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Sucessão de erros questiona a atuação no caso de ebola

Investigação aponta que Teresa Romero se contaminou ao retirar o terceiro traje de proteção Ministério da Saúde admite que era preciso adiantar sua internação

A auxiliar de enfermagem é levada ao hospital de Alcorcón.
A auxiliar de enfermagem é levada ao hospital de Alcorcón.Andres Kudacki (AP)

Uma sucessão de erros levou à situação atual do ebola na Espanha, com a auxiliar de saúde Teresa Romero Ramos, de 40 anos, infectada; seu marido, Javier Limón Romero, em isolamento e mais de 50 pessoas em observação, das quais 22 são profissionais da saúde, amigos e familiares que, sem a proteção adequada, estiveram em contato com a técnica quando já estava doente. Os outros 30 são os profissionais que trabalharam com Romero no tratamento de Manuel García Viejo, o missionário repatriado que faleceu vítima do ebola em 25 de setembro no Hospital Carlos III. Uma aplicação rigorosa dos protocolos e uma série de decisões e atrasos pouco claros foram ocorrendo até agravar uma situação que já era muito preocupante: o primeiro contágio desse vírus entre humanos fora da África.

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O primeiro erro foi o que ocasionou a infecção em si. Tanto as autoridades como os profissionais envolvidos insistem que tudo foi feito conforme os rigorosos protocolos de segurança. Ainda não há conclusões definitivas sobre o que aconteceu, mas fontes da investigação apontam a que a falha pode ter acontecido quando Romero retirou o terceiro dos trajes sobrepostos de proteção.

Essa falha, se confirmada, passou inadvertida para a mulher, que em nenhum momento informou a ocorrência de problemas – nem luvas furadas, nem espetadas com agulhas ou respingos indesejados –. Sua última tarefa foi limpar o quarto onde havia falecido García Viejo no complexo hospitalar La Paz-Carlos III. Depois, saiu de férias. Tinha apenas uma instrução: vigiar sua temperatura duas vezes ao dia e, se notasse algo anormal, contatar o Serviço de Riscos Trabalhistas do hospital. É o acompanhamento que recebem todos os que estiveram em contato com doentes de ebola.

Mas, poucos dias depois, começou a se sentir mal. Isso não a impediu de se apresentar com outras 20.000 pessoas, em 27 de setembro, às provas de seleção para consolidar seu posto de auxiliar na Comunidade de Madri.

O primeiro dos pontos críticos da história ocorreu pouco depois, no dia 30 de setembro, data divulgada na segunda-feira pelo diretor geral de Cuidados Primários da Comunidade de Madri, Alberto Alemany, ou no dia 29, segundo outras fontes. A mulher, com febre baixa – temperatura inferior a 38 graus – e astenia – fraqueza –, telefonou para o hospital. Os sintomas ainda eram vagos, como explicou Alemany, e ela foi orientada a procurar o pronto socorro em Alcorcón (Madri), onde reside. Fontes do ambulatório informaram que em nenhum momento se identificou como profissional que tinha estado com doentes de ebola, e voltou para casa com uma receita de paracetamol.

Esse primeiro contato para notificar a piora em sua saúde parece fundamental no processo. Tanto que nesta terça-feira o coordenador do Centro de Alertas e Emergências Sanitárias do Ministério da Saúde, Fernando Simón, admitiu que talvez não deveria ter seguido ao pé da letra a regulamentação. “Diante de uma pessoa em acompanhamento, talvez deveria ter sido aplicado um protocolo de isolamento”, disse. Essa possibilidade foi descartada porque “a febre era baixa, o que fazia com que o quadro não fosse óbvio”. As instruções dos serviços de saúde são de espera até que a febre supere os 38,6 graus para considerar que se trata de um possível caso de ebola. Com isso se tenta evitar internar todas as pessoas que tenham um processo febril, já que se supõe que essa temperatura seja um limar abaixo do qual o afetado não tenha um vírus muito ativo e, portanto, não seja contagioso.

As companheiras de Romero souberam de sua febre desde o começo. No aplicativo de bate-papo em que se comunicam, ela avisou que tinha pouca febre e perguntou a que temperatura deveria chegar para avisar. Oficialmente, são 38,6 graus. Suas colegas criticam esse limite, argumentando que isso poderia se aplicar a alguém que “passasse por lá”, mas não a uma pessoa que teve contato direto com os dois pacientes que morreram –García Viejo e o também missionário repatriado Miguel Pajares. Assim também opinam fontes sindicais do hospital: “Por que não a trataram antes?”. A paciente está sendo tratada com anticorpos de sobreviventes do contágio.

O relato do que ocorreu depois varia segundo as fontes. Dias depois –ao menos dois, segundo um porta-voz do CSIF, mais vezes–, Romero voltou a ligar para o hospital para informar sobre o seu mal-estar. Esse dia era outro momento-chave. De acordo com fontes sindicais, ela já tinha mais de 38,6 graus, mas não foi ativado nenhum protocolo nem se decidiu pelo isolamento. Órgãos oficiais indicam que essa temperatura não foi alcançada antes do dia 6.

Aí há outra das ações incompreensíveis neste caso. Segundo fontes sanitárias, na segunda-feira a mulher telefonou para o Carlos III, mas recomendaram que ela ligasse para o Serviço de Urgências de Madri (SUMMA) e fosse ao hospital de sua área, o Alcorcón. Ela fez isso, e foi transferida por uma equipe sem proteção que a levou a um centro não especializado onde esteve por várias horas na emergência. Parte das 21 pessoas agora em observação esteve em contato com ela nesse período.

O processo no hospital também não foi muito diligente. Funcionários do Hospital de Alcorcón garantem que a mulher chegou avisando: “Receio que eu esteja com ebola”. Mas a saída da ambulância e o primeiro tratamento até que fosse isolada em um quarto de emergências foram realizados sem outra proteção a não ser luvas e uma máscara. Ali esteve desde a primeira hora da manhã até depois da meia-noite, quando foi transferida ao Carlos III. Desse momento mais de seis horas se passaram até a confirmação do diagnóstico e o instante em que a ambulância a levou: não havia um transporte adequado.

Com informações de Pilar Álvarez, Elsa García de Blas, Alejandra Torres e Raquel Vidales.

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