_
_
_
_
_

O mundo do turismo sexual infantil

Uma radiografia da exploração sexual de jovens no mundo. Estes são os países mais afetados

Pablo Linde
Clique na imagem para explorar o mapa interativo (em espanhol).
Clique na imagem para explorar o mapa interativo (em espanhol).

Essa é possivelmente a forma mais cruel de exploração infantil. Mas não existem dados totalmente confiáveis sobre o turismo sexual com menores. A Unicef calcula que 1,8 milhão de meninos e meninas a sofram, ainda que tanto essa organização como a principal rede de luta contra essa chaga, chamada Ecpat International, admitam trabalhar com base em aproximações e extrapolações.

Elas indicam que a maioria dos turistas que recorrem à prostituição infantil é ocasional; não vão expressamente em sua busca, não são pedófilos. “Simplesmente se deparam com a disponibilidade dessas crianças e se aproveitam disso”, afirma Selma Fernández, responsável pelo Programa de Prevenção da Exploração Sexual Comercial Infantil da rede Ecpat International.

Em alguns países, isso é fácil e barato. Até roupa e comida são trocados por sexo. Embora o Ecpat – cuja sigla, em inglês, significa “Acabe com a prostituição infantil, a pornografia infantil e o tráfico de crianças para propósitos sexuais” – recorde que esse fenômeno pode ocorrer em qualquer lugar e contexto, a pobreza e a desigualdade são importantes desencadeadores (ver o mapa interativo).

A dificuldade para abordar o fenômeno se deve em parte ao fato de muitos Estados o ocultarem e não haver estatísticas homogêneas

A dificuldade para abordar o fenômeno se deve em parte ao fato de muitos Estados o ocultarem e não haver estatísticas homogêneas. “O fato de se tratar de uma atividade ilegal não reconhecida como um problema em algumas culturas ou países, somado à sua invisibilidade, faz que se desconheça o verdadeiro alcance e natureza do fenômeno”, salienta Fernández.

Por isso, é complicado saber com exatidão se o fenômeno está crescendo ou diminuindo. Lorena Cobas, diretora de emergências do Unicef na Espanha, relata que a sensação é que estão sendo criados meios para o combate ao problema e que a conscientização é cada vez maior: “86% dos Estados membros assinaram o protocolo facultativo contra a exploração sexual infantil, obrigando-se a legislar de acordo com isso”.

O Ecpat, entretanto, diz que diversos estudos parecem indicar que a tendência, ao invés de estar diminuindo, vem crescendo. Enquanto algumas medidas e campanhas vão se consolidando, como acontece na Tailândia, um dos destinos prototípicos de turismo sexual infantil, os países próximos aproveitam para assumir esse lugar, como é o caso de Camboja e Vietnã.

Da mesma forma, não há cifras exatas sobre os afetados, tampouco é simples identificar os abusadores. Além do uso que cidadãos locais fazem da prostituição infantil, os fluxos costumam descrever um padrão, igual ao próprio turismo em geral: de países ricos para países pobres. Assim, as organizações denunciam que são cada vez mais os cidadãos dos Estados Unidos e Canadá que aproveitam a vulnerabilidade de crianças na América Latina e Caribe. Também europeus viajam a esses destinos. Como também ao Sudeste Asiático, embora aqui haja diferenças. Uma pesquisa da organização AIDéTouS realizada em 2002 mostrou que, de 4.214 visitas com propósitos sexuais registradas no Camboja, 36% dos clientes eram cidadãos locais, e 42%, asiáticos orientais (chineses, vietnamitas e japoneses). Os ocidentais eram minoria: 22%. Mas é conveniente encarar essa cifra com cautela, já que não é recente e se refere a um só país, embora sirva para dar uma ideia dos fluxos na região.

Uma das linhas de trabalho para erradicar essa prática é o Código de Conduta que mais de 1.000 empresas turísticas do mundo assinaram

Uma das linhas de trabalho para erradicar essa prática é o Código de Conduta que mais de 1.000 empresas turísticas do mundo (companhias aéreas, agentes de viagens, hotéis…) assinaram. Os signatários se comprometem a lutar de forma ativa contra a prostituição infantil nesses sentidos: “Estabelecer uma política ética corporativa contra a exploração sexual comercial de crianças, meninas e adolescentes; formar o seu pessoal tanto no país de origem como nos países do destino; introduzir uma cláusula nos contratos com fornecedores estabelecendo o rechaço comum à exploração sexual comercial de crianças, meninas e adolescentes; proporcionar informação aos usuários (turistas) por meio de catálogos, folhetos, vídeos durante os voos, etiquetas nas passagens, sites da internet; proporcionar informação aos principais agentes locais em cada destino. Informar anualmente sobre a implementação desses pontos”.

Em julho, 23 empresas foram reconhecidas como exemplo de boas práticas do Código de Conduta, promovido, entre outras organizações, pela Organização Mundial do Turismo. “São verdadeiros líderes na proteção das crianças no turismo. Executaram ações concretas para mantê-las seguras e para conscientizar sobre o crime que significa o turismo sexual com menores dentro da indústria e do público em geral”, disse Andreas Astrup, gerente-geral da plataforma The Code. As empresas espanholas Meliá e Riusa II estiveram entre as premiadas por implementar os seis pontos do código.

Uns dos principais agentes descritos no documento são, por exemplo, os policiais turísticos da República Dominicana. Cristina Alonso, diretora de Alianças Corporativas do Unicef na Espanha, explica que, com a cooperação desses policiais e a dos agentes hoteleiros no país, se tornou quase impossível que um adulto entre com um menor sem parentesco em um hotel sem que os alarmes sejam disparados. “Não é que se erradicou tudo, mas, pelo menos, é cada vez mais mal visto e já não se pratica diante de todos com impunidade”, assegura.

Mas, segundo um relatório de 2008 do Ecpat – que a organização diz ainda estar válido –, pouquíssimos turistas sexuais ocasionais são detidos, julgados e sentenciados. “Isso talvez seja porque geralmente não produzem imagens do abuso perpetrado nem recorrem a meios extremos para praticar o turismo sexual com crianças e adolescentes, como comunicar-se com redes de pedófilos ou intercambiar pornografia”, argumenta. No caso dos pedófilos, a perseguição é um pouco mais efetiva, já que são reincidentes, muitas vezes estão organizados e ocasionalmente compartilham materiais das crianças.

A perseguição e a conscientização, embora sejam ferramentas imprescindíveis, só servem para paliar os sintomas da enfermidade. Cobas assegura que, como o problema decorre da pobreza e do desespero, “para lutar efetivamente contra ele será preciso chegar à sua raiz”.

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_