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ENTREVISTA | CARLO RATTI, PROFESSOR DO MIT

“É compartilhando a cidade que a tornamos mais segura”

O arquiteto e professor do MIT Carlo Ratti abre o evento sobre Cidades Inteligentes e aposta na tecnologia do compartilhamento

Carlo Ratti, durante conferência em 2011.
Carlo Ratti, durante conferência em 2011.Divulgação

Carlo Ratti é um arquiteto e engenheiro italiano que se dedica ao design. Suas ideias, porém, não decoram ambientes. A ambição que o move é transformar cidades. O hoje professor do laboratório SENSEable City (em tradução livre, uma cidade capaz de ter sentido), no Massachusetts Institute of Technology (MIT), abrirá o encontro Cidades inteligentes, em São Paulo, no qual empresários, gestores públicos, urbanistas e investidores discutirão soluções para um melhor planejamento dos grandes centros urbanos. As obras de Ratti foram expostas na Bienal de Veneza, no Museu de Ciências de Londres, no MoMA de Nova York e na Exposição Universal de 2008, onde construiu um edifício inteiro com água, o Pavilhão de Água Digital, que deixou visitantes boquiabertos em Zaragoza, na Espanha. Foi conferencista do TED em 2011, apresentando propostas arquitetônicas a partir de informações obtidas através da tecnologia e redes sociais. Um dos experimentos consistia em instalar um chip localizador em objetos jogados no lixo, em Seattle, nos Estados Unidos, e acompanhar seu trajeto durante dois meses. Assim, demonstrou que o lixo não desaparece e, por essa razão, devemos pensar em soluções para reaproveitá-lo.

Pergunta. Um dos maiores problemas das grandes cidades é o trânsito. Como podemos passar menos tempo de nossas vidas dentro de um carro?

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Resposta. A mobilidade é, provavelmente, o maior problema de todas as cidades modernas. No entanto, uma grande revolução está chegando, vinda da tecnologia das comunicações e informação. Esta será reforçada no futuro pelo motorista ou carros de auto-condução. Esses veículos prometem ter um impacto enorme sobre a vida urbana, porque vão borrar a distinção entre os modos privados e públicos de transporte. "Seu" carro poderia dar uma carona para o trabalho pela manhã e, em seguida, ao invés de ficar ocioso em um estacionamento, dar uma carona para alguém de sua família – ou até mesmo para qualquer outra pessoa do seu bairro, das comunidades das redes sociais ou cidade. Isso significa que haverá poucos carros nas ruas e grandes áreas que poderão ser transformadas em espaços verdes e públicos, apenas com o compartilhamento. Uma pesquisa recente que fizemos mostra que uma cidade como Nova York ou Nova Delhi ou São Paulo poderia funcionar perfeitamente com 20% a menos de carros que temos hoje.

P. Em São Paulo tivemos algumas manifestações contra a criação de ciclovias, enquanto em outras partes do mundo as bicicletas são vistas como uma grande solução para o trânsito.

R. Não conheço muito a fundo a situação na cidade, mas acredito que as bicicletas podem ser cada vez mais centrais para a mobilidade urbana. Vimos isso acontecer em Copenhague, na Dinamarca, e estamos vendo isso em muitas cidades, de Nova York a Londres. Outros serviços importantes para facilitar a mobilidade são os horários dos meios de transporte públicos, e aí nossos celulares e dispositivos móveis entram para nos ajudar a nos locomover de um jeito mais inteligente.

P. Alguns países tiveram problemas com aplicativos de compartilhamento de carros, como o Uber. Você acredita que teríamos problemas no Brasil também? Acredita que é possível uma menor adesão pelo medo da violência?

R. Eu acho que é o oposto. Esse é o tipo de experiência que poderia motivar as pessoas a encontrarem outras formas de compartilhar as coisas. Como Jane Jacobs [urbanista autora de Morte e Vida de Grandes Cidades] nos ensinou, é compartilhando a cidade que a tornamos mais segura.

P. Hoje temos um grande problema com a falta de água no estado de São Paulo. A tecnologia pode nos ajudar a controlar melhor a água para evitar o racionamento?

R. Obviamente, uma boa distribuição é importante – temos que pensar quanta água é desperdiçada em vazamentos, mesmo que o Brasil tenha tido progressos nessa área. E a tecnologia também nos permite coletar dados sobre consumo de água. Isso pode ser um primeiro passo para desenvolver um sistema mais inteligente, baseado na necessidade real do cidadão e promovendo, assim, uma mudança de comportamento.

