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Rajoy se reúne com Merkel para recuperar o poder da Espanha na UE

A chanceler e o presidente do Governo espanhol percorrem juntos seis quilômetros do Caminho de Santiago Rajoy tem interesse especial na distribuição de cargos da nova Comissão

Foto: atlas | Vídeo: ÓSCAR CORRAL / VIDEO: ATLAS
Carlos E. Cué

Mariano Rajoy e Angela Merkel ofereceram neste domingo uma imagem de clara sintonia política com a viagem de dois dias da chanceler alemã à Galícia, onde o presidente do Governo espanhol passa o verão. Merkel e Rajoy percorreram juntos seis quilômetros do Caminho de Santiago, em meio a uma grande operação de segurança e à busca por imagens de união entre os dois grandes líderes da direita europeia neste momento. Em seguida, os dois jantam juntos. Amanhã concluem a visita com uma reunião oficial e uma entrevista coletiva conjunta. Mas além das fotos, Rajoy e Merkel devem aproveitar essa importante visita para assuntos fundamentais. A chanceler, que já retomou o trabalho, chegou a Santiago de Compostela vindo diretamente de Kiev, para onde viajou na tentativa de resolver a crise na Ucrânia, que também atinge agricultores espanhóis após o veto russo a seus produtos.

A chanceler alemã aterrissou no aeroporto de Lavacolla às 17h30 (12h30 em Brasília), como estava previsto, para iniciar o encontro bilateral com o presidente Rajoy, que a recebeu no terminal. Também participaram da recepção oficial no aeroporto o chefe do Executivo galego, Alberto Núñez Feijóo, e o delegado do Governo Samuel Juárez.

No encontro com a mulher mais poderosa da União Europeia, Rajoy pretende abordar a questão da parcela de poder que caberá à Espanha e que será discutida na reunião extraordinária do Conselho Europeu, no próximo sábado, em Bruxelas. Os objetivos do líder espanhol são claros e não mudaram. Apesar das pressões para que ele propusesse o nome de uma mulher, Rajoy apoia Miguel Arias Cañete para um comissariado econômico de peso. Além disso, ele quer que Luis de Guindos seja o próximo presidente do Eurogrupo. Para as duas coisas, que segundo o Governo estão ao alcance da mão, Merkel é fundamental.

Em um primeiro momento, De Guindos aspirava ser presidente do Eurogrupo com dedicação exclusiva. Esse é um posto de poder verdadeiro e que o faria deixar o Governo, mas essa opção está cada vez mais distante. Agora parece que ele será presidente sem deixar o Executivo espanhol e apenas quando se encontre uma saída para o homem que atualmente ocupa o posto, o holandês Jeroen Dijsselbloem, que tem resistido abandonar o lugar.

A Espanha perdeu muito poder na UE nos últimos anos e sob o mandato de Rajoy sofreu sua mais recente derrota, ao perder seu posto no comitê executivo do Banco Central Europeu, onde são tomadas as grandes decisões de política monetária. O presidente do Governo atribui essa perda de influência aos anos de Zapatero e tentará agora recuperar algo com o apoio de Merkel, apesar de o mais provável é que consiga um comissariado de menos peso que a Concorrência, pasta ocupada pelo socialista Joaquín Almunia. Arias Cañete poderia, além disso, ter problemas para passar pelo filtro do Parlamento Europeu, por causa de suas declarações sobre o machismo em plena campanha eleitoral, pelas quais se retratou posteriormente.

Mas além da partilha do poder, Merkel e Rajoy querem conversar sobre decisões estratégicas fundamentais na UE, principalmente em relação a política econômica, crescimento e empregos. Merkel, que tem sido pressionada pela França e pela Itália para mudar a política econômica do bloco europeu, busca um aliado no espanhol. Rajoy quase sempre procurou a proximidade da chanceler e tem tentado não afrontá-la, salvo em junho de 2012, quando se aliou ao italiano Mario Monti para conseguir um relaxamento na política fiscal e financeira.

Fiel à austeridade

A Espanha cumpriu fielmente a política de austeridade e cortes ditada pela Alemanha e por seus parceiros, e fez uma dura reforma trabalhista. Agora é usada como exemplo para a França e, principalmente, para a Itália, ambos nas mãos da esquerda, que resiste a essa política, contrária à que realizam países como os Estados Unidos e de resultados muito discutidos. Merkel continua sofrendo fortes pressões para modificar sua estratégia econômica agora que a zona do euro paralisou quase que por completo, com países essenciais como a Itália novamente em recessão e a França e a própria Alemanha beirando o mesmo caminho, segundo os mais recentes dados apresentados pela Eurostat em agosto. De fato, o líder da oposição, Pedro Sánchez, pediu ontem em Santiago para que Merkel e Rajoy apostem nessa via para recuperar o crescimento.

Nesse contexto, apesar de suas dramáticas taxas de desemprego e um crescimento ainda tímido, a Espanha é colocada como um exemplo para os defensores da austeridade em Bruxelas e em Berlim. Com as direitas italiana e francesa em um momento discreto, e com a direita britânica voluntariamente fora do Partido Popular Europeu (PPE) e com David Cameron cada vez mais distante de Merkel – ele votou contra Jean-Claude Juncker para presidente da Comissão -, a Alemanha e a Espanha são as duas grandes referências da direita europeia atualmente. O PP espanhol é o segundo maior partido do PPE, depois da CDU de Merkel, e isso se reflete também na partilha de poder dentro do próprio partido – seu secretário-geral é o espanhol Antonio López Istúriz – e dentro do grupo parlamentar, onde Esteban González Pons detém a primeira vice-presidência em um grupo presidido por um alemão.

O apoio espanhol, discutido com Merkel, foi fundamental no congresso do PPE em Dublin, em março, para que Jean-Claude Juncker triunfasse como candidato à presidência da Comissão Europeia contra o francês Michel Barnier. Desde então, Rajoy foi provavelmente o chefe de Governo que mais defendeu publicamente a opção Juncker que finalmente foi escolhida. Até Merkel teve mais dúvidas que ele.

Muitos eurodeputados espanhóis possivelmente prefeririam votar em Barnier naquela ocasião - ele que é mais carismático e mais próximo deles em comparação com o germanófilo Juncker. Mas Rajoy fez um acordo com Merkel e os votos espanhóis foram para o luxemburguês depois que María Dolores de Cospedal e José Ignacio Echániz deram a ordem expressa em voz alta para que todos os delegados a ouvissem.

Essa foi uma decisão-chave e Rajoy está confiante de receber o troco por sua decisão de apostar em contentar a chanceler. O encontro, que terminará amanhã com uma entrevista coletiva conjunta em Santiago, é, portanto, importante para mostrar que a aliança Rajoy-Merkel recupera força e também como arranque da curso político espanhol, já que o presidente tentará utilizá-la para reivindicar suas reformas, que sem dúvida contarão com o apoio público da chanceler, como ela já fez em outras ocasiões.

Protestos

Centenas de pessoas se juntaram ao redor do Hostal de los Reyes Católicos, onde Merkel e Rajoy chegaram depois de caminhar cerca de seis quilômetros do Caminho de Santiago. Na sua chegada, várias pessoas vaiaram contra os 'cortes' e gritaram "fora, fora". Somente no final, quando Merkel e Rajoy se aproximaram dos curiosos e turistas foi que se ouviu um tímido aplauso.

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