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Arte quente e atual

A Bienal de Arte de São Paulo, marco da arte contemporânea na América Latina e no mundo, reúne 250 obras que expõem as polêmicas do presente

Retrato de Giuseppe Campuzano como Virgen Dolorosa.
Retrato de Giuseppe Campuzano como Virgen Dolorosa.Carlos Pereyra

A 31a Bienal de Arte de São Paulo, um dos eventos culturais mas importantes do mundo, demonstra uma coisa: foi-se o tempo em que a arte escandalizava por estar à margem do cotidiano. A julgar pelas 250 obras da exposição que abre suas portas ao público em 6 de setembro, o que querem os artistas hoje é justamente se misturar com a sociedade e ser comentaristas diretos ou até críticos mordazes de todos os escândalos que ela mesma produz – como as manifestações e a Copa do Mundo no Brasil, os conflitos raciais em Ferguson e a guerra em Gaza, além de outras questões políticas e sociais do momento.

Logo na entrada do Pavilhão da Bienal, no Parque do Ibirapuera, o coletivo boliviano Mujeres Creando recebe os visitantes em seu “Espaço para Abortar”, com pequenas cabines que simulam úteros e que as mulheres podem ocupar para dar seu testemunho e advogar pela descriminalização do aborto.

Um pouco mais adiante, aparece um núcleo de artistas que subvertem ícones católicos, como o peruano Giuseppe Campuzano e seu “Museu Travesti do Peru”, que inclui uma Nossa Senhora de traços masculinos. Também um espaço que reproduz imagens e notícias sobre a violência na Argentina nos anos 70 (“Violência”, de Juan Carlos Romero) e um videoclipe de um grupo turco de rap cujos integrantes aparecem sendo – supostamente – baleados (“Wonderland”, de Halil Altindere).

"Inferno", de Yael Bartana.
"Inferno", de Yael Bartana.Frame do vídeo

Entre os 12 artistas brasileiros dos 100 selecionados, se destaca o videomaker Gabriel Mascaro, que criou o filme “Não é sobre sapatos”, mostrando a violência e as estratégias por trás dela com base em imagens dos protestos que explodiram em todo o país em junho de 2013. As filmagens foram feitas por policiais militares infiltrados, que são orientados a registrar os manifestantes pelos seus sapatos – que a polícia usa para identificá-los quando têm a cara coberta. Os meios para consegui-las, ele não revela, apenas a “angústia” que sentiu ao trabalhar esses “momentos de vulnerabilidade imensa”. “Aquilo que afirma uma singularidade pode acabar gerando a prova de um crime”, disse o artista.

Antes mesmo da Bienal abrir suas portas, outro vídeo já tinha dado o que falar: “Inferno”, de Yael Bartana. Na obra de 2013, ainda inédita no país, a artista de origem holandesa e israelense simula a destruição do novo megatemplo da Igreja Universal em São Paulo, testando os limites entre realidade e ficção. Depois de ser objeto de uma denúncia ao Ministério Público por incitar o preconceito religioso (que terminou sendo arquivada), a obra promete ser uma das atrações mais procuradas pelos visitantes.

"Wonderland", do turco Halil Altindere.
"Wonderland", do turco Halil Altindere.Pilot Galeri Istanbul

Os cinco principais curadores – todos estrangeiros – refutam a ideia de uma Bienal brasileira ou até mesmo latino-americana, mas se preocuparam em situá-la no “Sul”, não do ponto de vista geográfico e sim conceitual, pensando no que costuma ficar fora do sistema. Daí vem a escolha por artistas mais situados à margem do mercado e pelo mote que guia esta edição: “Como (...) coisas que não existem”. “Nos concentramos no presente e em modos de existência menos aceitos dentro de uma sociedade normalizada”, explicou a curadora espanhola Nuria Enguita. “Com isso, claro que há polêmica”.

A primeira das várias polêmicas esperadas foi despertada pela ofensiva israelense em Gaza, que mobilizou na 55 artistas a assinar uma carta contra o apoio financeiro dado por Israel à mostra – 90 mil reais do orçamento total de 24 milhões. O movimento, capitaneado pelo artista plástico, arquiteto e escritor libanês Tony Chakar, fez com que a organização devolvesse o dinheiro.

O pavilhão da Bienal durante o processo de montagem.
O pavilhão da Bienal durante o processo de montagem.Pedro Ivo Trasferetti

Pablo Lafuente, o outro espanhol do grupo de curadores, opina que “as pessoas não devem ter conhecimento artístico” para encontrar seu lugar nesta Bienal. “Nosso objetivo foi propiciar encontros abertos e gerar discussões a partir de obras e artistas que sejam capazes de se relacionar com questões contemporâneas e de intervir nelas”, explica. Assim como seus colegas, ele acredita na “crise da ideia de representação”, não só de um eixo curatorial, mas de uma arte que se separa do todo. “Esperamos que essa seja uma caixa de ressonância da sociedade e também uma oportunidade de abraçar uma força artística transformadora.”

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