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O hóspede 2.0 sempre tem razão

Os comentários dos clientes na Internet influenciam no preço e na ocupação dos hotéis

Cristina Delgado
Vestíbulo do Mercer Hotel em Barcelona.
Vestíbulo do Mercer Hotel em Barcelona.Massimiliano Minocri

O diretor do Mercer Hotel de Barcelona, Francesc Holgado, nunca pensou que o perfil de seu hotel na página TripAdvisor, a web de opiniões sobre turismo mais popular do mundo, receberia mais de 60.000 visitas por mês. Mas este estabelecimento, que não pertence a nenhuma grande rede espanhola é, segundo o ranking que a TripAdvisor elabora com os votos dos hóspedes, o melhor hotel da capital catalã. “Estar entre os primeiros na classificação nos dá uma visibilidade que nunca teríamos de outra forma, sobretudo internacionalmente. Somos um hotel de luxo, mas independente e com apenas 28 quartos”, conta orgulhoso. Ficar no pódio, reconhece Holgado, significa uma forte pressão. O diretor é quem estuda cada comentário que seu hotel recebe, responde e aplica mudanças se achar necessário. “O nível de exigência aumentou muito”, aponta.

No negócio dos hotéis, uma crítica boa ou ruim na Internet influi agora no preço, na ocupação, na decoração e na imagem da marca. As redes passaram a considerar a reputação online uma prioridade, a ponto de que grandes grupos como Meliá ou NH vinculam parte dos salários à satisfação demonstrada pelos hóspedes na Internet.

“Nós fazemos muitas mudanças por causa dos comentários que recebemos. Da mobília à iluminação ou o número de toalhas. Levamos as críticas muito a sério”, explica o diretor do Mercer Hotel.

A avalanche de opiniões “online” alimenta o negócio da análise de dados

TripAdvisor se converteu na obsessão de muitos gerentes de hotel. Esta página recolhe os comentários dos hóspedes de todo o mundo e ordena os estabelecimentos segundo as avaliações. Estar na parte alta da lista, asseguram seus responsáveis, tem um impacto direto nas reservas. “Uma pessoa que procura alojamento lê entre 12 e 15 comentários sobre um hotel antes de decidir fazer a reserva”, afirma Blanca Zayas, porta-voz da empresa na Espanha. Em sua página web são recebidas em média 100 comentários por minuto. No ano passado publicaram mais de 50 milhões de avaliações de estabelecimentos de todo o mundo. “Os hotéis não podem ignorar a opinião dos clientes na Internet. Hoje não é possível dar as costas e não dar importância aos comentários, seria como se o recepcionista de um hotel desse as costas para um cliente que desceu para fazer uma queixa”, raciocina Zayas.

Uma das redes que mais importância está dando à revisão de sua imagem na web e nas redes sociais é a NH. No informe corporativo sobre o exercício 2013 enviado ao regulador da Bolsa, a companhia apontou que “o Conselho de Administração da Sociedade Controladora determinou que os funcionários de NH tenham ao redor de 15% de seus ganhos variáveis diretamente vinculado aos resultados de satisfação obtidos”. Como o grupo mede essa satisfação? Segundo explica Javier Carazo, diretor de qualidade de NH Hotel Group, para eles, a principal ferramenta é um programa chamado Quality Focus On Line, que desenvolveram especialmente há quatro anos. Este aplicativo controla as opiniões diretas que a NH pede a seus hóspedes, as queixas recebidas na recepção dos 400 hotéis da rede e, sobretudo, dos milhares de comentários registrados em páginas especializadas da Internet como a TripAdvisor.

Os internautas consultam até 15 avaliações antes da cada reserva

Mais de 5.000 empregados do NH revisam os dados mensalmente e têm acesso a 350.000 avaliações de clientes. “O objetivo é que cada hotel disponha de toda sua informação para saber quais aspectos melhorar”, explica Carazo. Aponta que, além disso, cada estabelecimento pode saber como trabalha em comparação com três hotéis da concorrência na mesma região. E com todos os dados, elaboram um ranking sobre quais hotéis NH têm a melhor e a pior reputação. “Ninguém gosta de ficar no final da lista. É criada uma concorrência saudável dentro do grupo”, assegura o responsável pela qualidade. Se, além disso, os resultados aparecem na folha de pagamento no final do mês, o incentivo para agradar o cliente aumenta.

