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Cresce a chance de aprovação da redução da maioridade penal

Com configuração mais conservadora, Senado e Câmara podem rever a emenda constitucional que prevê pena de prisão para jovens

A redução da maioridade penal de 18 para 16 anos foi uma das bandeiras mais levantadas durante as propagandas do horário eleitoral. A pauta de campanha de vários candidatos ao cargo de deputado federal e senador é inegavelmente popular. Tanto que muitos deles foram eleitos e hoje se fala em bancadas da bala, grupos de parlamentares delegados, comandantes de corpos militares regionais, como a Rota ou o Bope, e representantes da Polícia Militar que apoiam, entre outras propostas, a redução. Também 13 dos 27 senadores eleitos se declararam favoráveis à medida durante suas campanhas.

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Já os candidatos à presidência que passaram ao segundo turno têm posições divergentes. Aécio Neves (PSDB) é favorável à redução em casos específicos, como em crimes hediondos. Seu posicionamento está baseado em uma proposta feita pelo seu vice, o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), em fevereiro, e que foi rejeitada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado federal. A candidata do PT à reeleição, Dilma Rousseff, ficou do lado de sua bancada, que derrubou o projeto de emenda constitucional de Nunes, e se manifestou contra a medida apostando mais em projetos educacionais, lazer e cultura, segundo as diretrizes apresentadas ao Tribunal Superior Eleitoral. O partido de Marina Silva, Rede Sustentabilidade, divulgou hoje uma carta com propostas para ambos os candidatos, com o intuito de que acatem os pontos ali apresentados. Entre eles, um claro recado para Aécio: "Numa visão progressista de segurança, não há espaço para propostas como a redução da maioridade penal ou precarização das condições de apenamento de menores", diz o texto. Dependendo da resposta do tucano, Marina pode apoiá-lo no segundo turno.

Mas, afinal, reduzir a idade para incorporar o adolescente ao sistema penal é uma medida efetiva contra a violência? Segundo especialistas, não. Primeiro, porque proporcionalmente eles representam apenas 8% do número total da população carcerária adulta (715.655, incluindo as prisões domiciliares). Por ano, 60.000 adolescentes infratores passam por alguma unidade de correção no Brasil, onde deveriam superar um processo socioeducativo, segundo a Secretaria de Direitos Humanos.

A medida, porém, nem sempre é eficiente, já que está contaminada com a ideologia do sistema penitenciário para os maiores de 18 anos, ou seja, reclusão sem atividades psicoeducativas para a reintegração social. Outra questão que contribui para a ineficiência do sistema é o despreparo dos trabalhadores destes centros para lidar com o jovem, já que não há formação ou especialidades nos pré-requisitos de concursos públicos que selecionam os funcionários. O resultado, além de denúncias de maus tratos e de superlotação nas unidades, é uma reincidência de cerca de 43% dos menores presos, de acordo com um levantamento do Conselho Nacional de Justiça de 2012. Se prender não é uma medida eficaz para que o jovem não volte a cometer infrações, “resta pensar em soluções para que ele não entre no mundo do crime”, defende o coordenador do Programa Cidadania dos Adolescentes do UNICEF no Brasil, Mário Volpi.

Aumentar a penalização não implica necessariamente em inibir a criminalidade

No entanto, as propostas dos candidatos pró-redução não falam em reestruturar as entidades que se dedicam a reintegrar o jovem criminoso, mas em ingressá-lo em uma unidade prisional entre 16 e 18 anos para coibir atividades criminosas. E os políticos que apoiam esta postura estão presentes também nos estados. São Paulo, por exemplo, elegeu quatro representantes para sua Assembleia Legislativa que são pró-redução: Coronel Telhada (PSDB), Coronel Camilo (PSD), Coronel Edson Ferrarini (PTB) e Delegado Olim (PP). Este último defende a redução para 14 anos de idade. Outros estados, como Goiás, Ceará e Alagoas, também reforçaram sua bancada estadual com deputados ligados à polícia, um indício que o fenômeno pró-redução está presente em outras regiões do país.

Para o especialista, a eleição desses representantes que defendem a redução da maioridade penal para crimes hediondos é um reflexo do desconhecimento da sociedade brasileira sobre o problema. “Existe um hiperdimensionamento da situação. Nos últimos 20 anos, os adolescentes foram responsáveis por 3% dos homicídios que ocorreram no Brasil, ou seja, 1.500 homicídios”. Para comparar, enquanto o país tem 3,4 adolescentes que cometem crimes para cada 100.000 habitantes, na Colômbia, o país que tem o maior índice de adolescentes que praticam crimes da América Latina, a proporção é de 8,7 infratores para a mesma população, segundo a UNICEF. Nos Estados Unidos, apesar das penas serem maiores e mais severas, os jovens entre 12 e 18 anos são responsáveis por 11% dos homicídios, um exemplo de que aumentar a penalização não implica necessariamente em inibir a criminalidade.

Aécio é favorável à redução da maioridade penal em casos específicos, enquanto Dilma é contra

Os crimes mais comuns praticados pelos adolescentes, ao contrário do que as campanhas políticas tentaram convencer o eleitor, são na verdade roubos e atividades relacionadas ao tráfico, que representam 38% e 27% dos atos infracionais, respectivamente, de acordo com o levantamento feito entre os adolescentes que cumpriam mediadas socioeducativas em 2012 pela Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Crianças e do Adolescentes. Sobre essas infrações, Volpi admite que há um mito sobre o adolescente-traficante que não corresponde à realidade. “O jovem rouba e entra no tráfico como um ator secundário, motivado por um desejo de consumo imediato, de sobrevivência, em um contexto de falta de oportunidades. Prendê-lo com o intuito de obter informações sobre as facções criminosas não só é ineficiente como prejudicial, já que fará com que ele entre em contato com outros grupos e se associe a organizações de forma mais profunda enquanto estiver recluso”, explica Volpi.

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