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Humanidade chegou ao alto dos Andes há mais de 12.000 anos

Grandes altitudes já eram habitadas pelos primeiros humanos que chegaram à América

Javier Sampedro
Rademaker e Zarrillo no refúgio de pedra da Cuncaicha.
Rademaker e Zarrillo no refúgio de pedra da Cuncaicha.W. Beckwith

Uma das questões mais interessantes sobre a evolução humana é como ocorreram as adaptações recentes que hoje distinguem umas populações de outras. A cor da pele – uma adaptação à radiação solar de cada latitude – é certamente a mais popular, mas a capacidade de viver em grandes altitudes é possivelmente a mais surpreendente, porque para a imensa maioria dos humanos é inviável viver sob tão baixas concentrações de oxigênio. Os arqueólogos descobriram agora que as enormes altitudes dos Andes peruanos, a 4.500 metros sobre o nível do mar, passaram a ser habitadas assim que os humanos chegaram há região, 12.000 anos atrás, o que pressupõe novas perguntas sobre a adaptação a esse ambiente inóspito.

Há 14.000 anos, no final da última era glacial, um grupo de asiáticos cruzou a faixa de terra gelada que então unia a Sibéria ao Alasca, no atual estreito de Bering, e colonizou a América de norte a sul. As ocupações descobertas agora em Pucuncho e Cuncaicha, nas vertiginosas altitudes dos Andes, devem ter ocorrido, portanto, pouquíssimo tempo depois da chegada dos primeiros humanos. A descoberta feita por arqueólogos das universidades do Maine e de Calgary foi publicada na revista Science.

A descoberta é importante para conhecermos nossa capacidade genética e cultural de sobrevivência

Uma altitude de 4.500 metros implica não só baixas concentrações de oxigênio, mas também muito frio e doses muito nocivas de radiação ultravioleta. “Entender que essa adaptação a condições ambientais extremas é importante para conhecer nossa capacidade genética e cultural de sobrevivência”, diz o chefe da equipe, Kurt Rademaker, da Universidade do Maine.

Há apenas poucos meses, em julho, Rasmus Nielsen e seus colegas da Universidade de Califórnia, em Berkeley, apresentaram na Nature uma descoberta assombrosa sobre outra população muito diferente, os tibetanos atuais, que também vivem a mais de 4.000 metros de altitude. Segundo aquele trabalho, os tibetanos conseguem viver com pouco oxigênio graças a um gene herdado dos denisovanos, misteriosos humanos primitivos que povoaram a Ásia há 50.000 anos. Para os humanos modernos recém-saídos da África, cruzar com os denisovanos para lhes roubar um gene foi uma forma certamente rápida de se adaptar às alturas. É possível que a população original que colonizou a América pelo estreito do Bering já tivesse esses genes denisovanos?

“Acredito que precisamos estar abertos a todas as possibilidades até que tenhamos dados genéticos sobre os primeiros habitantes dos Andes”, responde Rademaker por email. “Entretanto, as pesquisas sobre os tibetanos e os andinos modernos demonstram que os mecanismos fisiológicos são totalmente diferentes em cada grupo; isso me indica que, sejam quais forem os genes implicados, a capacidade para viver a grandes altitudes evoluiu de forma independente nos Andes, sem que tenha sido simplesmente herdada da Ásia.”

Vicunhs na bacia de Pucunchu.
Vicunhs na bacia de Pucunchu.KURT RADEMAKER

A descoberta de Rademaker e sua equipe abrange dois locais a altitudes ligeiramente diferentes: Pucuncho, a 4.355 metros, e Cuncaicha, a 4.480. O primeiro inclui 260 ferramentas como pontas de flecha, tochas e raspadores que chegam a datar de 12.800 atrás, e deve ter sido um assentamento estável. O segundo, a maior altitude, era provavelmente um acampamento temporário para a caça na temporada em que as vicunhas e os guanacos abundavam na região; trata-se de um refúgio de pedra com dois nichos habitáveis que mostram restos de fuligem no teto e algumas pinturas rupestres que chegam a datar de 12.400 anos atrás.

Em Cuncaicha há pinturas rupestres e dois nichos habitáveis que mostram restos de fuligem no teto

Os primitivos andinos começaram caçando, mas depois aprenderam a domesticar as lhamas e alpacas. Os pesquisadores acreditam que os habitantes das alturas desciam regularmente a altitudes mais baixas para coletar plantas comestíveis e se protegerem de tempestades na estação de chuvas – e também para manter relações sociais mais amplas com os habitantes de altitudes mais modestas. Um indício dessas descidas são as ferramentas que não são feitas com as rochas locais, e sim com pedras polidas pela água, possivelmente procedentes dos rios com correntezas fortes que existem bem mais abaixo.

Seja como for, a pesquisa sobre os antigos habitantes das altitudes andinas mal começou. A América é uma terra promissora também para os arqueólogos.

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