_
_
_
_
_

Onde está o muro?

A formidável estrutura que dividia Berlim foi demolida Alguns fragmentos foram leiloados ou cedidos a instituições

Fragmento do muro exposto no Museu Presidencial Ronald Reagan (Simi Valley, Califórnia) desde 1990.
Fragmento do muro exposto no Museu Presidencial Ronald Reagan (Simi Valley, Califórnia) desde 1990.L. NICHOLSON (REUTERS)

Alec Leamas, o espião que surgiu do frio e personagem trágico do famoso romance escrito por John Le Carré, se deixou imolar em um trecho do famoso Muro de Berlim que tinha sido construído em Bernauerstrasse. Quando Karla, o eterno inimigo de George Smiley, desertou de seu mundo de espiões, escolheu, segundo a descrição feita pelo escritor na obra A Vingança de Smiley, a passagem de fronteira localizada na famosa ponte Oberbaumbrücke para entregar-se ao genial chefe do Circus.

Eram outros tempos e o Muro de Berlim era uma perfeita fonte de inspiração para autores como Le Carré, um mestre do gênero da espionagem. Mas, a partir da histórica noite de 9 de novembro de 1989, o escritor britânico se viu obrigado a aposentar Smiley, quando o Muro caiu em consequência de duas palavras mágicas pronunciadas por Günter Schabowski, o então porta-voz do Comitê Central do partido comunista da RDA, quando respondeu à pergunta formulada por Peter Brinckmann, um jornalista alemão do Bild que estava sentado na primeira fila do centro internacional de imprensa de Berlim Oriental: "Ab sofort" (De imediato!).

Passados 25 anos da histórica noite que pôs fim à divisão da Alemanha e que provocou a implosão da União Soviética, os turistas que chegam à grande cidade para contemplar a odiosa barreira de aço e concreto experimentam uma surpresa que os desconcerta e que os obriga a formular uma pergunta, que uma funcionária do Museu do Muro, na rua Friedrichstrasse, localizado a poucos metros do famoso Checkpoint Charlie, escuta todos os dias. "Onde está o Muro?", querem saber as pessoas.

Fragmento da famosa East Side Gallery.
Fragmento da famosa East Side Gallery.Bernd von Jutrczenka (AP)

Até a noite mágica de 9 de novembro, a formidável fortificação de aço e concreto rodeava o setor ocidental de Berlim ao longo de 156 quilômetros, e o chamado muro de proteção antifascista, se havia transformado em uma vitrine perfeita para presenciar o fracasso de uma ideologia importada de Moscou. Depois da unificação das Alemanhas, chegaram as gruas, os caminhões e as escavadeiras para derrubar a barreira, mais de 200.000 toneladas de concreto e aço. A ignomínia teria de desaparecer.

Mais de 40.000 blocos de 1,20 metros de largura e 3,6 metros foram triturados e convertidos em material para reparar a estrada que une Berlim ao mar Báltico. Uma parte do Muro foi leiloada com sucesso pela Limex, uma antiga empresa da RDA, e uma centena de segmentos foi doada a museus e instituições de todas as partes do planeta, como o Museu Imperial da Guerra, de Londres, a biblioteca de Ronald Reagan, na Califórnia, e o Newsmuseum, de Washington.

Dois segmentos do Muro também adornam um banheiro para homens em um cassino de Las Vegas, um bloco original do Muro pode ser contemplado no Parque Europa, de Madri, e quando o papa Francisco ou seu antecessor Bento XVI passeiam pelos jardins do Vaticano podem contemplar um pedaço da famosa barreira que dividiu Berlim e a Europa, graças a um presente que o Vaticano recebeu em 1994.