A rede Meliá Hotels tem um funcionamento similar. Os diretores de hotel em nível mundial têm ao redor de 5% de seu salário variável ligado à reputação online, e outro 5% ligado à pesquisa de satisfação de clientes realizada pela rede. “Entre os escalões intermediários, quer dizer, diretores de departamento, a parte variável vinculada à valorização aumenta para 10% para cada indicador”, afirma uma porta-voz.

Conforme cresce a preocupação pela reputação online, crescem os negócios para sua gestão. A empresa Review Pro, que trabalha para a Meliá, é um bom exemplo. Começou a funcionar há cinco anos e oferece uma ferramenta para conhecer e analisar as centenas de comentários em dezenas de páginas e redes sociais. A empresa, com sede em Barcelona, fatura agora cerca de sete milhões de euros (21,5 milhões de reais) e tem 70 empregados.

Seu diretor-executivo, R. J. Friedlander, diz que contam com mais de 10.000 clientes em 90 países e que na Espanha 19 das 25 maiores redes hoteleiras contrataram seus serviços. “A situação de um hotel em um índice influi muito nas reservas e nos preços”, assegura. Se os comentários são positivos, explica, o hoteleiro pode cobrar mais que a concorrência, mesmo tendo as mesmas estrelas. A Review Pro cobra ente 19 e 99 euros por mês (entre 58 e 300 reais) de cada hotel - dependendo da intensidade da análise - para organizar e vigiar o que é dito sobre eles na Internet. Um hotel que acumulou as piores críticas pode mudar esta situação? Depende se corrige seus defeitos, acredita Friedlander. “Damos a eles toda a informação. Mas depois, corrigir os erros requer esforço. Nós oferecemos uma ferramenta, mas são eles que deve aprender a satisfazer as expectativas de seus clientes”, conclui este empresário.

Como evitar o cliente chantagista

Os comentários dos clientes podem elevar um hotel aos céus ou afundá-lo no inferno dos rankings online. Um poder excessivo? “Sempre há casos de excesso de exigências”, reconhece Javier Carazo, responsável por Qualidade no NH Hotel Group. Por exemplo, hóspedes que pedem para ser transferidos a um quarto de categoria superior sem cobrança extra ou ter acesso gratuito ao wi-fi pago, sob a ameaça de deixar uma má avaliação. “Não é muito habitual, mas acontece. O que fazemos nesses casos é ficarmos atentos, não ceder e frente a ameaças concretas, denunciá-lo nas páginas web”, aponta.

O TripAdvisor é consciente da influência que possui dentro do setor da hotelaria. Por isso, assegura a empresa, se preocupam de que exista um controle que evite fraudes. “Temos filtros que analisam diferentes elementos, desde a direção IP do computador do qual foi enviado o comentário até palavras chave suspeitas”, explica Blanca Zayas, a porta-voz. Se ao passar pelos filtros, um alarme tocar, umas das 200 pessoas de uma equipe especializada revisa a crítica. “A pessoa que administra esse escritório veio do FBI. Levamos isso muito a sério”, assegura. Além disso, têm uma parte de sua página web destinada aos administradores dos estabelecimentos. “Os hotéis podem entrar em sua área, ver as opiniões e se encontrarem algo estranho, nos advertir para que seja analisado”, assegura Zayas. De todas as formas, afirma, os clientes leem mais de uma dezena de críticas sobre cada estabelecimento antes de se decidir. “As pessoas procuram a média, não se deixam convencer por uma única experiência”, considera. Carazo acha que por isso é interessante fomentar a maior quantidade possível de opiniões. “Ter muito volume permite que um único comentário não desvie a imagem geral”, opina.

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