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França anula a entrega de dois barcos de guerra para Moscou pela crise na Ucrânia

O país argumenta que, apesar do cessar-fogo anunciado, não existem circunstâncias para a entrega

Carlos Yárnoz
O navio Vladivostok em Saint-Nazaire, em março.
O navio Vladivostok em Saint-Nazaire, em março.FRANK PERRY (AFP)

O Governo francês decidiu ontem não entregar para a Rússia o primeiro dos dois porta-helicópteros da classe Mistral comprados por Moscou em 2012 por um valor global de 2,4 bilhões de euros (7 bilhões de reais). A crise da Ucrânia, na qual Moscou apoia militarmente os separatistas contra o Exército de Kiev, fez com que ficasse inviável o cumprimento do acordo nas vésperas da reunião da OTAN em Cardiff (País de Gales), e também com que a União Europeia concretizasse novas medidas de pressão contra Moscou, entre as quais figuram a proibição de vender material de uso militar para Moscou.

O Palácio do Eliseu anunciou que, “apesar das perspectivas de um cessar-fogo na Ucrânia”, não ocorreram as condições adequadas para entrega do primeiro navio, prevista para meados do mês do vem. A do segundo era preparada para 2015 ou 2016. Ainda que oficialmente o acordo não esteja rompido, será difícil que no futuro se materialize nos termos assinados.

A presidência francesa assinalou em um comunicado que, devido à “grave” situação vivida na Ucrânia, o chefe de Estado, François Hollande, constatou que não existem condições para que a França autorize a entrega desse navio.

Os primeiros protestos pelo acordo comercial, assinado em 2011 durante o governo de Nicolas Sarkozy, já foram expressados há meses por Washington.

Posteriormente, e já com graves enfrentamentos na Ucrânia, tanto o Reino Unido como vários países do Leste da UE também pressionaram Paris para impedir a entrega dos navios. Antes do verão, a União concordou em limitar as vendas de material militar para Moscou, mas aceitou que fossem respeitados os acordos assinados anteriormente. Era o argumento utilizado até ontem por Paris para insistir que a França respeitaria seus compromissos. Em junho, o presidente francês, François Hollande, declarou que, “sem dúvida”, a França cumpriria seu compromisso, ainda que mais recentemente disse que estava à espera das iniciativas que seriam tomadas na Ucrânia pelo presidente russo, Vladimir Putin.

Paris informou nas últimas semanas que Moscou já havia pagado pelo menos a metade do contrato. A Rússia, do seu lado, insistia que a França deveria cumprir seus compromissos e que, ao não fazê-lo, teria de realizar uma indenização econômica. Fontes francesas estimaram a punição em um bilhão de euros (2,94 bilhões de reais).

Os preparativos para a entrega estavam tão avançados que, em 30 de junho, quatrocentos marinheiros da Armada russa chegaram ao porto francês de Saint-Nazaire para serem instruídos no manejo dos avançados porta-helicópteros. Cada navio, com 199 metros de comprimento de fora a fora, tem capacidade para transportar 16 helicópteros, uma dezena de carros de combates, pequenas embarcações anfíbias e centenas de soldados.

São, portanto, barcos de assalto anfíbio, adequados para levar forças de choque a longas distâncias de sua base de origem. A Rússia não dispõe agora desse tipo de barco. Putin chegou a comentar que, se tivesse tais barcos, a invasão russa da Geórgia em 2008 teria se completado em poucos dias. Foi precisamente em 2008 que Paris e Moscou iniciaram as negociações para a construção e venda dos dois porta-helicópteros.

Os barcos foram construídos nos estaleiros STX, propriedade do Estado francês em 33%. Empregam diretamente 500 pessoas, as quais somam-se outros mil empregos indiretos na região.

Os barcos foram batizados como Vladivostok e Sebastopol, o nome da principal base da Armada russa do Mar Negro, ponto de referência da península da Crimeia, tirada de Kiev pela Rússia em março.

A indústria militar francesa, uma das mais potentes do mundo, viveu com enorme preocupação o caso dos Mistral. O argumento utilizado consistiu de que a França perderia clientes se mostrasse, em casos como esse, que no futuro cumpriria ou não seus contratos de acordo com as circunstâncias políticas do momento. O exemplo mais usado foi o do grande contrato para vender para a Índia 126 aviões de combate Rafale por um valor de pelo menos 15 bilhões de euros (44 bilhões de reais). O acordo está próximo de se tornar oficial e definitivo. O Rafale, construído pela Dassault, é considerado a joia dessa indústria, que considera esse caça-bombardeiro como o “melhor do mundo”.

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