P. Como lidar então com o desperdício de energia?

R. Podemos pensar em soluções que unam agricultura urbana e energias renováveis. Por exemplo, fizemos um projeto para a Exposição de Milão de 2015 [cuja proposta é criar soluções criativas para energia sem prejudicar o planeta]. Se trata de um sistema que tem em sua fachada micro-algas, vivas. Elas realizam uma atividade foto sintética importante, que absorve uma quantidade considerável de dióxido de carbono e essas mesmas algas são também capazes de produzir oxigênio. Elas crescem e formam uma biomassa, que pode ser processada para produzir energia, cosméticos, produtos farmacêuticos e nutracêuticos. Esta é apenas uma ideia, mas a luz solar, abundante no Brasil, pode facilitar este tipo de processos e pode ser um ponto de partida para o desenvolvimento de projetos semelhantes.

P. O MIT está desenvolvendo um projeto para o Rio de Janeiro, que será sede olímpica em 2016. Você poderia adiantar algumas ideias do que será feito?

R. O Pavilhão Anéis de Água é um projeto do meu escritório em colaboração com Arq.Futuro e Arup para os jogos Olímpicos do Rio. A forma do pavilhão é baseada nos cinco anéis olímpicos, cada anel corresponde a uma função específica: a piscina, um auditório multifuncional, um hall de entrada, um espaço para café e um anel de aprendizagem. Um sistema quad copter [uma espécie de drone com quatro hélices como helicópteros] permite o monitoramento das condições da água, a coleta de dados em tempo real e compartilhar essas informações com as pessoas. O Pavilhão Anéis de Água vai proporcionar uma experiência de imersão no mesmo nível da água na Lagoa Rodrigo de Freitas.

P. A reciclagem está presente em muitas cidades no Brasil e a economia informal tem muitos benefícios com a venda de latinhas e papelão. O que falta para que sejamos um exemplo na área?

R. Nós entendemos que o que realmente importa é compartilhar dados sobre os resultados da reciclagem, para motivar ação cidadã. No nosso laboratório no MIT [SENSEable City lab], mapeamos a rota do lixo em Seattle, adicionando etiquetas no que era jogado no lixo e seguindo os objetos enquanto se moviam no sistema de esgoto e detritos da cidade. Uma das coisas que aprendemos no Trash Track [nome do projeto, seguimento do lixo], é que compartilhar informação pode mudar o comportamento das pessoas. Pessoas envolvidas no projeto podiam acompanhar o lixo e isso de certa forma as fez mudar de hábitos. Uma delas me disse: "Eu costumava beber água em garrafas de plástico e jogava fora depois, esquecia delas. Agora eu sei que elas andam apenas alguns quilômetros da minha casa para um aterro sanitário, e eu não consigo mais esquecer delas. Dessa forma, parei de beber água em garrafinhas de plástico".

P. Existe cidade "boa" e cidade "ruim"?

R. Existem cidades OK, boas e ruins. No entanto, grandes cidades tendem a ser mais eficientes economicamente. Todas as medidas sócio-econômicas, sejam positivas ou negativas, aumentam conforme aumenta a população urbana. Ou seja, o salário, a produtividade, o crime, as doenças. As relações também. As cidades acompanham as mesmas estruturas das redes sociais, ainda que apareçam visualmente diferentes, elas são semelhantes. Há padrões de conexão, interação e de troca de informações entre os cidadãos. A inovação também vem daí, da interação através de uma comunidade. As paisagens humanas hoje se desenham com as redes, estão todos enredados em conectividades que não estão costuradas. O âmbito da sociabilidade humana também muda com as plataformas digitais, que criam mais conexões quanto maior for a cidade onde a pessoa vive. Nosso estudo, porém, identificou que mesmo que isso ocorra, as pessoas tendem a criar "aldeias" em torno de si. Até em sociedades mais fechadas, que aparentemente não precisam disso. E isso nos ajuda a desenhar os ambientes urbanos, para fazer uma "boa" cidade. É a partir daí que pensamos soluções para "aldeias urbanas" dentro das grandes cidades, para que todos possam encontrar afinidades sociais, intelectuais ou criativas dentro da multidão que os rodeia.

P. O que podemos pedir para o nosso próximo presidente para ter um país mais eficiente?

R. A resposta não está na tecnologia, mas nas pessoas. Eu acho que a primeira prioridade do Brasil, assim como de qualquer outro país, deve ser a educação.

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