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Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

Os partidos terão futuro se tiverem menos de partido

Em vez de se aproximarem, as formações políticas se afastam cada vez mais dos problemas reais da sociedade moderna

Juan Arias

As pesquisas sobre as eleições brasileiras estão revelando que os brasileiros votam nos protagonistas segundo seu coração e não seguindo as complexas e às vezes absurdas alianças feitas pelos partidos. Não votam em um candidato para a presidência, por exemplo, porque é apoiado pelo partido, o governador ou o deputado.

O povo se interessa mais pelas pessoas do que pelos partidos políticos.

E o que dizer do modo ainda primitivo como são realizadas as campanhas eleitorais e do rio de dinheiro que elas tragam? O que podem dizer aos jovens que estão no meio de tantas coisas?

Uma pergunta que ninguém se atreve a fazer nestas eleições do Brasil, carregadas de incógnitas e cada vez mais agressivas, é se os partidos políticos são um dogma da democracia, algo sagrado sobre cuja existência e utilidade nem sequer se pode discutir.

Para alguns, a hipótese de que possa existir democracia sem partidos soa, de fato, como heresia. São entretanto essas formações políticas essenciais ao desenvolvimento dos princípios democráticos? No Brasil, e em geral na América Latina, se diria que sim, já que ninguém se atreve nem a formular a questão.

Na Espanha, por exemplo, não. Segundo uma pesquisa da Cadena Ser, 53% dos cidadãos consideram que hoje a democracia poderia existir sem partidos políticos que poderiam ser substituídos por outras formas mais modernas e ágeis de representação cidadã.

E se essa sondagem fosse realizada no Brasil? Não acreditam que poderia haver surpresas? Joan Subirats, doutor em Ciências Econômicas e catedrático de Ciências Política da Universidade Autônoma de Barcelona, relembrou neste mesmo diário que os partidos são apenas instrumento da democracia que poderiam um dia serem substituídos por outras formas de representatividade cidadã.

É certo que a possibilidade de participação na política por parte da sociedade através do voto livre e secreto foi uma conquista realizada pelos partidos, às vezes por um alto preço e muita dor. Os partidos foram em muitos casos importantes para aumentar a democracia.

Como muitas outras instituições que regem a sociedade e trabalham para organizá-la com justiça e liberdade, os partidos se encontram hoje, entretanto, em quase todo o mundo, nos níveis mais baixos de aceitação popular. Acredita-se que perderam sua função original, que se degeneraram, mordidos pela corrupção e pelo isolamento de tudo o que se gera de moderno na sociedade atual.

Com os partidos aconteceu algo parecido com o que se passa com os métodos de educação em uma escola na qual, geralmente, segue-se ensinando com os critérios da Idade Média, de costas para tudo de novo que está surgindo em uma sociedade que é totalmente diferente e que precisa deixar para trás uma forma velha e atrasada de transmitir conhecimento.

A sociedade ficou muito mais exigente; se comunica entre ela, quer participar mais diretamente das decisões políticas e sociais, sem as esperas intermináveis da burocracia – na qual muitas vezes se encontra presa e encurralada a política partidária.

Ninguém nega que seja necessária e indispensável uma certa representatividade da sociedade capaz de canalizar de modo racional e sem anarquismos as exigências dos cidadãos, cada vez mais dispostos a pensar e tomar decisões e não somente seguir ordens.

Nesse sentido, talvez os partidos sejam necessários durante muito tempo. A pergunta é outra: até quando esses partidos, por não mudar radicalmente, terão vida fácil em uma sociedade que os vê cada dia mais inúteis e como guardiões e defensores de interesses pessoais ou de classe, de costas para as ânsias de mudança e de participação do povo?

O problema não é se os partidos seguem sendo um instrumento positivo na função democrática, mas quanto deverão mudar para que sejam vistos pela sociedade como algo útil e capaz de engendrar um grau maior de liberdade democrática. Do contrário, podem acabar desaparecendo.

O catedrático Subirats expressou a ideia com grande realismo, quando escreveu que os partidos políticos, no mundo inteiro, só poderão ter futuro na medida em que cada vez mais “tenham menos de partido”. Cada vez que se fala de reformar a política ocorre ser, entretanto, para que os partidos tenham mais de partido, com maiores poderes, mais centralizados.

A primeira reforma política deveria consistir, pois, em perguntar sem medo e com lealdade por parte dos políticos de profissão, que função pode e deve ter um partido político em nosso mundo que muda com tanta rapidez e que se comunica em nível global à velocidade da luz.

De nada serve remendar sapatos furados que ficaram fora de uso, nem é útil manter vinho novo em odres velhos, como até os textos bíblicos aconselham.

Se considerarmos que os partidos, ainda por um tempo, serão imprescindíveis para o desenvolvimento da democracia, que, pelo menos, como disse o catedrático espanhol, sejam “o menos partido possível”, ou seja, os mais próximos possíveis da sociedade civil e colocados ao serviço dela e não de sua própria sobrevivência.

No próximo Congresso Nacional do Brasil poderão estar representados até 18 partidos. Quem eles representarão e o que os distingue uns dos outros, tirando o desejo de participar do festim de cargos e empregos?

Não se renovando, estarão mais distantes dos cidadãos, que os tratarão cada vez com menor apreço e respeito, incluindo aqueles que seguirem votando, mesmo que muitas vezes com desânimo e tampando o nariz.

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