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Crise da dívida com fundos abutres

O juiz dos EUA ameaça declarar a Argentina em situação de desacato

A declaração faria o Governo argentino enfrentar multas pelo não pagamento dos credores, e o país perderia força junto a Obama

Alejandro Rebossio

A crise da dívida da Argentina não terá solução pela via da conciliação entre o Governo de Cristina Fernández de Kirchner e o juiz Thomas Griesa, de Nova York, que proferiu sentença contra Buenos Aires e a favor dos fundos abutres, os quais rejeitaram a reestruturação de 2005 e 2010 e exigem o pagamento de títulos não pagos desde 2001. Em uma audiência nesta sexta-feira, com a presença dos advogados da Argentina e dos fundos especulativos, o juiz ameaçou declarar a Argentina em situação de desacato à sua sentença, na qual estabeleceu que o país sul-americano deve pagar primeiro os litigantes, antes dos credores da dívida reestruturada, que deixaram de receber a parcela devida em 30 de julho.

Griesa, um juiz de 84 anos nomeado pelo Governo do republicano Richard Nixon (1969-1974), queixou-se dos anúncios que o Governo de Cristina publicou nesta semana na imprensa da Argentina e dos EUA afirmando ter pago aos detentores dos títulos reestruturados, e que o juiz e o agente de pagamento desses bônus, The Bank of New York Mellon, são os responsáveis pelo fato de o dinheiro não ter chegado aos seus destinatários. “Não houve pagamento. Se as declarações falsas não pararem, será necessária uma ordem de desacato”, expôs Griesa, cuja sentença é definitiva, já que em junho a Corte Suprema dos EUA se recusou a se envolver no caso.

O advogado Eugenio Bruno, do escritório argentino Garrido, interpreta que, se a Argentina for declarada em desacato, deverá pagar multas por cada dia de atraso no cumprimento da sentença. Bruno considerou pouco provável que funcionários argentinos possam ser processados na justiça penal dos EUA, porque não se trata de um julgamento comum, e sim que envolve as relações diplomáticas entre os países. Também descartou que o juiz chegue a restringir o exercício da defesa da Argentina, o que implicaria a impossibilidade de apresentar requerimentos a ele.

Os EUA votaram nos últimos anos contra os créditos do Banco Mundial e do BID para a Argentina

Seu colega Lucas Piaggio, do escritório Nicholson e Calvo, opina que o desacato implicaria o fim do processo, com o qual “o não pagamento da dívida reestruturada ficaria firme”. Bruno, por outro lado, não crê nessa possibilidade.

Bruno também apresentou nesta sexta-feira, na Justiça de Buenos Aires, a primeira ação dos detentores da dívida reestruturada contra The Bank of New York Mellon. O Governo de Cristina tinha incentivado esses credores a exigirem a mudança de agente de pagamento da dívida após a decisão do banco norte-americano de respeitar a ordem de congelamento do dinheiro imposto por Griesa.

“Só um pagamento feito de acordo com a ordem do tribunal é legítimo, e tal coisa não aconteceu", disse nesta sexta-feira o juiz de Nova York em referência à ordem para que os 1,75 bilhão de dólares dos fundos litigantes, incluído o do financista republicano Paul Singer, que detinham 1% da dívida de 2001, sejam pagos antes dos 539 milhões de dólares dos detentores da dívida reestruturada, que são parte dos 92,4% que substituíram os antigos passivos em 2005 e 2010. Griesa se queixou de que a Argentina “ignora” sua sentença.

Uma declaração de desacato em relação a uma sentença definitiva dos EUA pode complicar a relação dos Governos de Barack Obama e Cristina. Há alguns anos, os EUA votam contra os créditos dos bancos Mundial e Interamericano de Desenvolvimento (BID) para a Argentina pelas dívidas não pagas que o país sul-americano mantinha com empresas norte-americanas e com o Clube de Paris (grupo de países credores, incluída a superpotência) e pela manipulação de estatísticas por parte de Buenos Aires. Os empréstimos acabam sendo aprovados com o voto de outros países, mas o processo se atrasa. Os EUA tinham manifestado há poucos meses sua satisfação pelo fato de a Argentina ter começado a pagar aquelas dívidas e arrumado suas estatísticas, mas uma declaração de desacato pode dar mais um argumento ao Governo Obama. A Argentina, além disso, abriu nesta quinta-feira no Tribunal Internacional de Haia um processo contra os EUA por causa da sentença de Griesa, e o Executivo democrata deverá responder se aceita ou não essa jurisdição.

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