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Francisco lança sua campanha contra pedófilos e cúmplices na Igreja

O Papa já alertou que não permitirá privilégios com os abusos

O papa Francisco, na praça de São Pedro, ao lado do presidente do Pontifício Conselho para a Nova Evangelização, o arcebispo Rino Fisichella.
O papa Francisco, na praça de São Pedro, ao lado do presidente do Pontifício Conselho para a Nova Evangelização, o arcebispo Rino Fisichella.CLAUDIO PERI (EFE)

No Vaticano, cada ação, e até mesmo cada gesto, por banal que possa parecer, inclui também uma mensagem, um aviso para navegantes mais ou menos subliminar. E a decisão sem precedentes do papa Francisco de ordenar a detenção – à luz do dia e expondo as graves acusações – do ex-arcebispo polonês Josef Wesolowsky, acusado de abusar sexualmente de menores enquanto foi núncio na República Dominicana, inclui duas sérias advertências aos setores mais retrógrados da Cúria, os mesmos que agora se entrincheiram para impedir qualquer abertura – a volta aos sacramentos dos divorciados casados de novo –, mas permaneceram cegos, surdos e mudos durante décadas de abusos.

A primeira advertência de Jorge Mario Bergoglio é que, agora sim, acabou a frouxidão – para não dizer a cumplicidade – com os crimes de pedófilos. A segunda é a garantia de que, ainda que se removam os alicerces de São Pedro, ninguém, por mais importante que seja, vai se salvar de ser julgado por fatos tão graves. O Papa já havia alertado no fim do mês de maio, durante o voo de volta de sua viagem à Terra Santa: "Há três bispos sob investigação e outro, já condenado, de quem estou estudando a pena. Na Argentina, chamamos os privilegiados de 'filhos de papai'. Posso assegurar a vocês que, sobre esse assunto tão grave, não haverá filhos de papai". Agora, com duas decisões coordenadas no tempo – a detenção de Wesolowsky e a defenestração do monsenhor Livieres Plano, bispo de Ciudad Del Este (Paraguai), por encobrir um padre argentino acusado de pedofilia –, o papa Francisco transformou em fatos suas frequentes palavras e gestos contra a pedofilia no seio da Igreja. Nos muros do Vaticano, que tantas vezes ofereceram refúgio, esquecimento e imunidade diplomática a delinquentes vestidos de batina, Francisco colocou uma placa que vem a dizer: "Não se admitem pedófilos nem encobridores".

Uma decisão política que enfureceu alguns -– o bispo Livieres Plano chegou a dizer que o Papa "terá que prestar contas com Deus" –, que preocupa tantos outros – inclusive entre os escolhidos por Bergoglio para renovar a Cúria há pessoas, como o cardeal australiano George Pell, que foram investigadas por abusos no passado – e que, no entanto, para alguns parece ser a única saída (ainda que dolorosa) para uma Igreja que seja capaz de pregar com o exemplo. Para o cardeal Velasio de Paolis, a decisão de Francisco sobre o ex-arcebispo Wesolowsky marca efetivamente um antes e depois: "Até agora, a Igreja não julgava o crime de um pedófilo do ponto de vista criminal, só disciplinar. Os abusos sexuais contra menores eram uma violação da disciplina eclesiástica. Por isso, a prisão do arcebispo Wesolowsky é uma forte e inequívoca decisão política de Francisco. Deve ser julgado como qualquer outro criminoso. E a pena terá um efeito duplo: punitivo e exemplar para o bem comum".

O ex-arcebispo Wesolowsky tinha em seu poder mais de 100.000 arquivos pornográficos entre vídeos e fotografias

Uma condenação que, segundo os dados que estão sendo revelados, não será difícil de ditar. Porque – e aqui está outra novidade – a Santa Sé, tantas vezes uma fortaleza inexpugnável para proteger a privacidade de seus assuntos, parece nesta ocasião menos preocupada em evitar os vazamentos sobre o processo aberto contra Wesolowsky. Segundo se tem conhecimento, ele possuía mais de 100.000 fotografias e vídeos de pornografia infantil, mais outros 45.000 arquivos que já teria apagado. Nas imagens, que estavam distribuídas entre o computador da nunciatura e seu laptop, aparecem menores – principalmente meninos, mas também meninas – entre 13 e 17 anos.

Deve ser julgado como qualquer outro criminoso", diz o cardeal Velasio de Paolis

Os investigadores também tiveram acesso ao depoimento de meninos que explicaram de que forma o polonês – que foi expulso do sacerdócio em junho – os abordava em algumas praias da República Dominicana, os levava em seu carro a uma casa alugada de frente para o mar e oferecia dinheiro para que tirassem a roupa e tivessem relações entre eles ou com adultos enquanto gravava com o telefone celular.

Uma simples olhada nos lugares nos quais o alto prelado – que, segundo os investigadores, acessava "de forma experiente e compulsiva" as páginas mais infames da Internet – esteve destinado como embaixador do Vaticano oferece uma perspectiva muito preocupante: além da República Dominicana, Josef Wesolowsky foi núncio na Bolívia e na Ásia Central. A Interpol também já está investigando a trajetória criminal do prelado, e há investigações abertas tanto na Polônia como na República Dominicana. Desde sua fuga de Santo Domingo até a detenção na terça-feira passada, o ex-arcebispo polonês gozou de liberdade de movimentos em Roma, a ponto de – já com o escândalo sendo noticiado nas televisões dominicanas – o bispo auxiliar de Santo Domingo, Víctor Masalles, ter encontrado Wesolowsky passeando tranquilamente pelo centro da capital italiana. "Para mim foi uma surpresa", escreveu em sua conta no Twitter, "ver Wesolowsky passeando pela Vía della Scrofa em Roma. O silêncio de Igreja tem ferido o povo de Deus”.

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