar Hoover. Seus restos repousam a escassa distância da tumba familiar de David Herold, um dos conspiradores no assassinato do presidente Abraham Lincoln. E de Leonard Matlovich, um veterano da Guerra do Vietnã que em 1975 se tornou o primeiro militar a revelar publicamente que era gay. Guerreiros indígenas como Push-Ma-Ta-Ha e Taza, o filho do chefe apache Cochise, também encontraram um lugar aqui, onde também descansa a primeira mulher nomeada à presidência dos EUA, Belva Lockwood, e outra inovadora, Anne Royall, a primeira jornalista profissional do país.

Enquanto continuam as visitas guiadas e a aula de ioga mortis —também acontecem atividades esportivas como a anual Corrida do homem morto—, os voluntários finalizam os preparativos para a festa anual de Halloween Fantasmas e cálices, que encherá o campo-santo de mascarados ávidos para comemorar e escutar as histórias mais escabrosas dos residentes permanentes. Da mesma forma, a próxima leitura de relatos de terror de Edgar Allan Poe é uma maneira mais de arrecadar fundos. Mas também de implicar a vizinhança, para a qual o cemitério se tornou em uma parte “muito viva” da comunidade, sorri Ingrid, a instrutora de ioga, que afirma que até agora não receberam queixas pelo uso alternativo do cemitério. “Com respeito, também tratamos de promover o senso de humor. Afinal de contas, há muito espaço morto quando ninguém o utiliza”, ironiza.

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