Mais informações
Berlim, 1989: depois da queda do Muro
O mundo mudou naquele 9 de novembro
Cidade dividida / cidade unificada
A Berlim contracultural agora é burguesa

Os restos do Muro também enriqueceram Volker Pawlowski, um funcionário de uma empresa do setor da construção em Berlim, que teve a genial ideia de comprar 150 metros do Muro para transformá-lo em pedaços de diferentes tamanhos que continuam sendo vendidos como pão quente nas lojas de lembrancinhas da capital.

"Todos os fragmentos são acompanhados de um certificado de autenticidade”, disse Pawlowski durante uma entrevista recente. “Tenho material para muitos anos e espero que a demanda continue alta.” Pawlowski também distribui pedaços de muro aos hotéis de luxo e tem à venda blocos completos que custam 5.000 euros.

Às vésperas do 25 º aniversário da queda do Muro não é raro encontrar turistas que visitam o Portão de Brandemburgo e perguntam com ansiedade onde podem ver e tocar a famosa barreira. Uma resposta inevitável é a famosa East Side Gallery, localizada na Mühlenstrasse, o trecho mais longo do Muro (1,3 quilômetro), que conseguiu sobreviver aos apaixonantes dias que se seguiram à noite de 9 de novembro, transformado agora na maior galeria de arte ao ar livre do mundo.

A galeria consiste em 103 murais pintados por artistas de todo o mundo que quiseram prestar uma homenagem à liberdade e documentar a euforia e a esperança em um mundo melhor produzidas com o fim da guerra fria. O mural mais emblemático mostra Leonid Brejnev –que fora chefe de Estado da União Soviética– e Erich Honecker, presidente da RDA, unidos em um apaixonado beijo fraterno.

Mas todas as pessoas que desejam apreciar em toda sua dimensão o que representou para a população da cidade a barreira de aço e concreto –um instrumento único de repressão– têm um ponto obrigatório na Bernauerstrasse, o trecho do muro onde Alec Lamas, o agente enviado por Simley a Berlim Oriental, perdeu a vida, e onde o soldado do Exército do Povo, da RDA, Hans Conrad Schumann, se transformou no primeiro desertor.

Em 15 de agosto de 1961, com 19 anos, ele estava como sentinela no Muro de Berlim, que estava em seu terceiro dia de construção, no cruzamento da Ruppinerstraße com a Bernauerstraße. O Muro não era mais do que uma pequena vala cercada. Aproveitando a oportunidade, Schumann saltou o alambrado e sua fuga foi capturada pelo fotógrafo Peter Leibing. A foto se tornou uma das mais famosas da Guerra Fria.

Na Bernauerstrasse as autoridades de Berlim construíram um monumento destinado a recordar a divisão que o país viveu entre 1961 e 1989, e também as vítimas da tirania comunista. Os arquitetos deixaram uma parte do muro de 60 metros e ergueram numerosos painéis onde se pode ler a trágica história que marcou a cidade quando um exército de operários começou a construir o famoso Muro em 13 de agosto de 1961.

A ponte Oberbaumbrücke, escolhida por Karla para abandonar para sempre o paraíso socialista e confessar seus segredos ao inesquecível Georges Smiley, foi aberta ao tráfego em 1994 e nos últimos anos se transformou no epicentro de uma festa interminável protagonizada pelos turistas que chegam à cidade para desfrutar o encanto de sua vida noturna.

O único trecho do Muro que existe no centro histórico de Berlim está junto à sede do atual Ministério das Finanças (Niederkirchnerstrasse) e, ironia da história, está agora protegido pelas leis e a polícia que vigiam a área para impedir que um turista armado de uma picareta tente levar uma recordação imortal. Mas as autoridades não sabem como evitar que os visitantes que caminham pela Postdamer Plazt cubram de chicletes os segmentos do Muro que existem no lugar. “É um costume indigno e uma grande falta de respeito”, afirmou Peter Staffel, um deputado democrata-cristão do Parlamento regional que deseja limpar os blocos.

A resposta das autoridades: “Não podem ser limpados porque os desenhos seriam destruídos”.

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_